Falta de concurso

Juiz trabalhista confirma demissão de terceirizados da Codeplan

Autor

17 de julho de 2006, 17h48

A empresa pública de direito privado Codeplan — Companhia do Desenvolvimento do Planalto Central deve, efetivamente, demitir todos os funcionários terceirizados e está proibida de contratar novos empregados que não tenham feito concurso. A sentença é do juiz Grijalbo Fernandes Coutinho, da 19ª Vara do Trabalho do Distrito Federal, e confirma liminar anterior. Em caso de descumprimento, a multa prevista é de R$ 30 mil por empregado terceirizado mantido na empresa.

Para o juiz, as provas e os depoimentos colhidos confirmam a existência de funcionários terceirizados na empresa, o que é ilegal de acordo com o Estatuto da própria Codeplan e com o artigo 37 da Constituição. O artigo 37 impõe, como condição para ingresso no serviço público, o concurso aberto a todos que preencham os requisitos mínimos para participar da seleção.

O Ministério Público do Trabalho ajuizou Ação Civil Pública contra a empresa para pedir a demissão dos funcionários terceirizados e impedir novas contratações dessa forma.

Argumentos

A Codeplan alegou que a terceirização somente ocorreu com relação aos empregados da ICS — Instituto Candango de Solidariedade, entidade que não existe mais. Argumentou também que a liminar que proibiu a mão-de-obra terceirizada não abrangia as prestadoras de serviços nas áreas de limpeza, conservação e segurança. Ela negou que tenha ocorrido terceirização ilegal de suas atividades e afirmou que as provas produzidas unilateralmente pelo Ministério Público não observaram o direito ao contraditório.

No mérito, o MP voltou a alegar que a empresa demitiu quase todos os trabalhadores da área administrativa e técnica para depois preencher esses cargos por pessoas terceirizadas. Também afirmou que não atacou o contrato específico do Instituto Candango de Solidariedade como o único fornecedor de pessoal de forma irregular, mas de situações práticas que demonstram a ocorrência de terceirização dentro da empresa.

Leia a sentença

ATA DE AUDIÊNCIA

PROCESSO: 1292-2005-019-10-00-0

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

RÉU: COMPANHIA DO DESENVOLVIMENTO DO PLANALTO CENTRAL – CODEPLAN

Aos seis dias do mês de julho do ano de 2006, perante a Eg. 19ª VARA DO TRABALHO DE BRASÍLIA-DF, sob a direção do MM. Juiz do Trabalho Titular GRIJALBO FERNANDES COUTINHO, realizou-se a audiência relativa ao processo identificado em epígrafe.

A audiência teve início às 17h55, momento em que foram apregoadas as partes.

Presentes os que assinam esta ata.

SENTENÇA

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO ajuizou, por intermédio da Procuradoria do Trabalho da 10ª Região, ação civil pública contra a COMPANHIA DO DESENVOLVIMENTO DO PLANALTO CENTRAL – CODEPLAN, objetivando fosse esta última condenada, em caráter liminar ainda, a abster-se de contratar pessoal sob a modalidade denominada de terceirização de mão-de-obra, não apenas no que toca às suas atividades finalísticas, que necessariamente deveriam estar sob os cuidados do seu pessoal efetivo, integrantes, portanto, de seu quadro permanente, como também das de meio, proibindo-a inclusive, de forma geral e abrangente, de fazer novas contratações sob a modalidade ora encetada, que se dá por interposta pessoa. Pugnou também, em continuação, cessasse ela de imediato a prática constante de disponibilizar o pessoal agregado sob a forma nefasta da terceirização a outros órgãos da administração local, além de residências particulares e oficiais, assim como fosse providenciada pelo juízo a busca e apreensão, por mandado, da relação de pessoal admitido sob a modalidade ora versada, evitando-se com isso fossem adulterados pelas entidades envolvidas, de modo a frustar a atuação da justiça. Pugnou, por fim, fosse imposta multa em caráter solidário à ré por descumprimento dos comandos liminares aqui repetidos e ao administrador responsável pela perpetuação das práticas antes relatadas. Deu à causa o valor de R$ 100.000.000,00 (cem milhões de reais).

Denunciado, pelo parquet, a divulgação de matéria, na forma de entrevista, em jornal de grande circulação nacional, no bojo da qual negava o órgão de assessoria da ré fosse ser providenciada, tal como determinado em sede liminar, as demissões dos empregados irregularmente contratados, pelo falso motivo de que a ação em questão versava tão-somente acerca do pessoal contratado junto ao Instituto Candango de Solidariedade – ICS, entidade não mais existente, o que não correspondia à verdade, porquanto mais extensivo o comando, determinou o juiz então de plantão fosse expedido mandado de constatação buscando verificar o efetivo cumprimento das determinações judiciais até então exaradas (fls. 752/753).


Esclareceu-se, mais adiante, no intuito de assegurar a execução regular de algumas atividades ditas de meio, que os trabalhadores de empresas habitualmente prestadoras de serviços nas áreas de limpeza, asseio, conservação, inclusive os ascensoristas, de segurança e vigilância, não estariam alcançados pela ordem liminar exarada (fl. 692).

Deferida providência liminar em autos de mandado de segurança ajuizado pela ré nestes autos, perante o egrégio Tribunal Regional ad quem, sob o nº 0001/06, no seio da qual restou decretada, até que se materializasse o julgamento final a ser ali externado, a suspensão dos efeitos decorrentes da ordem igualmente liminar exarada nestes autos de ação civil pública.

Logrou, porém, o parquet, em demanda suspensiva levada a efeito junto ao Tribunal Superior do Trabalho, a suspensão do comando judicial liminar antes noticiado, restando assim restabelecida, por conseqüência, a liminar por mim deferida, que vedava se desse curso às irregularidades denunciadas.

Autorizada a formação de autos suplementares (fl. 1087).

As empresas LINK DATA INFORMÁTICA E SERVIÇOS LTDA, PATAMAR MANUTENÇÃO DE DOMÍNIOS LTDA, SAPIENS TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO LTDA, CTIS INFORMÁTICA LTDA, ADLER ASSESSORAMENTO EMPRESARIAL E REPRESENTAÇÕES LTDA, SETE SERVIÇOS TÉCNICOS ESPECIALIZADOS LTDA, LINKNET TECNOLOGIA E TELECOMUNICAÇÕES LTDA, JFM INFORMÁTICA LTDA, CALL TECNOLOGIA E SERVIÇOS LTDA, CONECTA – TECNOLOGIA EM SISTEMAS DE COMUNICAÇÃO LTDA, PRODATA TECNOLOGIA E SISTEMAS AVANÇADOS LTDA, bem como a FUNDAÇÃO DE APOIO À PESQUISA pugnaram pelo efetivo ingresso delas nos autos na condição de assistentes, com arrimo no art. 51 do CPC, o que ficou de ser posteriormente analisado.

Comunicou a ré às fls. 5582 o resultado do julgamento final do mandado de segurança por ela ajuizado perante o egrégio Regional ad quem, mediante a apresentação de certidão, no bojo da qual se noticia a concessão parcial da segurança desejada, de forma a manter suspensa a determinação de dispensa imediata de todo o pessoal contratado de empresas/entidades interpostas e do pessoal terceirizado da área técnica de informática, mantidos, porém, integralmente os demais efeitos da liminar por mim exarada, em especial na parte que veda novas contratações, substituições, cessões ou permutas de pessoal.

A ré apresentou, em peças apartadas, impugnação ao valor dado à causa na inicial e contestação escrita, consoante se vê às fls.1334/1340 e 1401/1449, respectivamente. Nega a ré, na defesa apresentada, tenha incorrido em terceirização ilegal de suas atividades fins, defendendo, ainda, a regularidade dos contratos de gestão que firmou. Aduz também que as provas produzidas unilateralmente pelo parquet, e, portanto, sem observância do contraditório, não espelham as situações contratuais reais e atuais por ela travadas, bem como que as cessões de empregados decorreram de ato normativo legítimo e legal emanado do Chefe do Poder Executivo Estadual, possuindo assim natureza cogente e imperativa.

As partes tiveram ampla liberdade de manifestação em audiência.

O parquet manifestou-se acerca da contestação apresentada, renovando a alegação de que a ré cedeu quase todo o seu pessoal efetivo, tanto da área administrativa como técnica, para depois suprir as lacunas deixadas com a terceirização de suas atividades e serviços, atuando, ainda, ela mesma, na intermediação de mão-de-obra para outros órgãos da administração pública distrital. Destaca não haver atacado este ou aquele contrato especificamente, esclarecendo não ser o Instituto Candango de Solidariedade o único fornecedor de pessoal de forma irregular, mas situações práticas que denotam a ocorrência de terceirização flagrantemente inconstitucional, sem qualquer controle ou fiscalização de cumprimento, ou mesmo aferição de resultados.

A ré argúi, em peça autônoma, a incompetência material deste juízo para processar e julgar a ação presente, sob a alegação de que a causa de pedir versa acerca da invalidade de contratos de gestão por ela firmados, questão que escapa do âmbito de atuação desta especializada (fls. 5488/5490).

Decidi, em decisão interlocutória registrada às fls. 5596/5608, pela rejeição da impugnação ao valor dado à causa na inicial, negando ainda o ingresso das empresas e fundação requerentes no feito na condição de assistentes.

As partes foram ouvidas em depoimentos pessoais. Houve produção de prova testemunhal. Sem mais provas a serem produzidas, restou encerrada a instrução processual. Razões finais, pelas partes. Recusada a proposta conciliatória última formulada.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

DA ALEGADA INCOMPETÊNCIA MATERIAL DESTE JUÍZO ESPECIALIZADO DO TRABALHO PARA PROCESSAR E JULGAR A AÇÃO PRESENTE. COISA JULGADA


Não cuidou de apregoar aqui o parquet, é bom que logo se diga, a regularidade ou não do contrato de gestão firmado pela ré com o ICS, já terminado, mas sim da irregular cessão, pela ré, de seu pessoal efetivo a outros órgãos da administração, em detrimento do regular cumprimento de seus desígnios, para depois firmar contratos de prestação de serviços e bens com empresas privadas do ramo da computação, para o efetivo cumprimento de suas atividades finalísticas, com a comprovada manutenção de pessoal das empresas contratadas nas suas dependências, sem qualquer balizamento válido das tarefas contratadas, atividades tais que restaram comprovadamente prejudicadas pelas cessões de pessoal havida, gravitando em torno de tais contratos e da efetiva execução de seus termos, bem como das contrações irregulares por eles engendradas em desrespeito ao princípio da primazia da realidade, a discussão aqui encetada.

O conflito de competência noticiado pela ré, cuja cópia se fez juntar aos autos às fls. 5494/5496, se refere a uma outra ação de mesmo título e natureza que esta, cuja causa de pedir encontrava-se pautada na argüição de invalidade de contrato de gestão firmado pela ré, em um dos pólos e, no outro, o Instituto Candango de Solidariedade – ICS, resultando assim de todo injustificada a argüição de coisa julgada trazida a cotejo.

Muito embora não se levante, aqui, a invalidade do contrato de gestão firmado pela ré conjuntamente com o ICS, até porque já expirado o seu termo fatal, ou mesmo dos contratos de prestação de serviços levados a efeito por aquela com empresas privadas em atuação na área de informática, questiona-se a regularidade das execuções implementadas, que possivelmente objetivaram mascarar verdadeiras terceirizações ilegais realizadas ao arrepio do Texto Maior, de forma a burlar a exigência do imprescindível certame público.

Afasto assim a prefacial levantada, inclusive sob a ótica da alegação da superveniência de coisa julgada.

Reafirmo a competência desta Justiça Especializada para processar e julgar a matéria, nos termos do despacho proferido nos autos, destacando, ainda, precedente do TST sobre o tema:

“RECURSO DE REVISTA POR CONVERSÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TUTELA COLETIVA. OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. EMPRESA ESTATAL. CONCURSO PÚBLICO. EXIGÊNCIA DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA OU TESTE PSICOTÉCNICO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Diferentemente do entendimento adotado pelas instâncias ordinárias, é manifesta a competência da Justiça do Trabalho para instruir e julgar ação civil pública, de índole coletiva, proposta pelo Ministério Público do Trabalho em defesa da ordem jurídica trabalhista, visando à tutela dos direitos metaindividuais, isto é, dos interesses difusos dos cidadãos interessados no acesso ao emprego público oferecido pela Ré. Esta, embora sujeita ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas (CF, art. 173, § 1º, II), também está obrigada, como estatal, à observância do princípio da legalidade no que concerne à regulamentação do concurso público para provimento de seus empregos (CF, art. 37, “caput”). Esse controle jurisdicional não pode ser subtraído à Justiça do Trabalho, estando a sua competência definida na 2ª parte do art. 114 da Constituição Federal, ainda que o litígio tenha origem na fase pré-contratual, como nas hipóteses da Lei nº 9029, de 1995, que proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego. Agravo provido. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST, 5.ª T., RR 702000/2000, Rel. Juiz Walmir Oliveira da Costa, DJ 1/10/2002)”

No mais, reporto-me ao teor da interlocutória proferida às fls 5601/5603, sobre o mesmo tema.

Rejeito as preliminares de incompetência e de coisa julgada.

DAS CESSÕES INDEVIDAS DE PESSOAL EFETIVO LEVADAS A EFEITO PELA RÉ. DAS TERCEIRIZAÇÕES IRREGULARES PERPETRADAS

Narra o parquet, na inicial, haver realizado, motivado por denúncias que chegaram ao seu conhecimento, dois procedimentos investigatórios nas dependências da ré e do Instituto Candango de Solidariedade – ICS, ocasião em que foram encontradas situações de inconstitucionalidades e ilegalidades que demonstram cabalmente o efetivo desrespeito ao regramento contido no art. 37, inciso II, da Constituição Federal vigente e contrariedade ao entendimento jurisprudencial cristalizado no Enunciado 331, do TST. Denuncia ainda que, numa atitude inusitada, cedeu a ré a quase totalidade de seus funcionários efetivos, em número aproximado de 478, a outras entidades da administração pública, ao mesmo tempo em que contratava outros, valendo-se, como já dito alhures, da terceirização de mão-de-obra, repassando várias de suas atividades ditas finalísticas e, portanto, estratégicas, a outras empresas, consoante farto elenco descrito à fl. 6 da exordial


Relata ainda o parquet que, uma delas, a SAPIEN TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO LTDA, contratou outras 10 (dez) empresas, todas para prestarem serviços à ré, ocupando-se sempre de setores estratégicos para o seu efetivo controle e funcionamento.

A contratação indireta de pessoal por pessoas interpostas, a despeito de se tratarem de pessoas jurídicas de direito público ou mesmo privado, sob o falso rótulo de contrato de gestão ou mesmo de prestação de serviços em atividades ditas finalísticas do ente contratante, configura prática contrária ao comando constitucional que exige a prévia submissão a certame público para a investidura em cargo ou emprego público (CF/88, art. 37, inciso II).

Os contratos de gestão e de fornecimento de bens e serviços, não há negar, possibilitam ao Estado prestar serviços públicos sem as naturais amarras que normalmente se impõe à administração pública como um todo, o que não significa dizer, de modo nenhum, possam ser negados os princípios basilares que devem reger a atividade pública em todas as suas esferas de atuação.

O conjunto probatório emergente destes autos, consubstanciado na reprodução de depoimentos colhidos em procedimentos de investigação de iniciativa do autor, perpetrados não só no âmbito da ré, como também nas dependências do Instituto Candango de Solidariedade e de outras empresas com atuação na área de computação, além de controles de freqüência e documentos atestando a designação de trabalhadores em atuação na ré, em sede finalística ou mesmo de meio, como também em outros órgãos integrantes da administração local, denotam claramente a flagrante malferição ao regramento contido no art. 37, inciso II, da Carta Maior, alem de despeito direto aos princípios maiores que orientam a atividade pública, em especial os da moralidade e da impessoalidade.

O preposto da Codeplan, Clemir Márcio Rodrigues, declarou o seguinte:

“Que a reclamada tem em seus quadros cerca de 575 empregados, sendo que 114 desenvolvem as suas atividades dentro da própria empresa; que os demais empregados foram cedidos a órgãos públicos diversos da Administração do Distrito Federal, requisição que se deu por meio de Decreto editado pelo Sr. Governador; que tais requisições ocorreram entre os anos de 1999/2000; que os referidos servidores estão cedidos à Administração Direta e Indireta do Governo do Distrito Federal; que nas referidas requisições há cessões com e sem ônus para a reclamada;que para suprir essa necessidade de pessoal, a reclamada celebrou contratos nas áreas técnicas com diversas empresas, na área de informática, que é a sua atividade-fim;que os mencionados contratos foram celebrados pela reclamada para a execução de projetos; que as pessoas que prestam serviços para a execução dos serviços técnicos contratados pela reclamada o fazem nas dependências da CODEPLAN;que na área de recursos humanos, por exemplo, onde trabalha o depoente, são executados projetos de digitalização de documentos, atualização de processos de pagamentos; que a CODEPLAN, no cumprimento de suas finalidades, executa os mais diversos serviços para os demais órgãos e entidades integrantes da Administração do Distrito Federal, na área de informática, fazendo uso dos respectivos contratos técnicos, antes mencionados;(fls 5623/5624).

Depois de tão contundente confissão real dos fatos noticiados pelo Ministério Público do Trabalho, considerando o depoimento do preposto, desnecessária seria a produção de quaisquer outras provas. Apenas com o objetivo de evitar qualquer alegação de cerceamento de defesa, foram colhidos depoimentos das testemunhas trazidas pela reclamada(fls 5623/5628), os quais não alteraram o contexto narrado pelo preposto. Aliás, também há confissão(ficta) pelo que não soube informar o representante da Codeplan, razão pela qual transcrevo o restante do seu depoimento:

“que não pode precisar o número de empresas contratadas atualmente para a execução dos serviços antes mencionados;que também não pode precisar o número de pessoas físicas ora prestando serviços nas dependências da CODEPLAN; que também não sabe informar os valores relativos aos contratos técnicos celebrados pela reclamada;que não tem conhecimento da execução de projetos, pela reclamada, na Câmara Legislativa do DF na casa do Governador;que apenas a área técnica pode informar sobre o parâmetro utilizado para saber se um determinado contrato foi ou não executado, esclarecendo o depoente que integra a área de pessoal(recursos humanos);que o depoente pode atestar apenas a veracidade dos horários lançados nas folhas de ponto dos empregados da reclamada, não tendo acesso a documentos desta natureza de trabalhadores contratados por empresas diversas;que o depoente não tem conhecimento de trabalhadores das empresas contratadas para órgãos diversos do GDF; que os trabalhadores das empresas contratadas executam as suas atividades na área técnica de informática, mas eles têm que conhecer a rotina para atualizar o sistema, cuja orientação é repassada pelo pessoal do quadro da reclamada;que não há coincidência entre as atividades desenvolvidas pelo pessoal da reclamada e os serviços executados pelos trabalhadores das empresas contratadas;que não tem conhecimento da liminar que suspendeu a contratação de pessoal terceirzado da reclamada;que não houve nenhuma mudança na rotina da reclamada nos últimos meses, informação que somente pode ser prestada pela área de contratos;que não tem qualquer conhecimento sobre a existência, em algum momento, de contrato celebrado entre a reclamada e o Instituto Candango de Solidariedade, muito menos sabendo do repasse de pessoal do ICS para a empresa Link Net; que não sabe precisar o horário de trabalho para o pessoal das empresas contratadas, pois tal fato diz respeito apenas às referidas empresas”(fls 5623/5624).


O nosso sistema processual não estabelece qualquer hierarquia entre as diversas modalidades de provas admitidas em juízo. Tem sido recorrente, no entanto, a valorização da confissão feita pela própria parte, muito provavelmente pelo reconhecimento da violação do direito por quem mais detém autoridade e isenção para emitir pronunciamento nesse sentido. Não é por outra razão que há muito tempo tem sido a confissão apontada como ” a rainha da provas”, capaz de determinar o encerramento imediato da instrução probatória.

O depoimento pessoal tem como objetivo único extrair da parte a sua confissão em relação aos fatos controvertidos alegados pelo outro litigante. É por essa razão, que no processo civil/trabalhista, não há sentido na formulação de perguntas, durante o ato instrutório, pelo causídico ao seu cliente. Nenhuma frase ou vírgula posta na ata será aproveitada de modo favorável a quem prestou depoimento pessoal na qualidade de parte. Apesar de tudo isso, não podemos encarar a tomada do depoimento pessoal como uma armadilha para se alcançar a confissão a qualquer custo. É evidente que a capacidade e a liberdade do inquiridor, em tais circunstâncias, estão bem delimitadas na Constituição e na Lei, jamais se permitindo a prática de abusos, comportamento que não integra o cotidiano dos magistrados brasileiros.

A Legislação Processual Civil, de aplicação subsidiária ao Processo do Trabalho, por força do disposto no artigo 769, da CLT, ao tratar do depoimento pessoal como prova(artigo 342, do CPC), estabelece que ” se a parte intimada não comparecer ou comparecendo, se recusar a depor, o juiz lhe aplicará a pena de confissão”(CPC, artigo 343), comando adotado pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho(Súmula Nº 74).

No caso em exame, há confissão real da reclamada extraída a partir da declaração de seu preposto no sentido que a Codeplan cedeu praticamente todo o seu pessoal, por ato do Governador do Distrito Federal(Decretos), servidores os quais foram substituídos por trabalhadores de empresas terceirizantes, estes laborando nas dependências da reclamada mediante orientação do reduzido número de funcionários do quadro efetivo da Codeplan.

Sobre outras contratações realizadas pela Codeplan, para servir à residência do Governador e para os mais diversos locais da Administração Pública do Distrito Federal, funcionando a empresa como agenciadora de mão-de-obra, a confissão é ficta, considerando que a ausência de conhecimento dos fatos, pelo preposto, equivale à recusa de depor.

Como dito anteriormente, persegue-se com o depoimento pessoal a confissão real da parte, com a admissão expressa do conteúdo alegado pelo adversário nos autos. No entanto, se não é possível obtê la do modo preciso antes indicado pela obstrução criada pela parte, seja por silenciar quando interrogada, seja por não ter conhecimento dos fatos controvertidos, aplica-se lhe a confissão ficta.

Mas devo consignar que a prova documental trazida aos autos, antes mesmo da avaliação de outros elementos existentes, apontava para a ocorrência de desvios administrativos.

A confissão do preposto apenas reforça a prática de um conjunto de irregularidades praticadas pela CODEPLAN, com o beneplácito dos ocupantes do cargo de Governador do Distrito Federal, não só pelo fato de o Chefe do Executivo esvaziar as funções do pessoal efetivo da referida empresa pública, com a condenável prática de requisições em massa de quase toda a equipe técnica para outros órgãos da Administração do GDF, mas também por ser ele o responsável pela nomeação do Presidente e dos demais diretores da antes conceituada estatal da área de informática, hoje mera gestora dos contratos de terceirização ilegal de serviços, intermediadora de mão-de-obra e captadora de somas expressivas de recursos públicos para fins contrários aos comandos constitucionais e legais vigentes. Agem como se fossem donos do dinheiro público, causando os mais evidentes prejuízos à sociedade, de forma geral e, aos contribuintes, de modo especial.

As provas colhidas em sede de inquérito de iniciativa do parquet, de inegável relatividade, porquanto ausente o contraditório, foram contundentes, deixando evidente a prática das irregularidades apontadas na inicial. Mas o só fato de não haver contraditório, não desmerece em nada a prova nessas circunstâncias produzida, porquanto ausente nessas hipóteses o preparo antecedente, a combinação premeditava, visando alterar a realidade dos fatos investigados.

Ficou claro, em especial pela análise dos depoimentos colhidos nos presentes autos e da farta prova documental aqui produzida, que a ré não apenas contrata pessoal para trabalhar em seus quadros por pessoas interpostas, sob o pálio formal da estipulação de contratos de gestão ou mesmo de mera prestação de serviços, como também atuava, sem autorização legal, como verdadeira agenciadora de mão-de-obra para trabalhar em outros órgãos, promovendo condenável promiscuidade administrativa, ao arrepio não só do interesse público dominante, mas em especial do regramento constitucional vigente, que não se compadece com tais práticas, negando-lhes legitimidade.


Tais práticas, com as quais jamais comunguei, como se extrai de decisões que proferi(Processos 767/99; 1111/99; 636/99, todos da 3ª VT/DF) , somente se prestam a aumentar o endividamento público, em inegável detrimento do aperfeiçoamento da atividade pública como um todo e dos seus agentes, em prejuízo dos interesses do cidadão que desta se vale no intuito único de ter solução imediata para os seus anseios legítimos por parte de quem tem o dever de responder-lhe.

O judiciário trabalhista não tem pretensão alguma em interferir no mérito dos programas organizacionais e sociais implementados por este ou aquele administrador público, ou mesmo no aspecto gerencial dos órgãos e entidades integrantes do complexo administrativo, mas não pode jamais permitir que a contratação de pessoal se faça por meio proibido ou mesmo dissimulado, sem a observância dos princípios e exigências descritas pelo art. 37 da Constituição Federal em vigor.

Conforme restou asseverado em sede liminar, muito embora a Carta Política de 1988 não tenha atendido a todos os anseios da sociedade brasileira, foi um marco na perspectiva da valorização da cidadania. Os princípios fundamentais, as garantias individuais ampliadas, os direitos sociais e tantas outras conquistas ali inseridas provam que o constituinte originário esteve atento ao conceito do verdadeiro Estado Democrático de Direito, impondo-lhe o merecido respeito.

O novo regramento constitucional impôs como condição primeira para o ingresso no serviço publico a submissão ao imprescindível concurso público, este aberto a todos os que preenchessem os requisitos mínimos para participação no certame, além de fixar como princípios balizadores da Administração Pública e da conduta dos que à frente dela se encontrem, dentre outros, o da moralidade e o da impessoalidade (CF, artigo 37).

Depois de fechada parcialmente a janela, os governantes brasileiros, seguindo a recomendação de organismos financeiros internacionais, a partir dos anos 90, iniciaram uma ostensiva campanha de desqualificação do funcionalismo público, sob o argumento de haver inchaço na máquina pública, dos altos salários e do fraco desempenho da categoria. Eles, autores das aberrações e das contratações irregulares implementadas, colocaram todos os servidores no mesmo bloco. O objetivo central sempre foi o de privatizar funções essenciais mediante a desqualificação generalizada do setor que podia oferecer alguma resistência ao projeto de desmonte do Estado.

O concurso público obrigatório veio, portanto, para moralizar. A terceirização na Administração Pública, que serviria para reduzir custos e tornar menos importante o papel do Estado e de seus servidores na formulação de políticas públicas, acabou sendo alargada, se situando como um caminho paralelo para impor burla flagrante ao ingresso de pessoal sem concurso público, ao arrepio da premissa contida no artigo 37 e incisos da Constituição Federal.

No Distrito Federal, além da notória inconstitucionalidade no processo de terceirização, com evidente ofensa aos princípios da impessoalidade, da legalidade e da moralidade, há um agravante, qual seja, o da admissão de pessoal sob a falsa premissa da manutenção de contratos de gestão, ou mesmo de mera prestação de serviços com empresas privadas, conforme restou demonstrado nas investigações conduzidas pelo atuante e imprescindível Ministério Público, em suas três esferas, mediante relatos colhidos.

Mas não é só.

Buscou a ré em verdade, sob o falso manto da estipulação de contratos de gestão e de prestação de serviços, e, portanto, por via transversa, valer-se da mão-de-obra angariada junto a essas empresas para promover verdadeira terceirização de suas atividades finalísticas, cedendo a outros órgãos o seu pessoal técnico que de tais atividades normalmente cuidariam, em benefício do aproveitamento de outros que nenhum vínculo com ela mantinham, ligados que estão à iniciativa privada, o que não pode ser aceito, porquanto em efetiva dissonância não apenas com a ordem constitucional reinante, mas também aos princípios da eficiência e da melhor gerência da coisa pública. Não bastasse isso, promoveram as empresas contratadas, nas palavras do parquet, sob as égides contratuais em questão, verdadeira “quarterização” ou “quinterização” das atividades finalísticas que lhes são afetas, o que se dava no efetivo repassamento dos serviços que lhe eram exigidos, por meio de contratos firmados, a outras empresas do ramo, mediante a formulação de verdadeira subcontratação.

A prova oral colhida nos autos revela que a Codeplan, atualmente, está reduzida aos diretores e aos serviços prestados por trabalhadores de empresas terceirizantes. O seu quadro de funcionários foi requisitado para diversos órgãos integrantes da Administração Pública do Distrito Federal, por meio de Decretos expedidos pelo Governador.Mas não só isso. A Codepan, além de terceirizar a sua atividade-fim — serviços de informática para o GDF-, especializou-se também em agenciar mão-de-obra para os mais diversos órgãos da Administração Pública do Distrito Federal, tudo mediante o uso de quantias expressivas pertencentes ao poder público, fruto do recolhimento realizado pelos contribuintes.


As práticas antes relatadas, a despeito da flagrante irregularidade e desvirtuamento que denotam, são estrategicamente condenadas.

E nem se diga, como equivocadamente disse a ré na audiência primeira realizada, que as contratações de empresas e serviços que promoveu, muitas vezes sem a submissão a processo licitatório, tiveram por fim evitar interrupção nas soluções finais de informática, que a todo o Governo do Distrito Federal interessa, com efetivo atendimento do interesse público, já que, ao desmontar a sua estrutura funcional finalística, em favor de outros órgãos e em detrimento de seus desígnios estatutários, caminhou em sentido contrário ao interesse em nome do qual disse ter agido, violando o seu verdadeiro sentido.

A constituição última promulgada, visando coibir o ingresso de pessoal no serviço público, sem o devido concurso público, fato corriqueiro na Administração Pública brasileira até então, fixou como forma principal de ingresso a submissão prévia ao certame público, por meio do qual todos os cidadãos têm as mesmas chances de ocupar cargo de caráter efetivo, sem qualquer discriminação ou proteção a quem quer que seja.

O desprezo a tal exigência viola, como já ressaltado alhures, os princípios da moralidade, da impessoalidade e da legalidade, além de não levar em consideração que a remuneração paga ao trabalhador do serviço público é fruto dos impostos recolhidos pelo cidadão, contribuinte que se vê impedido de pleitear, pela via legítima do concurso público e em iguais condições com os demais postulantes, trabalho digno, o que não pode ser de modo nenhum admitido.

Logo, devo dizer que a ação adotada pela Codeplan ofende dispositivos constitucionais(CF, Artigo 37, Caput, Inicisos I e II, §2º).

A terceirização, do mesmo modo, encontra obstáculos no ordenamento jurídico vigente, constitucional, legal e principiológico.

A legislação que trata da matéria não autoriza a terceirização em tais condições (Leis 7.102/83 e 6019/94), pois além de restrita aos serviços de vigilância, conservação e limpeza, é inadmíssivel que a medida seja adotada pela via fácil da simples transferência de responsabilidade para outra pessoa jurídica. No Direito do Trabalho, operação no nível pretendido pela reclamada, não se concretiza.

Repito agora pronunciamento feito em outras ocasiões.

A contratação de trabalhadores, via empresa terceirizante, para o trabalho temporário e para a atividade-meio, constitui modalidade excepcional de arregimentação de mão-de-obra, somente admitida para atender à necessidade transitória de substituição de pessoal regular da empresa tomadora para acréscimo extraordinário de sua demanda produtiva e para as atividades de limpeza, segurança e conservação. Por este motivo somente é admitida em nosso sistema mediante determinação do respectivo prazo. Apenas por manter um caráter de absoluta excepcionalidade, convive com o princípio da continuidade da relação de emprego, que pressupõe a máxima inserção do trabalhador no âmbito da empresa mediante a justa expectativa de continuidade da relação e aquisição, com o passar do tempo, de direitos sociais. Confirma esta conclusão o fato de impor o Direito do Trabalho obstáculos para a adoção de contratos a termo, como se infere do Título I, Capítulo I, da CLT.

Ainda em virtude deste caráter excepcional, admite-se que o fornecimento de mão-de-obra temporária se faça por intermédio de empresa interposta, haja vista a histórica rejeição do Direito do Trabalho ao fenômeno da intermediação de trabalhadores também conhecido como merchandising, notadamente pela desfiguração da responsabilidade daquele que verdadeiramente se vale do trabalho humano pelo cumprimento das obrigações sociais decorrentes do contrato.

A adoção de novos modelos de produção, num contexto de economia globalizada, trouxe ao mundo do trabalho práticas inovadoras, em especial o fracionamento da cadeia produtiva conjugado à entrega de parte das atividades empresariais a terceiros, a chamada terceirização. Os conflitos trabalhistas envolvendo trabalhadores terceirizados – que pela sua enorme quantidade dominaram a atenção do Judiciário Trabalhista nos últimos anos – revelaram que a nova prática implicou grave precarização das relações de trabalho com a disseminação de um número enorme de empresas fornecedoras de mão-de-obra atuando de modo fraudulento no mercado. Em virtude da ausência de uma regulação legal específica a reiterada apreciação destes conflitos redundou na edição do Enunciado n. 331 do TST que, considerando lícita a terceirização apenas nas chamadas atividades-meio, consagrou a responsabilidade subsidiária da empresa tomadora dos serviços pelo cumprimento de todas obrigações sociais decorrentes do contrato.

Os institutos em exame do trabalho temporário e da terceirização possuem origem e natureza diversas, razão porque merecem enfrentamento mediante debate diversificado.


Como já acentuado, as formas de intermediação de mão-de-obra têm sido combatidas no âmbito do Direito do Trabalho ao longo dos anos, na medida em que possibilitam àqueles que se valem do trabalho humano para aferição de lucros fugir do cumprimento de suas obrigações sociais. Esta prática, presente no cotidiano da atividade produtiva sob múltiplas formas, não esconde o sórdido objetivo de propagar a irresponsabilidade social, transformando-a em regra, mediante pura e simples transferência dos ônus financeiros da relação de trabalho a quem não possui idoneidade financeira.

No contexto da fragmentação operacional das empresas e da conseqüente constituição societária que melhor atenda aos seus objetivos, impende assegurar que a dinâmica do trabalho terceirizado não sirva ao propósito de agasalhar o fornecimento desta excepcional mão-de-obra através de empresas integrantes de um mesmo grupo econômico. Inexiste razão lógica e/ou jurídica para que a chamada “empresa principal” deixe de manter em seu quadro próprio pessoal deslocado para outra unidade, a fim de evitar a concessão das mesmas garantias legais aos respectivos empregados.

É certo que a ordem jurídica trabalhista não se propõe a obstruir o crescimento econômico e o desenvolvimento de novos sistemas produtivos. A discussão de novos modelos de contratação, no entanto, não pode perder de vista o caráter protetivo da relação de trabalho. Deste modo, deve evitar a construção de novos mecanismos tendentes a fraudar os direitos mínimos assegurados pela Constituição da República, a precarizar a relação de emprego e a propagar a irresponsabilidade social.

É inadmissível, por conseguinte, que este tipo especial de contratação seja concebido e utilizado como via de acesso fácil a precarização das relações de trabalho, à terceirização desenfreada, à propagação da fraude e da irresponsabilidade social.

Lamentavemente, sob essa ótica – debate sobre a terceirização nos serviços vinculados a qualquer atividade-meio -, quase não se percebe nenhum questionamento por parte dos senhores advogados. E devo lamentar porque a herança deixada pela terceirização é perversa para as relações de trabalho, para o conjunto da classe trabalhadora e para o movimento sindical.

Considero que a Súmula 331, do TST, ao reconhecer a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, fixa comando relevante para assegurar a percepção de verbas pelo trabalhador. Por outro lado, em face da lacuna existente no ordenamento legislativo vigente, flexibliza e amplia as hipóteses de terceirização.

Estou convicto, pois, que ao pretender dar uma resposta ao avassalador trabalho terceirizado, o TST agiu bem ao fixar a responsabilidade do tomador de serviços, mas flexibilizou a contratação desta modalidade precária de arregimentação de mão para autorizá-lo em qualquer serviço especializado ligado à atividade-meio, estando o comando jurisprudencial, no particular, a sofrer crítica a partir do confronto e da análise de princípios constitucionais diversos (CF, artigos 1º, incisos II, III e IV, e 7º) e dos próprios requisitos previstos na CLT capazes de configurar o vínculo de emprego direto com o tomador de serviços.

Será que é possível ter “empresas” funcionando apenas para assumir uma condição negada pelas verdadeiras beneficiárias com o labor prestado? Há procedência em tal transferência?

Sem perder de vista o ângulo da violação da ordem jurídica com a terceirização, pois o tomador de serviços, na verdade, vale-se de uma ficção para escamotear a sua real condição de empregador, a sociedade brasileira precisa refletir sobre os efeitos econômicos, políticos e sociais da perversa tentativa de instalação da era trágica de mais sufoco ao povo trabalhador.

A terceirização, na atual quadra, é o câncer das ditas “relações de trabalho modernas”. Só que ao contrário da doença devastadora, não precisamos de pesquisas mais profundas para investigar os seus nefastos efeitos e para eliminá-la.

A organização dos atores interessados é a única arma para se contrapor, de modo real, à terceirização e, se não houver tal movimento, no futuro bem próximo, as reivindicações trabalhistas mirarão apenas as empresas terceirizantes, desfrutando os verdadeiros empregadores,donos dos meios de produção, de um conforto que nem o mais audacioso capitalista imaginava alcançar algum dia.

Esse é o dilema que se apresenta. Se a terceirização não for domada,sem nenhuma dúvida, o seu potencial destrutivo arrasará ainda mais sindicatos e trabalhadores.

Pois bem. Numa ousadia jamais imaginável, empresa pública do Distrito Federal(CODEPLAN), de uma hora para outra decide a reinventar a roda – a roda para burlar o concurso público e a relação de emprego de forma direta-, impondo aos contribuintes da referida Unidade da Federação os custos de operação construída contra o interesse público e de desrespeito aos mais elementares direitos e garantias previstos na Constituição Federal e na Consolidação das Leis do Trabalho.


Não é possível realizar terceirização na atividade-fim. O procedimento ofende garantias constitucionais(CF Artigos 1º, incisos III e IV; 7º e 37), princípios orientadores do direito do trabalho(da primazia da realidade, da irrenunciabilidade de direitos e da proteção do hipossuficiente) e dispositivos da CLT(Artigos 2º, 3º 9º e 442 e seguintes). A matéria está consolidada na jurisprudência trabalhista(Súmula nº 331, do TST).Aliás, nem mesmo na atividade-meio a ação se justifica.

Devo destacar decisão da lavra do Juiz Hugo Cavalcanti Melo Filho, do TRT da 6ª Região, envolvendo a terceirização promovida por ente estatal de Pernambuco, nos autos do Processo 654/04-2, entre partes Ministério Público do Trabalho e DETRAN-PE, cujos fundamentos apropriados foram acompanhados de vários precedentes do TST:

“Depreende-se dos autos que o DETRAN, ao longo dos anos, vem adotando, como prática rotineira e de forma ampliíssima, a intermediação de mão-de-obra, no que denomina processo de descentralização.

O Ministério Público do Trabalho, na peça exordial, noticia que, a partir de 1996, a Autarquia Estadual contratou, a empresa PERFORM e o consórcio ICI, este formado pelas empresas ora rés. A PERFORM, por seu turno, colocou a serviço do DETRAN trabalhadores formalmente vinculados às “cooperativas” Tecnocoop e NMData. Já o Consórcio ICI, valeu-se do mesmo expediente, contratando as “cooperativas” Tecnocoop e Etronab.

Em maio do corrente ano, o consórcio eliminou a intermediação realizada pela Etronab, fato que levou à extinção desta última.

Aponta o Órgão Ministerial vícios de duas ordens: primeiro, a intermediação de mão-de-obra, na hipótese dos autos, é ilegal, porque caracteriza a execução indireta de serviços ligados à atividade-fim da administração pública (atendimento ao público, controle de roubo, controle de infrações, controle de arrecadação, expedição de Carteira Nacional de Habilitação, de Certificado de Registro de Licenciamento de Veículo, recursos de multas de infração de trânsito, controle de apreensão, controle de documentos de segurança, controle de IPVA, controle de roubo, segurança de acesso de dados); segundo, porque a prática adotada permite, em última análise, a ocupação de postos na administração pública direta, sem a submissão do ocupante a concurso público, conforme determina a Constituição da República.

As rés, em suas defesas, procuram evidenciar as mudanças ocorridas na qualidade dos serviços prestados aos usuários, como se decorresse diretamente do processo de descentralização, com o que não se pode concordar. Ainda que seja certo que os serviços prestados atualmente são qualitativamente superiores ao de outras épocas, certamente tal melhora não decorre do fato de terem sido contratadas as empresas prestadoras de serviços. É evidente que servidores escolhidos pela via do concurso público, dispondo dos mesmos recursos materiais atualmente existentes no DETRAN produziriam resultado, no mínimo, idêntico ao alcançado hoje. A questão não pode ser reduzida a isso.

Convém renovar, aqui, os argumentos com os quais fundamentei a decisão de concessão da liminar requerida pelo Ministério Público:

“Pelo visto tem-se, aqui, mais um lamentável exemplo de rede fraudulenta de “prestadores de serviços”, construída a partir da idéia de terceirização de mão-de-obra, que, de um lado, provoca sérios prejuízos ao erário e, de outro, leva a efeito grave precarização do trabalho e do serviço público entregue à população.

Trata-se o Departamento Estadual de Trânsito de Pernambuco – DETRAN de autarquia estadual, integrando, assim, a Administração Indireta do Estado de Pernambuco, como instrumento de descentralização de serviços. Como tal, o ingresso de servidores em seus quadros pressupõe, necessariamente, aprovação em concurso aberto ao público, obedecidos os princípios maiores que o informam, nos moldes estabelecidos pelo artigo 37 e incisos da Constituição Federal.

Em Pernambuco, como não poderia deixar de ser, a Carta Estadual também consagra a exigibilidade do concurso público, em seu artigo 97, ao mandar que se observem as regras hospedadas pelo artigo 37 da Lei Maior.

Exsurge da peça exordial, bem assim da documentação acostada, que o DETRAN vem se utilizando da intermediação de mão-de-obra por empresas contratadas para a prestação de serviços que se encontram na órbita de sua atividade fim, por exemplo, de atendimento ao público, controle de roubo, controle de infrações, controle de arrecadação, entre outros, de que são exemplos os contratos firmados com as demais rés.

O fato de os trabalhadores prestarem serviços ao DETRAN, por longos períodos, supostamente vinculados às empresas que se sucedem, formalmente, como contratadas para a sua execução, evidencia, de outra banda, a subordinação direta ao órgão da Administração.


A rigor, a contratação de trabalhadores por pessoa interposta determinaria a formação do vínculo diretamente com o tomador dos serviços. É verdade que o Tribunal Superior do Trabalho vem admitindo a chamada terceirização nas hipóteses de trabalho temporário, serviços de vigilância, conservação e limpeza, além de serviços especializados ligados à atividade meio do tomador. No caso dos autos, não se configura qualquer das hipóteses.

Por outro lado, não se pode admitir a formação de vínculo diretamente com autarquia estadual, em face do preceptivo constitucional, já mencionado, que exige a aprovação prévia em concurso público, seja para o provimento de cargo, seja para a contratação de empregado.

A conjugação de tais princípios dirige o intérprete a apenas um entendimento possível: não pode haver contratação de mão-de-obra, por pessoa interposta, para serviço público, salvo, desde que observada a jurisprudência cristalizada no Tribunal Superior do Trabalho, nos casos de conservação e limpeza, vigilância e serviços especializados elencados como atividade-meio do tomador do serviço. Ainda assim, desde que não configurada a subordinação direta à Administração.

Assim é que o ingresso de trabalhadores, para execução de serviços que constituem a razão de existência do ente público, diretamente subordinados à Administração, configura evidente burla ao sistema constitucional.

Na hipótese de relação de trabalho subordinado entre pessoa jurídica de direito público integrante da Administração Indireta e indivíduo, sem a preexistência dos requisitos constitucionais, o negócio é nulo. Inteligência do § 2º, do mesmo artigo 37, da Carta Política.

É exatamente esta a situação encontrada nos presentes autos.

Merece relevo, ainda, o prejuízo ao erário que a prática adotada pelo DETRAN promove. Com efeito, freqüentemente são contratadas empresas financeiramente inidôneas. Por sua vez, para ganhar o contrato, as pequenas empresas têm de reduzir os custos, explorando os seus empregados. O tomador do serviço não fiscaliza o cumprimento das obrigações trabalhistas por tais empresas e, quando o trabalhador lesado busca a reparação dos danos que sofreu, fatalmente responde, subsidiariamente, pelo adimplemento dos créditos trabalhistas, onerando, duplamente, o Estado.”

Diga-se mais. A prova produzida pelo Ministério Público evidencia que o término do contrato da empresa prestadora de serviços, ou mesmo das cooperativas fraudulentas, não tinha o condão de alterar, em regra, o quadro de prestadores de serviços, sendo certo que a nova contratada absorvia os mesmos prestadores de serviços. Admitem as integrantes do Consórcio ILI, em sua defesa (f. 1122), que “de outra parte, no tocante à escolha dos trabalhadores, algum servidor do DETRAN poderia, em atuação estritamente pessoal, quando muito, proceder a uma indicação de algum profissional já conhecido ou dar orientação a algum trabalhador que pessoalmente o procurasse, ou, finalmente, auxiliar, em algumas ocasiões específicas, já selecionados os trabalhadores, na definição final da inserção dos mesmos entre os prestadores de serviço”.

Constata-se, aí, a substituição do concurso público pelo critério de indicação pessoal, com ofensa evidente aos princípios da moralidade e da impessoalidade que deveriam presidir a Administração Pública. Sem critérios objetivos para a escolha, abre-se espaço para admissões dirigidas, sem compromisso com capacitação técnica, subvertendo-se a lógica do serviço público.

É de ser ressaltado, ainda, que o Decreto n.º 200/67 não pode ser interpretado da forma elástica pretendida pelas rés. Especialmente após a Constituição de 1988, que condicionou o exercício de cargo, função ou emprego público à aprovação em concurso. De outra banda, o fato de as empresas contratadas se submeterem a licitação não atribui validade ao ato.

O quadro prevalecente até há pouco fala por si: as empresas contratadas subcontratavam cooperativas fraudulentas, criadas ao propósito exclusivo de prestar serviços ao DETRAN. O resultado era que os prestadores de serviços não tinham vínculo formal nem com o tomador do serviço, nem com as prestadoras de serviços. Não pode haver melhor negócio. Para as empresas contratadas, claro.

Acresça-se que a legislação estadual não admite interpretação diferente do aqui sustentado. A Lei Complementar n.º 49/2003, que redesenhou a administração pública estadual, fixou, para a administração direta, autárquica e fundacional, quanto ao regime de pessoal, duas vertentes: servidores titulares de cargo, desde que integrantes de carreiras exclusivas de Estado, e empregados públicos. Uma e outra tendo por pressuposto a aprovação em concurso público. Querem fazer crer as rés que os prestadores de serviços são “profissionais responsáveis por operar os módulos aplicativos do DETRAN, sem, contudo, caracterizá-los como agentes administrativos”.


Há prova nos autos de que não era bem assim. O relatório elaborado pela Fiscalização do Trabalho, que as rés buscaram desqualificar, sem êxito, deixou claro que “trabalhadores foram utilizados pelo DETRAN-PE para a realização de serviços permanentes e essenciais da autarquia, como emissão de Carteira Nacional de Habilitação – CNM, Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo – CRLV, recursos de multas de infração de trânsito, atendimento ao público, serviços que já vinham sendo executados há anos pelos mesmos trabalhadores terceirizados, em contratos anteriores firmados com empresas diversas.”

Cumpre salientar que o fato de o serviço ser realizado com a utilização de sistemas informatizados não o transforma em atividade-meio da Administração. Em sua defesa, afirma o DETRAN que ao pessoal oriundo das entidades prestadoras de serviços eram atribuídas “práticas concernentes às atividades-meio da autarquia pública ré”, como, por exemplo, atendimento e recepção ao público, orientando o usuário quanto a procedimentos, documentação, taxas e outras informações; atividades informatizadas de registro de veículo, habilitação e protocolo (ainda que com possibilidades limitadas). Ainda que as atividades se limitassem a estas, o que não ocorria, como visto, ainda assim estaríamos diante de atividades que constituem a razão de existência da Autarquia.

O que autoriza a interpretação de que, por exemplo, atendimento e orientação ao público quanto a procedimentos, documentações e taxas, refogem ao rol dos serviços essenciais do DETRAN? Apenas a pretensão de dar continuidade à prática ora adotada.

Em arremate, registro o entendimento pacificado no Colendo TST sobre a intermediação de mão-de-obra, no âmbito da administração pública:

RECURSO DE REVISTA. NULIDADE POR NEGATIVA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Não é nula a decisão do Tribunal Regional que, observando os limites da lide, entrega a prestação jurisdicional de forma completa, respeitando os dispositivos legais e constitucionais concernentes à matéria. ENTIDADE INTERPOSTA. CONTRATO DE GESTÃO. CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES PARA PRESTAR SERVIÇOS EM FUNDAÇÃO DO GDF. A contratação sem concurso público de trabalhadores por meio de contrato de gestão, por entidade interposta, para prestar serviços em entidade pública, ligados à sua atividade fim, após o advento da Constituição da República de 1988, constitui meio de burlar o princípio constitucional do art. 37, inciso II, § 2º, da Carta Maior, devendo ser considerado nulo tal procedimento. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido. (TST, 5.ª T., RR 16696-2002-900-10-00, Rel. Juiza Rosita Nassar, DJ 30.5.03). Grifei”

Em situação semelhante ao caso dos autos, esse foi o pronunciamento do TST:

“INTERMEDIAÇÃO ILÍCITA DE MÃO-DE-OBRA – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 37, INCISO II, § 2º, DA CF E ARTS. 2º, 3º E 9º DA CLT

Discute-se nos autos a validade de contratação de pessoal por entidade interposta(Instituto Candango de Solidariedade), mediante contrato de gestão realizado com o Governo do Distrito Federal (Fundação Hospitalar do Distrito Federal) e se esse procedimento implica na vulneração do art. 37, inciso II, da Constituição Federal, que exige a realização de concurso público para o provimento de cargos públicos.

Para melhor exame da controvérsia mister se faz uma retrospectiva dos fatos delineados nas instâncias percorridas, senão vejamos.

A presente ação civil pública foi ajuizada tendo em vista o ofício do Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do DF, noticiando a contratação de mão-de-obra pelo Governo do Distrito Federal através de contratos de gestão realizados com o Instituto de Candango de Solidariedade, dentre eles um relativo à Fundação Hospitalar do Distrito Federal, em vulneração ao disposto no art. 37, inciso II, da Constituição da República. Diante disso, e da prova produzida nos autos, no sentido de intermediador de mão-de-obra permanente para a administração pública do Distrito Federal, o Exmo. Sr. Juiz Grijalbo Fernandes Coutinho reconheceu a ofensa ao dispositivo constitucional já citado e concedeu a liminar requerida, inaudita altera pars, para determinar a Fundação Hospitalar do Distrito Federal que, a partir da data em que fosse intimada dessa decisão, se abstivesse de obter trabalhadores por meio da contratação pelo Instituto Candango de Solidariedade sem sujeição de concurso público, até o trânsito em julgado da ação civil pública ajuizada.

No caso vertente concretizou-se a utilização desvirtuada de novo ente, conforme previsto por alguns estudiosos, pois uma entidade intitulada organização social desviou-se de seu objetivo para servir como prestador de serviços públicos.

Nesse contexto, tem-se que a regra insculpida no §2º, do inciso II, do art. 37 da Carta Maior restou malferida para o v. acórdão do Tribunal Regional, motivo pelo qual CONHEÇO da revista.


No mérito, conhecida a Revista por violação ao art. 37, inciso II, § 2º, da Constituição Federal, via de conseqüência, dou provimento ao recurso para tornar subsistente a r. sentença que julgou procedente o pedido inicial para, confirmando a liminar deferida, declarar a nulidade dos contratos de trabalho celebrados com a intermediação do Instituto Candango de Solidariedade –ICS -, por meio de contrato de gestão firmado entre ele e o Governo do Distrito Federal( Fundação Hospitalar do Distrito Federal), em virtude de desrespeito à regra do art. 37, inciso II, da Carta Magna, determinando se abstenha a reclamada de contratar empregados na forma do mencionado contrato com o Instituto Candango de Solidariedade ou por qualquer outra entidade interposta, sem prévia realização de concurso público, sob pena de multa de R$ 10.000,00(dez mil reais) por dia-descumprimento de determinação judicial, nos termos do que dispõem os arts 11, 12 e 13 da Lei nº 7.347, de 24.07.85, reversíveis ao Fundo de Amparo ao Trabalhador –FAT”(RR – 166696-900-10-00-TST- Publicado no DJ, dia 23.05.2003).

Sobejamente comprovadas, portanto, as irregularidades denunciadas, deve a ré abster-se de, de forma geral e concreta, contratar pessoal sem o imprescindível certame público, diretamente ou por pessoa interposta, ainda que sob o falso manto dos contratos de gestão ou de prestação de serviços, seja para a atuação em seu próprio proveito, em atividades finalísticas ou de meio suas, seja para a cessão irregular a outros órgãos da administração pública local direta ou indireta, sob pena de arcar, em caráter solidário com o administrador responsável, com o pagamento de multa diária no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), devida em seu total por cada empregado mantido ou inserido em tal contexto, abstendo-se ainda de terceirizar as suas atividades ditas finalísticas, promovendo ainda a dispensa e o conseqüente afastamento de suas dependências, de todo o pessoal contratado de empresas ou entidades interpostas, frutos dos contratos de gestão e de prestação de serviços que firmou.

Fica ainda a ré proibida de promover qualquer intermediação, via terceirização de atividades próprias suas, de órgãos da administração direta, empresas públicas, sociedades de economia mista do Distrito Federal, bem como para residencias oficiais/particulares de administradores públicos, agentes políticos, pessoas físicas ou mesmo entidades privadas.

Em resumo, determino à Codeplan que:

a) Cesse a terceirização de atividades finalísticas da empresa, assim entendidas todas as exercidas pelo seu pessoal efetivo, bem como as previstas nos estatutos da Codeplan, dispensando a mão-de-obra contratada desta forma;

b) Abstenha-se de contratar trabalhadores para a execução de atividades finalísticas por meio de empresas e entidades interpostas(atividades exercidas pelo pessoal efetivo da Codeplan e previstas em seus estatutos);

c) Cesse a intermediação de terceirização de atividades próprias de Órgãos da Administração Direta , de empresas públicas e sociedades de economia mista do Distrito Federal, assim entendida “intermediação” como a ciência/encaminhamento/permissão/indicação/autorização, do exercício de tais atividades por pessoal encaminhado por empresas-entidades terceirizadas, quarteririzadas e quinteirizadas pela Codeplan por Órgãos da Adminstração Pública Direta, de empresas públicas e de sociedades de economia mista do Distrito Federal em atividades próprias de tais órgãos, empresas e sociedades e em atividades exercidas faticamente, pelo efetivo de tais órgãos, empresas e sociedades, bem como para residências oficiais/particulares de Administradores Públicos e pessoas físicas e entidades provadas;

d) O descumprimento de qualquer um dos comandos antes informados implicará na multa de R$ 30.000,00(trinta mil reais), à Codeplan, com a solidariedade do Presidente da Empresa Pública e do Administrador responsável pela utilização indevida do pessoal terceirizado encaminhado pela CODEPLAN, multa devida por empregado em situação irregular e por dia, a cada reincindência, a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador-FAT -, como requerido no item e, da petição inicial.

Em face do deferimento da pretensão em caráter definitivo, os efeitos da liminar deferida nos presentes autos, observadas as limitações impostas nos autos 0001-2006-000-10-00-MS TRT 10ª Região(fls 5583 e 5690), são mantidos, evidentemente.

Registro, no entanto, que as limitações lançadas no acórdão regional(MS) dizem respeito tão somente à providência liminar.

Confirmo a liminar proferida às fls 685/691, assim como as outras providências adotadas(fls 692 e 752/753).

DANO MORAL COLETIVO

Persegue o Ministério Público do Trabalho a condenação da Codeplan ao pagamento de indenização no valor de R$ 500.000,00(quinhentos mil reais), sob o fundamento de que a conduta antes relatada, configura dano moral coletivo.


Estou certo que a contratação irregular de pessoal e de serviços nos últimos anos, promovida pela Codeplan, causou dano ao conjunto da sociedade e, aos contribuintes do Distrito Federal, de modo especial. Também estou de acordo com a premissa citada na petição inicial(fl 18) de que “o dano moral coletivo é a injusta agressão da esfera de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerada, foi agredido de uma maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico… Como se dá na seara do dano individual, aqui também não há que se cogitar de prova da culpa, devendo se responsabilizar o agente pelo simples fato da violação”( Carlos Alberto Bittar Filho, “Do Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Jurídico Brasileiro”, in Revista Direito do Consumidor, nº 12, out/dez/1994).

Para a configuração do direito à reparação civil alguns requisitos se mostram imprescindíveis demonstrar: o evento danoso, a ação ou omissão do autor do fato ou responsável, o nexo de causalidade entre os dois itens anteriores e, claro, o dano propriamente dito.

Para Sívio Rodrigues, citado por José Affonso Dallegrave Neto, danos morais são todos aqueles que não têm repercussão de caráter patrimonial ou, no dizer de Paulo Netto Lobo, os danos morais violam os direitos de personalidade (in, Responsabilidade Civl, LTR, São Paulo,2005, página 141). Mas é certo que para a caracterização do dano moral , na concepção da teoria da responsabilidade civil abraçada pelo novo Código Civil (artigo 927, parágrafo único), além da culpa do empregador, há necessidade da presença do dano e também do nexo de causalidade (in, obra citada).

A Constituição Federal assegura, no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas, cujo desrespeito a tais garantias atrai a indenização pelo dano material ou moral(CF, artigo 5º, inciso X).

Adotando, de maneira clara, a teoria da responsabilidade civil baseada no risco (in, O acidente de trabalho e a responsabilidade civil do empregador, LTR, São Paulo, 2003, fl 28- José Cairo Júnior), o Código Civil, declara que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem”.

Diferentemente do que ocorre no dano moral de natureza individual, qualquer conduta empresarial capaz de violar preceito ou regra de proteção da sociedade ou de determinado segmento, bens denominados de interesses metaindividuais socialmente relevantes e juridicamente protegidos pelo doutrinador João Carlos Teixeira,insere-se no rol dos danos morais coletivos.

A dor moral coletiva é distinta da individual, mas é tão intensa quanto esta última. São ignoradas garantias de uma sociedade minimamente democrática,não tendo o conjunto de cidadãos, portanto, direito algum além do sufrágio universal. A este trabalhador não é oferecida a oportunidade de disputar a ocupação de cargo ou emprego público pelo velho e saudável concurso público, muito menos de exigir que as suas contribuições fiscais atendam ao real interesse público da sociedade. A dor é externalizada na fila dos desempregados, nas noites de angústia que antecedem aos dias dos vencimentos das dívidas contraídas, nas conversas com amigos e com familiares, a ponto de, muitas vezes, o irritante quadro criar uma parcela de pessoas dignas à margem da sociedade.

A dor moral coletiva está presente no caso concreto dos autos, considerando que a Codeplan utiliza montante expressivo de dinheiro público para contratar empresas e pessoas sem o mínimo de transparência, sem concurso público, certame a que está obrigada por ser empresa pública e não de seus gestores temporários, mediante terceirização violadora dos mais elementares princípios de ordem constitucional e do direito do trabalho. São muitas as vítimas de tal dano moral. Algumas estão cientes da causa da dor, outras, no entanto, a sentem como maior intensidade,mas imaginam que o sofrimento é obra do acaso ou da vontade divina.

Na hipótese sub-examen, restou configurado o dano causado pela Codeplan ao conjunto da sociedade, aos contribuintes e aos candidatos a diversos empregos públicos existentes em seu quadro de pessoal, os quais deveriam ser ocupados pela forma prevista na Carta Política, sobressaindo-se, a partir deste contexto, uma escancarada lesão moral de caráter coletivo.

Estão presentes todos os requisitos hábeis à caracterização do dano moral coletivo: o dano, a culpa da reclamada e o respectivo nexo de causalidade.


Como medida pedagógica-punitiva, entendo ser cabível a indenização pela prática de dano moral coletivo, fixando a indenização por dano moral coletivo em R$ 500.000,00(quinhentos mil reais), a ser reajustado nos mesmos moldes dos débitos trabalhistas, valor a ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalahdor-FAT.

Acolho o pleito da alínea e, da petição inicial.

CONCLUSÃO

ANTE O EXPOSTO, julgo PROCEDENTES os pedidos formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (PRT 10ª Região) em desfavor da COMPANHIA DO DESENVOLVIMENTO DO PLANALTO CENTRAL – CODEPLAN, para determinar-lhe que:

1) Cesse a terceirização de atividades finalísticas da empresa, assim entendidas todas as exercidas pelo seu pessoal efetivo, bem como as previstas nos estatutos da Codeplan, dispensando a mão-de-obra contratada desta forma e rompendo os respectivos contratos de prestação de serviços;

2)Abstenha-se de contratar trabalhadores para a execução de atividades finalísticas por meio de empresas e entidades interpostas(atividades exercidas pelo pessoal efetivo da Codeplan e previstas em seus estatutos);

3)Cesse a intermediação de terceirização de atividades próprias de Órgãos da Administração Direta , de empresas públicas e sociedades de economia mista do Distrito Federal, assim entendida “intermediação” como a ciência/encaminhamento/permissão/indicação/autorização, do exercício de tais atividades por pessoal encaminhado por empresas-entidades terceirizadas, quarteririzadas e quinteirizadas pela Codeplan por Órgãos da Adminstração Pública Direta, de empresas públicas e de sociedades de economia mista do Distrito Federal em atividades próprias de tais órgãos, empresas e sociedades e em atividades exercidas faticamente, pelo efetivo de tais órgãos, empresas e sociedades, bem como para residências oficiais/particulares de Administradores Públicos e pessoas físicas e entidades provadas;

4)O descumprimento de qualquer um dos comandos antes informados implicará na multa de R$ 30.000,00(trinta mil reais), à Codeplan, com a solidariedade do Presidente da Empresa Pública e do Administrador responsável pela utilização indevida do pessoal terceirizado encaminhado pela CODEPLAN, multa devida por empregado em situação irregular e por dia, a cada reincindência, a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador-FAT -, como requerido no item e, da petição inicial.

5) Em face do deferimento da pretensão em caráter definitivo, os efeitos da liminar deferida nos presentes autos, observadas as limitações impostas nos autos 0001-2006-000-10-00-MS TRT 10ª Região(fls 5583 e 5690), são mantidos, evidentemente. Registro, no entanto, que as limitações lançadas no acórdão regional(MS) dizem respeito tão somente à providência liminar.Confirmo a liminar proferida às fls 685/691, assim como as outras providências adotadas(fls 692 e 752/753);

6) O pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 500.000.00,(quinhentos mil reais), a ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador –FAT -, tudo nos exatos termos da fundamentação precedente, que passa a fazer parte integrante deste dispositivo.

Custas processuais, pela ré, no importe de R$ 16.000,00 (dezesseis mil reais), calculadas sobre R$ 800.000,00(oitocentos mil reais),valor arbitrado à condenação especialmente para essa finalidade.

Intimem-se as partes.

GRIJALBO FERNANDES COUTINHO

Juiz Titular

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