Crise do governo

População é refém do medo e do avanço do Estado paralelo

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12 de julho de 2006, 16h22

A omissão e ineficiência do Estado para a lei ser observada e cumprida submetem a população de maneira perversa e absurda aos interesses, nem sempre legais, de grupos e entidades particulares. Acima da lei, entidades denominadas “associações” e “administradoras” praticam verdadeiros achaques contra a população. Agindo em substituição ao Estado, afrontam a democracia e o Estado de Direito. Desfraldam a bandeira do bem-comum, mas, visando lucros fáceis e sempre crescentes, dedicam-se apenas e tão somente à consolidação do Estado paralelo.

Submetida a uma confiscatória massa de impostos federais, estaduais e municipais — taxas, tarifas, mensalidades, rateios, multas moratórias, além de outras criativas formas de, dissimuladamente, embutir acréscimos nas contas — a população brasileira, que também enfrenta a voracidade dos bancos, instituições de ensino, planos de saúde e, agora, de associações e administradoras, convive com a incerteza e o pânico. Sufocada, não tem de quem se socorrer para equilibrar despesas sempre crescentes às suas parcas e minguantes receitas.

O Estado, responsável pelo que é público — bem-estar, saúde, educação e segurança — mostra-se fraco, incipiente e prestes a sucumbir. Tais os desencontros e desmandos, a ponto de erigir-se em ferramenta para as entidades e grupos se apoderarem dos bens públicos, patrimônio do povo, e, assim, submeter os cidadãos aos seus interesses, a ponto de buscar, mediante alegadas prestações de serviços, se apoderarem do mais importante bem das famílias, ou seja, as suas propriedades.

Para justificar sua perniciosa ação, utilizam-se do argumento da falência do Estado. “Já não têm condições e nem recursos para atender anseios e necessidades da população”, afirmam, o que se constitui num engenhoso artifício para criar novas obrigações e, em contrapartida, para que possam, em nome e por delegação do poder público, obter lucros.

Servindo-se da violência e do medo que hoje alcançam a maior parte da população, cercam bairros, loteamentos, fecham vias públicas, praças e áreas municipais, constroem portarias, contratam porteiros, serviços de vigilância, etc. e passam à exploração. Mais sério, porém, é o fato de tentarem mudar o regime jurídico das propriedades e das obrigações, numa visível afronta à lei e à Constituição Federal.

A engenhosidade do Estado paralelo só se tornou viável dada à conivência das autoridades (prefeitos e vereadores); do desinteresse do Ministério Público em fiscalizar o cumprimento da lei; do Judiciário que, além da tolerância, sabe-se lá militando em que direção, não atentou para a flagrante ilegalidade da transformação de obrigações de direito pessoal, para as de direito real, ensejando, dessa forma, a vinculação de propriedades às simples mensalidades associativas.

No município de Vinhedo, a ação do MP, felizmente, culminou com a prisão do ex-prefeito Milton Serafim e dos secretários Alexandre Tasca e Marcos Ferreira Leite, da cassação dos direitos políticos, multa de R$ 5,5 milhões e a devolução de 46 imóveis que “a ex-autoridade” havia “ganhado”.

O Estado paralelo se agiganta. Para sua consolidação, a ministra Fátima Nancy Andrighi, do STJ (Recurso Especial 490.419 – SP), nos idos de 2003, deu forte e importante contribuição. Deixando de observar garantias constitucionais do artigo 5º — direito de propriedade, direito de livremente contratar, direito de livremente se associar e que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, sentenciou: “o proprietário de lote integrante de loteamento aberto ou fechado, sem condomínio formalmente instituído, cujos moradores constituíram sociedade para prestação de serviços de conservação, limpeza e manutenção, deve contribuir com o valor correspondente ao rateio das despesas daí decorrentes, pois não se afigura justo nem jurídico que se beneficie dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a devida contraprestação”.

Se algumas pessoas passam a prestar serviços, isso lhes dá direito de transformar a propriedade única e indivisa em parte de um condomínio? Se podem agir como poder púbico e estabelecer cobranças, será que ainda vale a escritura e o seu registro? Será que se afigura justo e jurídico pagar IPTU e, além de toda uma gigantesca massa de impostos, também responder por despesas praticadas por associações que os proprietários não contrataram, não querem e não desejam?

Se for esse o caso, realmente a função do Estado acabou. Revogou-se a Constituição e vamos nos juntar ao “alemão” (como classifica uma alta autoridade judiciária o representante de facções criminosas que tutela bairros e vilas), pagando o que quiserem, pois poderemos sobreviver, ainda que sejam crescentes os roubos, a corrupção e as dificuldades. Para quem paga impostos que chegam aos 40%, aumentar para 50 ou 60% e pagar mais alguns “pedágios” pode afigurar-se justo e jurídico. É um passo definitivo para a instituição do Estado paralelo e, como sempre, mais um gigantesco peso nas costas dos cidadãos.

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