Negócios à parte

IstoÉ é condenada a indenizar Romeu Tuma em R$ 100 mil

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13 de julho de 2006, 15h12

A revista IstoÉ foi condenada a indenizar o senador Romeu Tuma em R$ 100 mil por danos morais gerados pela publicação de reportagem considerada depreciativa e que feriu a honra do autor. A decisão é do juiz da 33ª. Vara Cível da Capital. Tuma foi representado pelo advogado Paulo Esteves, do escritório Paulo Esteves Advogados Associados. Cabe recurso.

Em uma série de reportagens publicada em 2000, a revista tratou de uma suposta ligação do senador Romeu Tuma, e de seu filho Robson Tuma, com o juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, denunciado pelo desvio de dinheiro púbico das obras do Fórum Trabalhista de São Paulo. Também sustenta que Tuma, com o prestígio de ex-diretor da Polícia Federal, teria tentado impedir que a instituição investigasse o paradeiro do juiz, então foragido.

Nas reportagens da revista, Tuma é apresentado como amigo do juiz aposentado, fato que estaria comprovado pela quebra de sigilo telefônico do juiz. “Tuma tinha uma linha direta com o Tribunal”, afirmou IstoÉ na legenda de uma foto, acrescentando a informação de “que a quebra de sigilo telefônico indicou que o ex-Juiz Nicolau falava com freqüência com Romeu Tuma, tendo havido pelo menos 86 ligações, além de outras quatro ligações de Fábio Monteiro para o gabinete do Senador Tuma”.

Além disso, as reportagens insinuam que na condição Romeu Tuma teria influenciado a instituição para que não se empenhasse na captura do juiz, então foragido. Na mesma linha a revista levanta suspeitas sobre a origem dos recursos utilizados pelo filho do senador, Robson Tuma, na aquisição de uma casa de R$ 700 mil em Brasília, paga em dinheiro vivo, nesta mesma época.

Para o autor, a revista, com a publicação das reportagens tentou “denegrir sua imagem” e procurou “icnluí-lo como partícipe de uma quadrilha.”

Em sua defesa, a IstoÉ, na figura do Grupo de Comunicação Três que edita a revista, sustentou que “apenas limitou-se a narrar fatos relevantes que lhe chegaram ao conhecimento, indicando a fonte – o Juiz Nicolau”.

O juiz acatou parcialmente a pretensão indenizatória da ação. Ele considerou legítimas as afirmações referentes à suposta amizade entre o senador e o juiz. “Também não poderia ser considerada – pelo menos a princípio – difamatória a menção sobre ter o ex-Juiz Nicolau definido o senador ROMEU TUMA como “um amigo”, “um aliado”, admitindo que teria nomeado 16 pessoas a pedido do senador e outras dez a pedido do deputado Robson Tuma, filho do senador. Nesta mesma linha, o parentesco do ex-juiz classista Antonio Dirane, que é irmão de Zilda Tuma, esposa do senador, nomeado pelo ex-Juiz Nicolau.”, afirma o juiz em sua sentença.

Para o juiz “o interesse público à revelação destes fatos e a própria comoção que tomou conta da população em face do episódio que envolveu a Justiça do Trabalho, justificavam a publicidade do maior número de informações possíveis, cuja referência objetiva não pode ser tida como injuriosa”.

O juiz sustenta no entanto, que ao tratar das supostas pressões feitas por Tuma para dificultar diligências da Polícia Federal que pudessem prejudicar o juiz aposentado, a revista não usou do mesmo cuidado.”O mesmo não se pode dizer da parte da reportagem que apregoa uma suposta comprovação da influência que o autor ROMEU TUMA exerceria junto à Receita e Polícia Federal. Se a própria ré não tinha certeza sobre estes fatos, não poderia afirmá-los. E se outras pessoas teriam afirmado aqueles fatos, deveria nominá-las”, diz o juiz.

Assim resolveu por acatar parcialmente a ação e condenou a revista a idenizar o autor em R$ 100 mil, com correção monetária e juros de mora.

Leia a íntegra da decisão

Romeu Tuma X Grupo de Comunicação Três S/A

33ª Vara Cível da Capital

Proc. n.º 2000.588475-4

SENTENÇA COMPLETA

Vistos.

1. Trata-se de Ação Indenizatória por danos morais relacionados com a publicidade de opiniões depreciativas que atingem a honra do autor. A ré foi citada (fl. 39) e apresentou contestação (fls. 40/48), alegando, em resumo, que nas matérias publicadas na revista “Isto é” apenas limitou-se a narrar fatos relevantes que lhe chegaram ao conhecimento, indicando a fonte – o Juiz Nicolau. Réplica (fls. 60/61). Saneado o feito (fl. 64), pela eminente magistrada Carina Bandeira Margarido, em nova audiência (fl. 147), foram ouvidas as testemunhas do autor e do réu, por fita magnética, que constitui meio idôneo de documentação (artigos 417 e 279 do Código de Processo Civil), sendo desnecessária a versão datilográfica por se tratar de meio que independe de qualquer versão ou conhecimento específico para exame do conteúdo, cuja preservação dos tempos de resposta, tom de voz e participação de cada um dos protagonistas permite um reexame com muito maior acuidade do que a ultrapassada versão datilográfica, a que se sujeitam as partes, na maioria dos casos, aceitando a versão do magistrado (que determina o conteúdo do termo) do episódio.


2. A pretensão indenizatória deve ser acolhida apenas parcialmente. Reclama o autor ROMEU TUMA que a ré GRUPO DE COMUNICAÇÃO TRÊS teria procurado denegrir sua imagem pública na edição nº 1.607, da revista “ISTO É”, de 19.07.2000, que traria na capa a fotografia do ex-Juiz Nicolau dos Santos Neto, com as seguintes legendas: “Gravações de conversas do Juiz foragido mostram como funcionava o esquema de liberação de verbas superfaturadas” e “EXCLUSIVO. A fita de Nicolau. Ouça as gravações no site www.istoe.com.br”, na qual teria feito constar nas páginas 28/31 que “fitas obtidas por ISTO É revelam os detalhes do esquema e a indignação com alguns amigos”, que já seria objeto de ação indenizatória em andamento na 11ª Vara Cível desta Capital (000.00.585633-7).

E que na edição nº 1608, da mesma revista ISTO É, de 26.07.2000, haveria na capa anúncio daquilo que ela denomina “Esquema de Lalau. Novos trechos das fitas de Nicolau”, que configurariam um ato de linchamento moral contra o autor, com menção na pág. 25 de que “A TURMA DO LALAU. O Juiz tinha esquema nos Três Poderes para facilitar a liberação do dinheiro desviado e sua rede de influência pode ser caracterizada como formação de quadrilha”, com publicação da fotografia do autor, dentre outras, que visam incluí-lo como partícipe de uma quadrilha.

Teria a ré ainda transcrito suposta entrevista do ex-Juiz Nicolau dos Santos Neto com um anônimo, supostamente para garantir o sigilo da fonte, imputando falsamente crime, qualificando-o de “mau caráter”, “pilantra”, “homem que não presta”, além de imputar-lhe a queima de arquivo do DOPS, e de na pág. 36 da mesma edição fazer comentário sobre a influência que exerceria e mencionar casos que teria determinado arquivamento por influência.

E a ré, em sua defesa, praticamente assevera ter se limitado a narrar fatos relevantes, que lhe chegaram ao conhecimento, indicando a fonte, sem tecer a respeito nenhum comentário que pudesse ser considerado como uma tomada de posição contra ou a favor do Juiz, de seus interlocutores, ou do autor. Mas a prova a contraria em pelo menos uma oportunidade.

Pode-se notar a preocupação da ré em relação à legenda da fotografia do autor (pág. 25 da revista e 23 dos autos), que menciona “O AMIGO. Romeu Turma tinha uma linha direta com o Tribunal”, guiada – além da afirmação do próprio ex-Juiz Nicolau – pela informação de que a quebra de sigilo telefônico indicou que o ex-Juiz Nicolau falava com freqüência com Romeu Tuma, tendo havido pelo menos 86 ligações, além de outras quatro ligações de Fábio Monteiro para o gabinete do Senador Tuma (ver fls. 27 e 28 da revista e 24 dos autos), que parece indicar a simples informação objetiva de fatos, que não dariam ensejo à reclamação do autor.

Se estes contatos teriam sido mal interpretados, tal se deve unicamente pelas próprias referências feitas pelo ex-Juiz Nicolau (ver transcrição da gravação de fls. 31 da revista e 26 dos autos) e que não poderiam ser imputadas à revista ISTO É. Não se vislumbra nestas passagens, igualmente, eventual uso do anonimato – não revelação da identidade da pessoa que conversava ao telefone com o ex-Juiz Nicolau – para exprimir opinião da própria reportagem, ou para se eximir da responsabilidade que lhe caiba nestes casos, pois os comentários ácidos sobre o autor ROMEU TUMA são realizados pelo ex-Juiz Nicolau, contra o qual, se caso, deveria ser perseguida eventual pretensão indenizatória.

Também não poderia ser considerada – pelo menos a princípio – difamatória a menção sobre ter o ex-Juiz Nicolau definido o senador ROMEU TUMA como “um amigo”, “um aliado”, admitindo que teria nomeado 16 pessoas a pedido do senador e outras dez a pedido do deputado Robson Tuma, filho do senador. Nesta mesma linha, o parentesco do ex-juiz classista Antonio Dirane, que é irmão de Zilda Tuma, esposa do senador, nomeado pelo ex-Juiz Nicolau.

O interesse público à revelação destes fatos e a própria comoção que tomou conta da população em face do episódio que envolveu a Justiça do Trabalho, justificavam a publicidade do maior número de informações possíveis, cuja referência objetiva não pode ser tida como injuriosa. Mas nem sempre foi assim.

A atitude da ISTO É parece ter outra conotação quando passa a dar opinião sobre o que entende sobre ser ainda marcante a influência de ROMEU TUMA na Polícia Federal. A menção sobre estarem apenas dois agentes efetivamente empenhados em capturar o ex-juiz Nicolau, parece querer indicar pedido do autor neste sentido. Mas não é só. Parece também igualmente digno de reprovação a forma com que redigida a menção sobre arquivamento de processo por influência do autor para beneficiar o filho (fl. 38 da revista e 29 dos autos). Naquela matéria ISTO É mencionaria que as revelações do Juiz em relação ao deputado “Tuminha” também se confirmaram na última semana, afirmando que “a compra de uma mansão num bairro nobre de Brasília mostra como o deputado da CPI do Narcotráfico engorda seu patrimônio, utilizando-se do seu sobrenome. A casa, construída em um terreno de 20 mil metros quadrados, custou oficialmente R$ 700 mil, pagos em dinheiro. Na verdade, a operação de compra esconde uma história mais complicada. O antigo proprietário, Ricardo Amaro Gonçalves, é filho de Joel Amaro Gonçalves, um empresário que respondia a alguns inquéritos na Receita e na Polícia Federal por fraudar certidões negativas do INSS para habilitar empresas a participar de concorrências públicas. ESSES CASOS ACABARAM ARQUIVADOS POR INFLUÊNCIA DE TUMA PAI”( GRIFO É MEU).


Se a revista ISTO É tem provas da ocorrência deste tráfico de influência para arquivamento de inquéritos na Receita e na Policia Federal deveria especificar como tal ocorreu, prestando um serviço à própria nação, mas não pode lançar esta afirmação, sem mencionar quais seriam os inquéritos e em face de quem e de que forma teria se dado a influência, acusando levianamente o autor e as pessoas que trabalharam no inquérito.

A ausência de qualquer especificação, mesmo nesta ação judicial, sugere que a menção foi feita com leviandade, ainda que inconsciente, pelo entusiasmo de eventual colunista, ou editor da Revista, mas que não pode ser aceito como razoável, em face da carga difamatória que possui.

Em resumo, ainda que na maior parte da publicação, a revista ISTO É pareça ter efetivamente se limitado a noticiar fatos de interesse público, que lhe chegaram ao conhecimento, por fontes que foram inclusive reveladas, o mesmo não se pode dizer da parte da reportagem que apregoa uma suposta comprovação da influência que o autor ROMEU TUMA exerceria junto à Receita e Polícia Federal. Se a própria ré não tinha certeza sobre estes fatos, não poderia afirmá-los. E se outras pessoas teriam afirmado aqueles fatos, deveria nominá-las, deixando clara a circunstância, o que se faria com facilidade pelo uso de expressões como: “O fulano informou hoje…”, ou “Segundo o fulano…”, ou “…,de acordo com os documentos apresentados por fulano…”, ou com transcrição entre aspas da íntegra das conversas nas quais estes fatos tenham sido noticiados, informando com clareza quem os afirmava.

A afirmação realizada por ISTO É sem menção sobre tratar-se somente de fato afirmado por terceiro ou sobre não ter realizado maior investigação, em que pese os termos da assertiva – acaba por dar maior respaldo às outras reportagens, fazendo com que parecessem mais verossímeis, ou pudessem ser admitidas, pelo menos a princípio, como verídicas. E esta posição do órgão de imprensa acabou por trazer inúmeros danos ao autor, que de tão notórios praticamente dispensariam a comprovação, bastando a exposição injusta como provável agente de ações ilícitas.

A revista ISTO É possui um nome em destaque entre os órgãos de imprensa nacional – com grande veiculação, inclusive internacional – que não se coaduna com o tipo de reportagem constante na parte final de fls. 38, sendo claramente presumíveis os danos que poderiam ocorrer diante da afirmação genérica – e que não foi verificada – de que teria havido tráfico de influência em arquivamento de inquérito junto à Receita e à Polícia Federal. Vale salientar que não se desconhecem as dificuldades porque passam diariamente os jornalistas e editores de órgãos de imprensa, tendo que, em tempo muito diminuto, receber informação, verificá-las e depois discernir sobre o conteúdo de suas reportagens, a serem disponibilizadas ao público em geral, às vezes, em questões de horas, em face do interesse público envolvido.

A necessidade de cumprir o seu papel constitucional, informando de maneira independente e responsável matéria de notório interesse público, obriga ao órgão de imprensa, no entanto, a tomada de cuidados para que não ultrapasse os fatos que chegaram a seu conhecimento, ou expresse opiniões que não pretenda evidenciar. É exatamente por esta circunstância – quando não houve tempo para investigação adequada dos fatos – que a forma de redação deve ser objeto de extremo cuidado, nunca afirmando – como se fosse própria – conclusões, como aquela do presente caso sobre o tráfico de influência para arquivamento de inquéritos, quando não realizou – ou mesmo procurou realizar – a necessária verificação.

O cuidado no restante da matéria – pelo menos em relação ao autor – permite perceber que é possível noticiar, sem comprometer o conteúdo. Ma naquele último parágrafo de fls. 38 da revista (fl. 9 dos autos), não agiu ISTO É com o zelo esperado, promovendo danos que devem ser reparados. Desnecessário discorrer sobre a necessidade de recomposição do patrimônio lesado, uma vez que a independência e a própria ausência de censura prévia – imperativos a qualquer democracia – exigiria responsabilidade da empresa jornalística no mesmo nível.

3. Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE EM PARTE o pedido, CONDENANDO a ré a pagar ao autor, danos morais que fixo, observando o que reputo mais justo e equânime para o caso concreto, em R$ 100.000,00, devidamente atualizados, a partir desta data e com juros de mora a contar da citação (outubro/2000 – fl. 39). Por força do princípio da sucumbência, CONDENO a ré a arcar com as custas e despesas do processo, além de honorários advocatícios ao procurador do autor, que fixo, de acordo com o parágrafo terceiro do artigo 20 do Código de Processo Civil, em 20% do valor da condenação, acrescida de todos os seus consectários. P.R.I. – preparo no valor de R$ 1.510,34 – porte de remessa no valor de R$ 41,92

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