Preconceito de raça

Cliente é condenado por agressão racista contra vigilante

Autor

12 de julho de 2006, 12h56

Um correntista do Banco do Brasil de Santa Rosa (RS) foi condenado a pagar 20 salários mínimos de indenização por danos morais para um vigilante, chamado de “burro, negro ignorante, negro safado e negro sujo” pelo cliente. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Para os desembargadores, ficou claro o cunho racista da agressão e a conduta preconceituosa do cliente do banco. Cabe recurso.

De acordo com o processo, o vigilante cumpria seu expediente no banco, quando foi interpelado pelo cliente que não concordou em passar pela porta detectora de metais. Quando foi solicitado a deixar o celular e as chaves em um depósito, o correntista começou a falar palavras de baixo calão para o funcionário, com conotação racista.

A ação indenizatória foi ajuizada na comarca de Santa Rosa. A primeira instância condenou o cliente a pagar R$ 3 mil para o ofendido. As partes apelaram. O autor da ação para aumentar o valor da reparação e o réu pela ausência de comprovação dos fatos alegados e improcedência da sentença.

A relatora do processo, desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi, ressaltou o depoimento de testemunhas que afirmam ter presenciado a discussão e ouvido o réu chamar o vigilante de “negro ignorante” e “negro safado”.

“As palavras proferidas pelo demandado não são simplesmente ofensivas, mas revelam preconceito racial em relação ao autor”, expõe a relatora. Para ela, é dever do juiz reprimir a prática de atos discriminatórios e preconceituosos em desvalia à raça negra e condenar a conduta do réu.

O colegiado aumentou o valor da indenização para 20 salários mínimos (R$ 7 mil), corrigidos pelo IGP-M e acrescidos de juros legais. Participaram do julgamento os desembargadores Luís Augusto Coelho Braga e Adão Sérgio do Nascimento Cassiano.

Processo 70014191415

Leia a íntegra da decisão

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. OFENSA À HONRA.

Em casos de ofensa à honra o dever de indenizar gira em torno da comprovação da conduta ofensiva narrada pelo autor e da averiguação de que esta realmente foi capaz de atingir a honra subjetiva do demandante, dando causa, assim, ao abalo moral alegado. No presente caso, a prova produzida nos autos não deixa dúvidas a respeito a ofensividade da conduta do réu. De outra banda, não trouxe o demandado nenhuma prova para afastar o direito do autor, ônus que lhe cabia (art. 333, II, do CPC).

INDENIZAÇÃO. MAJORAÇÃO. RACISMO. PROFERIMENTO DE PALAVRAS OFENSIVAS À RAÇA NEGRA.

Ante o tratamento conferido pelo ordenamento jurídico pátrio ao tema versado nos autos, com nítido objetivo de reprimir a prática de atos discriminatórios e preconceituosos em desvalia à raça negra, a conduta do réu para com o autor, eminentemente depreciativa à sua cor, deve ser repudiada e, via de conseqüência, condenada pelo Estado-Juiz. Quantum indenizatório majorado.

APELAÇÃO DO AUTOR PROVIDA. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO RÉU.

APELAÇÃO CÍVEL: NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70014191415: COMARCA DE SANTA ROSA

VALDECIR DINIZ: APELANTE/APELADO

FRANCISCO WASCHBURGER: APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento à apelação do autor e negar provimento à apelação do réu.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE E REVISOR) E DES. ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO.

Porto Alegre, 22 de março de 2006.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI,

Relatora.

RELATÓRIO

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (RELATORA)

De início, adoto o relatório da sentença:

“VALDECIR DINIZ propõe a presente ação de indenização por danos morais contra FRANCISCO WASCHBURGER, partes qualificadas. Alegando, em síntese, que no dia 29/11/2002, por volta das 9h30min, encontrava-se em seu local de trabalho na agência do Banco do Brasil em Santa Rosa, quando o demandado se aproximou da porta do estabelecimento. Na ocasião, foi solicitado que depositasse seu celular e o molho de chaves junto à caixa existente próxima a porta giratória. Contudo, de forma alterada, o réu passou a injuriar e difamar o autor com palavras de baixo calão, ofendendo-lhe a dignidade e o decoro, fato presenciado por terceiros. Sustenta que as palavras proferidas pelo réu lhe causaram intenso dano de ordem moral. Informa ser o demandado pessoa de privilegiada situação econômica financeira, possuindo comércio de porte, abastado, na soberba de suas posses, crendo este, no direito de menosprezar e ofender aquele que está apenas a cumprir o seu dever, realizando o seu trabalho na busca do sustento da família. Assevera que o fato repercutiu entre os presentes e foi comentado em nossa cidade, constrangendo o autor. Busca a indenização por danos morais a ser arbitrada por este juízo. Requer o benefício da gratuidade judiciária. Acosta documentos (fls. 07/10).

O pedido de gratuidade judiciária foi deferido (fl. 11).

Citado, o demandado apresenta contestação, alegando a inveracidade dos fatos narrados na inicial, que será demonstrada durante a instrução do processo a existência de desavença anterior entre o autor e o réu. Afirma que esteve no estabelecimento bancário mencionado no dia constante na inicial, contudo o fato não aconteceu na forma narrada, tanto que às 9h30min não há expediente bancário. Sustenta não condizer à verdade a alegação de ser pessoa de privilegiada situação econômica, pois a empresa comercial encerrou suas atividades sendo simples professor universitário. Aduz que a ocorrência policial comunicada em nada auxilia na injusta pretensão, já que se trata de mera informação. Sustenta a má-fé do autor. Pugna por improcedência. Anexa documento (fl. 16).

Houve réplica.

Realizada audiência de instrução e julgamento, sendo inquiridas seis testemunhas (fls. 36/42). Sobrevieram memoriais acostados pelas partes.”


Sobreveio sentença de procedência do pedido, condenando o réu ao pagamento de indenização arbitrada em R$ 3.000,00 (três mil reais), corrigida pelo IGP-M e acrescida de juros de mora de 12 a.a. a partir da citação. Condenou, ainda, o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% do valor da condenação.

Irresignadas, ambas as partes apelam.

Em suas razões recursais (fls. 60/63), o autor pugna por majoração do quantum indenizatório.

Por sua vez (fls. 66/67), o réu entende que não houve comprovação dos fatos alegados pelo autor. Pede reforma da sentença para que seja julgada improcedente a ação.

Contra-razões às fls. 71 e 73/75.

Subiram os autos a esta Corte.

Vieram conclusos.

É o relatório.

VOTOS

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (RELATORA)

Cuida-se de ação de indenização por dano moral decorrente de ofensa à honra, em cujos recursos de apelação devolveram o exame da prova dos fatos narrados pelo autor, bem como o quantum indenizatório arbitrado na sentença.

Cabe salientar que, em casos de ofensa à honra, o dever de indenizar gira em torno da comprovação da conduta ofensiva narrada pelo autor e da averiguação de que esta realmente foi capaz de atingir a honra subjetiva do demandante, dando causa, assim, ao abalo moral alegado.

No presente caso, a prova produzida nos autos não deixa dúvidas a respeito a ofensividade da conduta do réu.

Observo que todas as testemunhas ouvidas durante a instrução (fls. 37/42) confirmam os seguintes fatos: 1) houve uma discussão entre as partes, 2) a porta giratória do banco trancou, 3) o autor se dirigiu ao réu quando a porta trancou, e, finalmente, 4) que o réu alterou o tom de voz, ou que ao menos usou “uma voz firme” (conforme Airton Rodrigues, fl. 37).

Duas testemunhas afirmam ter presenciado a discussão: Adriano Schmitz afirma que durante a discussão ouviu o réu chamar o autor de “burro, negro ignorante” (fl. 39), já Denise Vargas disse ter que o réu xingou o autor de “negro safado” (fl. 40).

Por sua vez, a testemunha Emi Elza Chitolina relata que esteve com o autor logo após a discussão, e que este dizia que o réu o havia chamado de “nego sujo” (fl. 38).

Não restam dúvidas, portanto, a respeito dos fatos narrados pelo autor. De outra banda, não trouxe o demandado nenhuma prova para afastar o direito do autor, ônus que lhe cabia (art. 333, II, do CPC).

Destarte, não prospera a inconformidade do réu.

Passo à análise do dano moral e da quantificação da indenização, adentrando, assim, na apelação do autor.

Impende salientar que a conduta do réu é lesiva à honra do autor, porquanto as palavras proferidas pelo demandado, não são simplesmente ofensivas, mas revelam preconceito racial em relação ao autor.

Não há que se perder de vista que o Brasil é um país de vasta miscigenação, considerado por muitos uma verdadeira “democracia racial”, aonde não se justificariam comportamentos discriminatórios, mormente em razão da cor que o indivíduo possua.

Contudo, não é esta a realidade.

Sérgio Salomão Shecaira1, em belo estudo sobre o racismo dissimulado que vivenciamos, cita Lilia Schwarcz, antropóloga que, com duas perguntas, bem sintetizou uma das grandes contradições do nosso país: (1) Você é preconceituoso? 99% das pessoas responderam “não”. (2) Você conhece alguém preconceituoso? 98% das pessoas responderam “sim”. O racismo à brasileira é, portanto, um racismo que todos negam, mas, ao mesmo tempo, todos afirmam.

Vale registrar alguns dados sobre as relações inter-raciais colhidos na PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios, realizada em 1999: 54% dos brasileiros se consideram brancos, 5,4% se consideram pretos (terminologia usada na pesquisa) e 39,9% se disseram pardos. Dessa população, são analfabetos 8,3% dos brancos, 21% dos pretos e 19,6% dos pardos, isto é, os pretos têm 2,5 mais analfabetos do que brancos. Os brancos recebem, em média, 5,25 salários mínimos; pretos percebem 2,43 salários, enquanto pardos, 2,54 salários mínimos, o que significa que o rendimento médio de um branco é mais que o dobro que o rendimento médio de um preto. Outro dado sobre as condições de trabalho dos brasileiros revela que 14,6% dos negros são empregados domésticos, sendo que somente 6,1% dos brancos trabalham nessa função (há duas vezes e meia mais pretos do que brancos trabalhando nesta atividade menos qualificada). No sistema carcerário, a taxa de encarceramento por grupo racial em São Paulo revela que um negro tem 5,4 mais chances de estar na prisão que um branco e que as penas dos negros são proporcionalmente maiores, sendo os brancos menos processados, presos e condenados2.


Outro dado merece ser considerado: de acordo com pesquisa recente do IPEA, no Brasil, os negros são 64% dos pobres e 69% dos indigentes. O país possui índice de desenvolvimento humano geral (IDH, 2000) que o faz figurar em 74º lugar, mas, sob o recorte étnico-racial, o IDH relativo à população negra indica a 108º posição, enquanto o IDH concernente à população branca indica a 43º posição.3

Tais números nada mais são do que a prova cabal de que o racismo é ainda uma constate em nossa sociedade, que se quer justa, igualitária e pluralista.

Hoje não mais podem subsistir teorias que segregam a humanidade a partir de supostas diferenças genéticas entre os seres humanos de raças distintas, em que umas seriam, inclusive, superiores a outras.

Como ponto culminante à quase superação das Teorias poligenistas – essencialmente baseadas na Teoria de Darwin, para as quais os homens teriam surgido a partir de macacos diferentes – se põe a Declaração Sobre a Raça e os Preconceitos Raciais (Unesco, Paris, 26.9.77), a qual reconheceu que: a) todos os homens que vivem em nossos dias pertencem à mesma espécie e descendem da mesma fonte; b) a divisão da espécie humana em raças é, em parte, convencional e arbitrária, e não implica em hierarquia de qualquer ordem; c) a ciência já comprovou que os povos possuem potenciais biológicos iguais, o que lhes permite alcançar qualquer nível de civilização. Nessa linha de raciocínio, o racismo falsifica grosseiramente os conhecimentos relativos à biologia humana. 4

O Ministro Maurício Correa, em voto-vista no paradigmático caso Siegfrid Ellwanger, analisou as diversas teorias a respeito da definição de raça, bem como as últimas descobertas científicas com o seqüenciamento do genoma humano, concluindo que no sentido antropológico-científico não existem mais “raças”, mas apenas uma raça – a raça humana.5

Assim, o racismo não se pauta atualmente em conceitos científicos, mas em uma ideologia que visa a diminuir e subjugar o semelhante por interesses político-sociais normalmente não-declarados. Em que pese algumas práticas políticas históricas apresentarem como justificação a superioridade de uma raça sobre outras (v.g. a escravidão de negros e índios), certamente outros eram os motivos de maior relevo, notadamente os de cunho econômico.

Na dicção de Miguel Reale Jr6, “o termo racismo vem a constituir a referência a um tipo de comportamento político e social de diminuição ou exclusão de um determinado grupo de pessoas, identificado não só por pertencerem a uma raça – o que se revela cientificamente impossível fixar – mas tendo em vista características culturais permanentes. Trata-se, antes, de uma forma de inferiorizar o outro, de uma estrutura mental que considera os outros diversos, não se lhe atribuindo a possibilidade de estar ‘entre nós’, de gozar os mesmos direitos, o que constitui uma ‘expulsão continuada do outro’, ao ver de Alain David ‘uma punição maior que a morte’”.

Nosso ordenamento jurídico revela a importância da matéria – não raro esquecida –, merecendo aqui ser rememorado o tratamento conferido pelo legislador (constituinte e ordinário).

A Convenção Internacional para Eliminação da Discriminação Racial, de 1966, subscrita e ratificada pelo Brasil em 1968, defini discriminação racial como “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor descendência ou origem nacional ou étnica que têm por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro domínio de vida pública.”

Assim, ao ratificar as Convenções Internacionais, os Estados (dentre eles o Brasil) assumiram a obrigação internacional de eliminar todas as formas de discriminação e a promover o entendimento entre todas as raças, assegurando uma igualdade no plano real, e não meramente formal.

A Constituição Federal de 1988, norte para onde convergem as normas infraconstitucionais na busca das diretrizes axiológicas de nosso sistema jurídico, anuncia, logo em seu art. 1º que “A República Federativa do Brasil (…) constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – dignidade da pessoa humana”.

No art. 3º, assevera que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária, bem como promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação.

A Norma Fundamental, no art. 4º institui que o Brasil, nas relações internacionais, reger-se-á pelos princípios a seguir relacionados, dentre eles, no inciso VIII, pelo “repúdio ao terrorismo e ao racismo”.


Em seu art. 5º, a CF/88 – que elenca de forma não-exaustiva os direitos e garantias fundamentais –, declara que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e, nos incisos XLI e XLII estabelece que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais”, acrescentando que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”.

Para dar efetividade à norma constitucional, surgiu a Lei nº 7.716/89 (denominada Lei Caó), que definiu os crimes decorrentes de discriminação de raça ou cor, saliente-se, ainda timidamente aplicada pelos nossos Tribunais.

Mais recentemente surgiu a Lei nº 9.459/97, a qual acrescentou um parágrafo ao art. 140 do Código Penal (relativo ao crime de injúria), prevendo pena diferenciada à injúria que “consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem”.

Outrossim, os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana (princípio fundamental conformador da Constituição, fonte emanadora do homem em sua humanitas) negam a possibilidade de qualquer diferenciação do homem por sua raça ou cor, pois a segregação racista fere o núcleo da humanidade do homem, a sua identidade social como pessoa, eliminando sua dignidade, por considerá-lo diverso e inferior 7.

Vale transcrever a mensagem de Dora Bertúlio8, para quem “o exercício dos direitos fundamentais e de cidadania está vinculado, absoluta e completamente, à auto-estima e constituição do sujeito de direito – vale dizer – à interiorização, por cada indivíduo dentro de uma sociedade, de sua participação e inclusão nessa mesma sociedade. Anterior, pois, à requisição e exercício dos direitos subjetivos, há que ser possível ao indivíduo ver-se pertencente ao corpo social respectivo.”

Ante o tratamento conferido pelo ordenamento jurídico pátrio ao tema versado nos autos, com nítido objetivo de reprimir a prática de atos discriminatórios e preconceituosos em desvalia à raça negra, a conduta do réu para com a autora, eminentemente depreciativa à sua cor, deve ser repudiada e, via de conseqüência, condenada pelo Estado-Juiz.

Tenho que, por tudo que foi exposto, seja estreme de dúvidas o ato ilícito cometido pelo demandado, fazendo jus a autora à percepção de indenização por danos morais. Aliás, cumpre ressalvar que indenizações a título de danos morais decorrentes de preconceito racial não são novidade neste Egrégio Tribunal. A propósito:

DANO MORAL. PRECONCEITO RACIAL. OFENSA A HONRA. FATO COMETIDO DENTRO DE SALA DE AUDIENCIA. APELO DESPROVIDO. MANUTENCAO DA INDENIZACAO. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 596136101, SEXTA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: DÉCIO ANTÔNIO ERPEN, JULGADO EM 22/10/1996)

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. RACISMO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. A expressão denota racismo e diz com dano moral, pois latente o cunho pejorativo. Indenização reduzida observadas as ordenadoras do caso em exame. Deram parcial provimento à Apelação. Unânime. (Apelação Cível Nº 70008529638, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 16/09/2004)

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. RACISMO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. A expressão denota racismo e diz com dano moral, pois latente o cunho pejorativo ¿ indenização reduzida observadas as ordenadoras do caso em exame ¿ embargos declaratórios não procrastinatórios ¿ verbas sucumbenciais redimensionadas, pois reconhecido o dano, descabe fixar os honorários simplesmente entre o pedido e concedido. deram parcial provimento a ambos os apelos. unânime. (Apelação Cível Nº 70007325681, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 24/06/2004)

RESPONSABILIDADE CIVIL. RACISMO. CONFIGURADO. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. QUANTUM. MAJORAÇÃO. O fato de alguém ser chamado de negro, quando de fato o é, por si só, não é capaz de gerar danos morais, situação que se altera quando a expressão é utilizada de forma pejorativa, como aqui ocorreu. O valor da indenização deve ser majorado, atendendo melhor às peculiaridades do caso concreto. NEGADO PROVIMENTO À APELAÇÃO, PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO ADESIVO. (Apelação Cível Nº 70006978704, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, Julgado em 18/03/2004)

Com efeito, certamente os sentimentos de dor, sofrimento e humilhação vivenciados pela apelada em face das palavras ofensivas à sua honra e dignidade abalaram fortemente a harmonia psíquica e a auto-estima da autora, gerando os danos morais que o instituto da responsabilidade civil visa a reprimir, mormente à vista da dimensão histórico-político-social que assume a matéria.


Não há falar da prova do dano moral no caso em comento, uma vez que este não se comprova pelos mesmos meios utilizados para verificação do dano material. Basta, para tanto, apenas a prova da existência do ato ilícito. O dano moral existe in re ipsa. Provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral.

Note-se a jurisprudência nesse sentido:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. RACISMO. INSULTO PROFERIDO COM EVIDENTE PRECONCEITO RACIAL, DEFLAGRANDO OFENSA À HONRA E À DIGNIDADE DA DEMANDANTE, DENUNCIANDO DISCRIMINAÇÃO EM RAZÃO DA COR. DANO MORAL IN RE IPSA. INDENIZAÇÃO ESTABELECIDA EM 10 SALÁRIOS MÍNIMOS, MOLDADA AO CASO CONCRETO E CUMPRINDO O OBJETIVO PUNITIVO/REPARATÓRIO/PEDAGÓGICO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA. SENTENÇA MANTIDA. APELOS DESPROVIDOS. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70002983641, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA, JULGADO EM 05/06/2002)

É verdade, que “não se paga a dor, porque seria profundamente imoral que esse sentimento íntimo de uma pessoa pudesse ser tarifado em dinheiro.”, como revelado por Martinho Garcez Neto. O mesmo doutrinador, valendo-se das lições do Ministro Pedro dos Santos, argumenta que a prestação pecuniária será “uma suavização nos limites das forças humanas para certos males injustamente produzidos. O dinheiro não os extinguirá de todo; não os atenuará por sua própria natureza, mas, pelas vantagens que seu valor permutativo poderá proporcionar, compensará, indireta e parcialmente embora, o suplício moral que os vitimados experimentam”. E, para reforço dessa função meramente satisfatória, invoca lição da Professora Pires de Lima, da Universidade de Coimbra, assim transcrita: “São dois os modos por que é possível obter-se a reparação civil: a restituição do estado anterior e a reparação pecuniária, quando o direito lesado seja de natureza reintegrável. Ora, a ofensa causada por um dano moral não é suscetível de indenização no primeiro sentido, mas o é de uma reparação em dinheiro, que em todo o caso se distingue da indenização exigida pelos danos patrimoniais. Com a indenização não se pretende refazer o patrimônio, porque este nem parcialmente foi diminuído, mas, se tem simplesmente em vista dar à pessoa lesada uma satisfação que lhe é devida por uma sensação dolorosa que sofreu, estamos em presença que lhe é devida por uma sensação dolorosa que sofreu, estamos em presença de puros danos morais, e a prestação pecuniária tem neste caso uma função simplesmente satisfatória. Se é certo não poderem pagar-se as dores sofridas, a verdade é que o dinheiro, proporcionando à pessoa disponibilidade que até aí não tinha, lhe pode trazer diversos prazeres que até certo ponto a compensarão de dor que lhe foi causada injustamente.” (in Prática da Responsabilidade Civil, 3ª ed., 1975, p. 49/53).

Por estas razões, tenho que deva ser acolhida a pretensão do autor de majoração da indenização.

Assim, considerando a extensão do dano e que a verba fixada a título de reparação de dano moral não deve surgir como um prêmio ao ofendido, dando margem ao enriquecimento sem causa, tenho que a indenização arbitrada pela sentença deve ser majorada para valor equivalente a 20 (vinte) salários mínimos, corrigido pelo IGP-M, acrescido de juros de mora a razão 1% ao mês, até o efetivo adimplemento.

Diante do preconizado, permanecem as custas a cargo do autor, mantida a verba honorária em 10% do valor da condenação.

Pelo exposto, voto pelo improvimento da apelação do réu e pelo provimento do apelo do autor, nos termos acima explicitados.

DERAM PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DO RÉU.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo.

DES. ADÃO SÉRGIO DO NASCIMENTO CASSIANO – De acordo.

Julgador(a) de 1º Grau: BIANCA PREDIGER

Notas de rodapé

1- Racismo, in Revista de Direitos Difusos, Volume 9, Outubro/2001, p.1173.

2- Racismo, in Revista de Direitos Difusos, Volume 9, Outubro/2001, p.1174-1177.

3- Piovesan, Flávia, Implementação do Direito à Igualdade Racial, in Revista de Direitos Difusos, Volume 9, Outubro/2001, P. 1130.

4- O Racismo visto por negros da África, in Revista Trimestral de divulgação exclusiva de matéria jurídica, Jurisprudência e Doutrina, p. 18

5- STF define crime de racismo, in Revista Jurídica Consulex, Ano VIII, Nº 172, 15 de março de 2004, p. 45.

6- Anti-semitismo é racismo, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, Ano 11, abril-junho de 2003, Editora Revista dos Tribunais, p. 329.

7- Anti-semitismo é racismo, in Revista Brasileira de Ciências Criminais, Ano 11, abril-junho de 2003, Editora Revista dos Tribunais, p. 344.

8- Racismo e Relações de Gênero, in Cadernos Themis, Gênero e Direito, Ano I, março/2000, p. 66.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!