Perna curta

Libanês que mentiu sobre endereço perde nacionalidade do Brasil

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17 de julho de 2006, 17h17

O libanês Moustafa Abbas Safieddine não conseguiu reverter na Justiça o cancelamento do seu certificado de naturalização. A sentença é do juiz Alexandre Vidigal, da 20ª Vara Federal do Distrito Federal. Para o juiz, ficou comprovado que Safieddine agiu de má-fé pedindo naturalização em São Paulo sem nunca ter se mudado de Foz do Iguaçu, onde mora desde 1999.

Safieddine entrou na Justiça tentando reverter ato da diretora do Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça que cancelou seu certificado de naturalização.

De acordo com o processo, na ocasião da intimação para a audiência de naturalização, o estrangeiro não foi encontrado no endereço informado na cidade de São Paulo. Em sua defesa, Safieddine sustenta ter comunicado a mudança de endereço ao Ministério da Justiça em janeiro de 2005, pedindo que o certificado fosse enviado para a Justiça Federal de Foz do Iguaçu. Ele alegou, ainda, morar no Brasil há 15 anos e preencher todos os requisitos legais à manutenção do certificado de naturalização.

Os argumentos não surtiram efeito. “Só fato de ter prestado, sob as penas da lei, informações inverídicas às autoridades responsáveis pelo processo de naturalização já justifica o cancelamento do Certificado de Naturalização expedido em favor do Impetrante”, afirmou o juiz Alexandre Vidigal.

Diligências feitas pela Polícia Federal constataram que o libanês vive em Foz do Iguaçu desde 1999, informação comprovada por meio de recibos de aluguéis e contratos de locação em nome de Safieddine. “Assim, percebe-se que o Impetrante agiu de má-fé ao comunicar uma alteração de endereço da cidade de São Paulo para Foz do Iguaçu que jamais existiu, visto que já residia nesta cidade mesmo antes de ingressar com o pedido de naturalização em São Paulo”, afirma o juiz na sentença.

Leia a íntegra da sentença

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

20ª VARA FEDERAL

MANDADO DE SEGURANÇA

REGISTRO DE SENTENÇA Nº /2006 – LIVRO Nº Fls.

PROCESSO: 2005.34.00.036518-0/2100

JUIZ FEDERAL: ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA

IMPETRANTE: MOUSTAFA ABBAS SAFIEDDINE

IMPETRADA: DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE ESTRANGEIROS DA SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA

SENTENÇA

Vistos etc.

MOUSTAFA ABBAS SAFIEDDINE, devidamente qualificado na inicial e representado por seu advogado, impetrou o presente MANDADO DE SEGURANÇA, com pedido de liminar, contra ato da DIRETORA DO DEPARTAMENTO DE ESTRANGEIROS DA SECRETARIA NACIONAL DE JUSTIÇA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, objetivando a anulação do ato de cancelamento do Certificado de Naturalização emitido a seu favor.

Alega que, em 20/01/2005, fora-lhe concedido o Certificado de Naturalização, nos termos do artigo 12, inciso II, alínea “a” da CF/88 e do artigo 111 da Lei 6.815/80. Ocorre, porém, que, por ocasião da intimação para a audiência de naturalização, não fora encontrado no endereço informado, visto que havia se mudado para Foz do Iguaçu-PR. Sustenta ter comunicado, em 10/01/2005, ao Ministério da Justiça a mudança de endereço, tendo solicitado naquela ocasião que o Certificado fosse enviado para a Justiça Federal – Subseção Judiciária de Foz do Iguaçu. Afirma residir no Brasil há 15 anos, preenchendo todos os requisitos legais à manutenção do Certificado de Naturalização, não havendo razão para a sua anulação.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 13/88.

O pedido de liminar fora indeferido (fls. 90).

Devidamente notificada, a Autoridade Impetrada prestou suas informações às fls. 92/97, alegando que o Impetrante declarou, sob as penas da lei, residir em São Paulo, há cinco ano e oito meses, fato que restou comprovado ser inverídico, e que acarretou o cancelamento daquele Certificado de Naturalização. Demais disso, o artigo 121 da Lei 6.815/80 dispõe que a satisfação das condições previstas em lei não assegura ao estrangeiro o direito à naturalização, não estando, portanto, configurada a violação a direito líquido e certo do Impetrante.

O i. representante do Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 116/120).

É O RELATÓRIO.

DECIDO.

Da análise dos autos, verifica-se que o pedido de naturalização do Impetrante fora deferido administrativamente, tendo o Certificado de Naturalização sido encaminhado à 1ª Vara da Justiça Federal de São Paulo, para entrega ao Impetrante, em obediência ao disposto no §1º, do artigo 119, da Lei 6.815/80, com a redação dada pela Lei 6.964/81.

Ressalte-se que tal procedimento fora adotado por ter o Impetrante declarado, quando do preenchimento do formulário de pedido de naturalização, residir em São Paulo há mais de cinco anos e oito meses, ocasião em que também informou não ter residido em outra unidade da Federação desde que chegou no Brasil (fls. 15 e 18).

Ocorre, porém, que o Certificado de Naturalização fora devolvido ao Ministério da Justiça, por aquele Juízo Federal de São Paulo, dada a não localização do Impetrante no endereço informado, conforme diligências procedidas nos dias 17 e 21 de março de 2005 (fls. 100), e diante dos fortes indícios de que ali nunca teria residido (fls. 99/100).

Note-se que, em 10/01/2005, o Impetrante enviou correspondência ao Ministério da Justiça, comunicando a alteração de seu endereço à Rua Cruz e Souza nº 24, apto 501, Vila Portes, Foz do Iguaçu-PR (fl. 68).

Diante disso, o processo de naturalização fora encaminhado ao Departamento da Polícia Federal em Foz do Iguaçu para que realizasse novas diligências no sentido de se verificar eventuais alterações no preenchimento das condições necessárias à naturalização, ocasião em que fora constatado, conforme informação prestada tanto pela administradora do condomínio, como também pelo porteiro e pela proprietária do imóvel alugado pelo Impetrante, que o mesmo reside em Foz do Iguaçu desde 1999, nunca tendo residido em outro lugar nesse interstício, sendo tal afirmação comprovada por meio de recibos de aluguéis pagos desde o ano de 1999, bem como contratos de locação em nome do Impetrante.

Demais disso, o próprio Impetrante acabou confirmando aos Agentes da Polícia Federal que sempre residiu com ânimo definitivo em Foz do Iguaçu, e que deu entrada no pedido de naturalização em São Paulo porque soube de vários conhecidos libaneses que fizeram o mesmo (fl. 104).

Assim, percebe-se que o Impetrante agiu de má-fé ao comunicar uma alteração de endereço da cidade de São Paulo para Foz do Iguaçu que jamais existiu, visto que já residia nesta cidade mesmo antes de ingressar com o pedido de naturalização em São Paulo.

Ora, nos termos do inciso XIII, do artigo 125, da Lei 6.815/80, alterado pela Lei 6964/81:

“Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas:

(…)

XIII – fazer declaração falsa em processo de transformação de visto, de registro, de alteração de assentamentos, de naturalização, ou para a obtenção de passaporte para estrangeiro, laissez-passer, ou, quando exigido, visto de saída:

Pena: reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.”

Assim, o só fato de ter prestado, sob as penas da lei, informações inverídicas às autoridades responsáveis pelo processo de naturalização já justifica o cancelamento do Certificado de Naturalização expedido em favor do Impetrante.

Acrescente-se, ainda, que, como bem lembrado pela autoridade Impetrada, o artigo 121 da Lei 6815/80, renumerado pela Lei 6964/81, não assegura ao estrangeiro que satisfaça as condições previstas na lei o direito à naturalização, não ressaindo, portanto, evidenciada a alegada violação a direito líquido e certo do Impetrante.

Por fim, sobre o caso em análise, merecem destaque as ponderações do d. parecer do Ministério Público Federal transcritas abaixo, as quais também adoto como razões de decidir:

“…não se trata apenas do naturalizando ter ou não informado o seu novo endereço em tempo hábil, o problema está no fato dele ter prestado informações inverídicas quando do pedido de naturalização. Uma vez que restou comprovado que no momento do pedido, o mesmo já residia, há pelo menos cinco anos no Paraná, mas precisamente no exato local informado posteriormente com seu ‘novo’ endereço.

Tal dado foi descoberto por meio de informações prestadas pelos próprios moradores do edifício, em diligência realizada pelo Núcleo de Polícia de Imigração à rua Cruz e Souza, nº 24, Vila Portes em Foz do Iguaçu (local declarado por Moustafa como seu novo endereço):

‘Entrevistamos a administradora do condomínio Sandra Rodrigues da Silva, que afirmou trabalhar no local há um ano, mas que freqüenta o local há muito tempo porque é amiga da moradora do apartamento 502, Cláudia Ivone Volmer Nether Asman, há 25 anos.

Sabe que o naturalizando reside no prédio desde 1999, desde antes de seus filhos nascerem, morando no apartamento 502, antes de se mudar para o atual 501, que é maior que o anterior, nunca residindo em outro lugar nesse interstício.

Pode afirmar isso porque freqüentava a casa da amiga Cláudia no mínimo uma vez por semana e sempre via a família no local, inclusive o naturalizando.

(…)

A administradora nos mostrou recibos de alugueres pagos desde o ano de 1999, bem como contratos de locação dos apartamentos 502 e 501 em nome de Moustafa.’

Após tal constatação, o naturalizando sentiu-se pressionado e confirmou que sempre residiu em Foz do Iguaçu com ânimo definitivo e que só havia feito o pedido de naturalização em São Paulo porque soube de vários conhecidos libaneses que fizeram o mesmo.

Ocorre que o problema não se restringe ao caso de Moustafá, conforme afirma a Diretora do Departamento Estrangeiro, Izaura Maria Soares Miranda, foram identificadas diversas situações semelhantes. Ademais, constatou-se que em outros processos de naturalização, foi verificado que os estrangeiros apresentaram como local de residência o mesmo endereço. Fato que vem fazendo com que o Departamento Estrangeiro fique cada vez mais atento à real situação dos naturalizandos, visto que muitos nem mesmo residem no Brasil.

Segundo ela, o que atrai muitos estrangeiros ao entrar com o pedido de naturalização em São Paulo é a flexibilização nos testes de português realizados em sua Polícia Federal. Por outro lado, a Justiça Federal deste estado é conhecida por sua rigidez, o que leva os naturalizandos a forjar suposta mudança de cidade para realizar um segundo teste, que deverá ser realizado no momento da entrega do Certificado, em outro local mais benéfico (fls. 93/97).” (fls. 118/119).

Pelo exposto, DENEGO A SEGURANÇA.

Incabível a condenação em honorários de advogado (Súmulas 512/STF e 105/STJ).

Custas, pelo Impetrante.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília, 14 de julho de 2006.

ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA

Juiz Federal da 20ª Vara/DF

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