Beneficiário da previdência

Homossexual terá direito a pensão do companheiro morto

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16 de julho de 2006, 7h00

A Caixa de previdência dos funcionários do Banco do Brasil deve pagar pensão a um homossexual que conviveu durante 14 anos com seu companheiro e que aparecia como beneficiário do plano em caso de morte. A decisão é do juiz Leandro Ribeiro da Silva, da 41ª Vara Cível do Rio de Janeiro. Cabe recurso.

Após a morte de seu companheiro, o autor recorreu à previdência do Banco do Brasil para receber a pensão, mas o pedido foi negado, sob o argumento de que ele não teria amparo legal para beneficiar-se da pensão.

O autor entrou com ação contra o banco alegando que tem direito a pensão de seu companheiro já que estava devidamente cadastrado como beneficiário. Argumentou que houve violação do seu direito e discriminação.

A Caixa de Previdência do banco argumentou que o Código Civil não reconhece a união estável entre pessoas do mesmo sexo e por isso não iria dar o benefício. Alegou, ainda, ausência de dados que comprovassem a união.

Diante das provas, o juiz reconheceu a união homo-afetiva entre o autor e o companheiro morto. “Entende-se, assim, tratar-se de fato, o qual não podemos ignorá-lo, até porque nossa lei civil foi elaborada em época de extremado conservadorismo, diante da triste ditadura imposta à sociedade, acrescido de sua falta de maturidade acerca de determinados debates” declarou o juiz.

Para o juiz, as alegações feitas pela empresa não devem ser consideradas, pois o benefício se trata de direito garantido por normas contidas no próprio regulamento do plano e o banco deve cumprir com as suas obrigações.

Leia integra da decisão

TUDO VISTO E EXAMINADO, PASSO AO DECISUM. Do exame dos autos, verifico que merece prosperar a pretensão, senão vejamos: Nossa Carta Magna, em seu art. 226, § 3º, dispõe sobre a união estável como entidade familiar, assim as relações não matrimoniais que possuam lapso temporário razoável em sua existência já encontram respaldo em nosso texto constitucional.

Ocorre que coube a lei ordinária a tarefa de regulamentar a relações afetivas entre companheiros, encontrando-se dispositivo em nosso Código Civil, em seu art. 1723 entre outros que já mencionam as hipóteses de sucessão entre companheiros. Dessa feita, indiscutivelmente não há o que se falar em ausência de amparo legal que venha abranger circunstâncias relativas à união estável entre um homem e uma mulher que se unem com animus de constituir uma família, mesmo que sem prole.

Nesse momento deve se ter em mente a condição da união estável como fato social, que surgiu e posteriormente teve sua valoração pela sociedade e positivação pelo legislador pátrio. Este novo instituto nada mais reflete que uma evolução pela qual nossa sociedade vem passando, tendo como conseqüência inevitável a regulamentação de sua condição como dispositivo legal.

No que diz respeito à união estável estabelecida entre pessoas de mesmo sexo, não houve regulamentação a cerca de tal assunto, motivo ensejador de debates polêmicos por aplicadores do Direito no que diz respeito a sua possibilidade. Entende-se, assim, tratar-se de fato, o qual não podemos ignorá-lo, até porque nossa lei civil foi elaborada em época de extremado conservadorismo, diante da triste ditadura imposta à sociedade, acrescido de sua falta de maturidade acerca de determinados debates. Trata-se de questão que até os dias de hoje não encontra amplo respaldo em nosso direito, havendo que se invocar o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil que dispõe sobre a analogia como elemento subsidiário à lei.

Assim, a liberdade dada ao magistrado é garantida, respeitando os bons costumes, não podendo este ficar inerte, à espera da positivação de determinadas questões tão presentes em nossa sociedade. Acrescente-se ainda que nossa Constituição, em seu art. 5º, tutela o Princípio da Igualdade como um de seus corolários, não podendo o Poder Judiciário conceber qualquer prática discriminatória relativa a seus iguais.

Quanto à existência de relação homo-afetivo duradoura entre o de cujus e demandante, esta está claramente identificada, diante das provas trazidas aos autos em audiência de instrução e julgamento, a partir dos depoimentos colhidos naquela ocasião.

No que diz respeito ao benefício ao qual faz jus o autor, não merecem prosperar as alegações trazidas aos autos pela ré, por se tratar de direito garantido àquele por normas contidas no próprio corpo das disposições no Regulamento do Plano de Benefícios, em sua seção I, art 5º. Assim, entende-se regularmente cumpridas as obrigações relativas ao negócio jurídico firmado entre o falecido e a demandada pelo de cujus, não se podendo conceber o desrespeito da ré em cumprir com suas obrigações.

Isto posto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO a fim de condenar a ré ao pagamento de todos os valores relativos ao pensionamento post mortem ao demandante, desde a data do falecimento do de cujus, em decorrência de estar caracterizada a relação homo-afetivo estabelecida entre ambos, condenando ainda a ré ao pagamento das custas judiciais e da verba honorária que ora fixo em 15% do valor da causa. Juros de mora de 1% ao mês e correção monetária a contar da citação inicial. P.R.I. Rio de Janeiro, 19 de abril de 2006.

LEANDRO RIBEIRO DA SILVA

Juiz de Direito

O autor foi representado pelo advogado Roberto Augusto Lopes Gonçalves

Processo 2005.001.067199-5

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