Primeiro ato

Justiça Restaurativa será aplicada na esfera criminal

Autor

12 de julho de 2006, 16h00

A Justiça deve fazer mais do que solucionar processos. Deve analisar e ajudar a combater as causas dos litígios. Essa é a idéia central da Justiça Restaurativa, que começa a ganhar corpo no país e terá palco no próximo sábado, na escola Padre Grigoli, em São Caetano do Sul, região do ABC paulista.

A escola receberá os seis primeiros casos da Justiça Restaurativa aplicados à esfera criminal. Há um ano, por sugestão do Ministério da Justiça, um punhado de cidades brasileiras adotou esse modelo de Justiça, em caráter de teste, sobretudo em casos das Varas da Infância e Juventude. Agora o modelo, pioneiramente adotado pela África do Sul, ruma aos casos criminais.

“Em 1995 tivemos a lei 9.099, que criou os Juizados de Pequenas Causas penais. O que passa a acontecer, também pioneiramente, em São Caetano do Sul, será a ampliação disso para a Justiça Restaurativa. Essa nova tendência, em que os chamados facilitadores, mediadores sociais da comunidade, passam a cuidar das soluções pacíficas, visa a cuidar da vítima como personagem principal a ser tratado”, explica o promotor Roberto Livianu, assessor especial da Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo e um dos articuladores dessa idéia junto ao Ministério Público Democrático.

O que se inaugura sábado terá como articuladora a promotora Elaine Caravelas. “Pelas vias tradicionais, quando havia uma agressão num lar, por exemplo, o delegado tomava conta de um termo circunstanciado, e em casos de pequeno potencial ofensivo uma das partes poderia até entrar em acordo e cumprir antecipadamente a sua pena”, explica a promotora.

“Agora, com o círculo restaurativo, as partes vão comparecer na escola, no sábado, num encontro com facilitadores da comunidade. Sabemos que só a pena não resolve esses problemas, que são em sua maioria problemas de fundo. Queremos uma solução assistida, discutida, para que o problema não volte a acontecer.”

Caberá ao juiz Eduardo Rezende Mello, de São Caetano, a implantação da Justiça Restaurativa em casos criminais. Ele afirma que, segundo a Organização Mundial de Saúde, 30% dos lares da cidade têm mulheres vítimas de violência doméstica. Mais: 60% das chamadas de rua feitas à Polícia Militar na cidade referem-se a casos de litigância doméstica. “Isso imobiliza a tropa para chamadas mais graves”, diz o juiz.

Sua vasta experiência em Justiça Restaurativa aplicada a casos de Infância e Juventude, no último ano, fez dele um estudioso desse tipo de Justiça. “Vemos que, aqui na cidade, temos conflitos que surgem do machismo; surgem também do chamado adulto-centrismo, quando os maiores acham sempre que têm razão em tudo o que fazem sobre menores e adolescentes; temos muitos casos de desconsideração dos idosos; temos preconceito, ligado à cor da pele e ao homossexualismo. Queremos, com a mediação da própria comunidade, desfocar do conflito, trabalharmos na raiz do problema, sem a relação clássica culpado versus inocente. Seremos palco portanto de um projeto piloto nacional.”

O evento do próximo sábado é discutido há muito. A iniciativa conta com financiamento da Secretaria de Reforma do Judiciário, do Ministério da Justiça e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento.

A Justiça Restaurativa pretende ser uma alternativa para a resolução de infrações penais de menor potencial ofensivo, que ainda não têm solução nos Juizados Especiais. O sistema seria usado nos casos em que caiba transação penal e conciliação, previstos na Lei 9.099/95.

Pelo sistema, o ofensor e ofendido se reúnem em escolas da comunidade e, com o auxílio de facilitadores, tentam chegar a um acordo que atenda às suas necessidades. Os facilitadores são pessoas da comunidade capacitadas por psicólogos e especialistas em mediação.

Em junho passado, um seminário sobre o tema teve a participação de expositores vindos de países em que a Justiça Restaurativa já é usada: Ganief Daniels, comissário de polícia da África do Sul; os professores John Cartwrigth e Madeleine Jenneker, da Universidade do Cabo Ocidental (Cidade do Cabo, África do Sul); e Catherine Slakmon, da Universidade de Montreal (Canadá).

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!