Fraude em contratação

Prestação de serviço para uma só empresa prova vínculo

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11 de julho de 2006, 15h57

A prestação pessoal de serviços exclusivamente para uma empresa, no desempenho de funções ligadas à atividade-fim do empreendimento, serve para provar o vínculo empregatício. O entendimento é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

Os juízes reconheceram o vínculo empregatício de ex-funcionária com a Editora Gráficos Burti e responsabilizaram solidariamente a empresa Fulfillment Logística de Distribuição e Transportes e a Coopersar Cooperativa de Serviços, Trabalho, Assistência, Qualificação Profissional e Reclassificação Profissional.

A ex-funcionária entrou com ação na 1ª Vara do Trabalho de Guarulhos (SP) para pedir o reconhecimento do seu vínculo empregatício com a editora e os seus direitos. A vara acolheu os pedidos e condenou tanto a editora quanto a Fulfillment por fraude.

As empresas recorreram ao TRT-SP. A Fulfillment alegou que a funcionária recebeu os valores relativos aos serviços que prestou. A editora afirmou que a ex-funcionária tinha contrato regido pela legislação do cooperativismo, sem prova de fraude.

Segundo o juiz Paulo Augusto Câmara, relator, as empresas tentaram justificar a natureza de cooperativa da relação de trabalho, mas não produziram prova para comprovar o fato. Além disso, testemunhas depuseram na vara declarando que os trabalhadores não eram cooperados e só depois de contratados foram encaminhados à cooperativa.

De acordo com o juiz, “a formalidade relativa à adesão à cooperativa perde substância ante o pagamento de salário-base, instituto que demonstra, de forma inequívoca a prestação de serviços nos moldes do artigo 3º da CLT”.

O relator concluiu que a editora contratou mão-de-obra através de falsa cooperativa e que “a relação de emprego está mascarada por evidente fraude”.

A 4ª Turma reconheceu o vínculo empregatício da ex-funcionária e determinou seus registros, o pagamento de valores devidos pela rescisão contratual e multa, além de expedição de ofícios à Delegacia Regional do Trabalho e Ministério Público do Trabalho, em virtude da fraude.

Processo 01902.2002.311.02.00-0

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/SP Nº 01902.2002.311.02.00-0 – 4ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª VARA DE TRABALHO DE GUARULHOS

RECORRENTES: FULFILLMENT LOGÍSTICA DE DISTRIBUIÇÃO E TRANSPORTES LTDA

EDITORA GRÁFICOS BURTI LTDA

RECORRIDOS: EDEILDA RIBEIRO DOS SANTOS

COOPERSAR COOPERATIVA DE SERVIÇOS, TRABALHO, ASSISTÊNCIA, QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL E RECLASSIFICAÇÃO PROFISSIONAL S/C

Ementa

Relação de emprego configurada. Intermediação fraudulenta de mão-de-obra. Falsa cooperada. Aplicação do art. 9º da CLT. A prestação pessoal de serviços exclusivamente para uma empresa, no desempenho de funções ligadas à atividade-fim do empreendimento, indica o vínculo empregatício.

Inaplicável a legislação pertinente às sociedades cooperativas (Lei nº 5.764/71 e art. 442, parágrafo único da CLT) quando a contratação da trabalhadora foi irregular. Não é permitido olvidar que a relação de emprego é informada pelo princípio do contrato realidade e qualquer manobra destinada a desvirtuar direitos trabalhistas legalmente assegurados atrai a aplicação do art. 9º da CLT. Vínculo empregatício reconhecido.

A r. sentença de fls. 198/208, cujo relatório adoto, julgou procedentes os pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício com a EDITORA GRÁFICOS BURTI LTDA e condenou solidariamente as co-reclamadas.

Inconformada, recorre ordinariamente a FULFILLMENT, consoante razões de fls. 213/222, alegando, em síntese, equívoco na valoração do conjunto probatório e na aplicação do direito. Reputa legítimos os contratos a prazo determinado celebrado entre as partes.

Argumenta que a celebração de contratos de natureza civil entre empresas, para prestação de serviços não essenciais ao objeto social da contratante, não caracteriza fraude.

Afirma que os contratos de emprego celebrados com a EDITORA não configuram fraude, até porque a reclamante foi registrada e recebeu os valores relativos aos serviços que prestou.

Sustenta serem indevidas as diferenças salariais, de indenização das cestas básicas e da participação nos lucros e resultados, “uma vez que a prova dos autos deixou claro que ela não é uma indústria gráfica”. Argumenta que as normas coletivas encartadas com a inicial não representam a categoria econômica da recorrente, nem da recorrida. Requer a improcedência dos pedidos.

Recurso tempestivo. Preparo adequado (fls. 223/224).

A EDITORA GRÁFICOS BURTI LTDA também recorre ordinariamente, nos moldes do arrazoado de fls. 226/253. Insiste na tese de que a recorrida teve contrato regido pela legislação do cooperativismo no período de 01.02.2000 a 30.10.2000, inexistindo prova acerca da fraude.

Afirma que a obreira sempre recebeu importâncias iguais ou superiores aos salários normativos previstos nas normas coletivas encartadas aos autos com a petição inicial. Argumenta que o art. 442, § único da CLT tem total aplicação no presente feito.

Aponta a desnecessidade da expedição de ofícios e impugna a aplicação da multa preconizada no art. 477 Consolidado, ante a controvérsia acerca da natureza jurídica da relação contratual havida entre as partes. Afirma que após 30.10.2000, a obreira prestou serviços esporádicos e eventuais, sendo indevida a unicidade contratual.

Afirma que o pedido relativo a adicional noturno é limitado ao período compreendido entre 01.04.2002 e 10.07.2002, logo, ao deferir o pedido extensivo aos períodos de 01.02.2000 a 30.10.2000 e de 08.01.2001 a 18.02.2002, teria a D. Magistrada infringido os limites estabelecidos pelos artigos 128, 264, 300 e 302 do CPC.

Argumenta que no período de 01.04.2002 a 10.07.2002, a reclamante foi empregada da FULFILLMENT, devidamente registrada como tal, sendo indevida a responsabilidade solidária à qual foi condenada. Pugna pela improcedência dos pedidos.

Recurso tempestivo. Preparo adequado (fls. 254/255).

Contra-razões às fls. 261 e 263/264.

Através do r. parecer de fl. 267, opina a D. Procuradoria do Ministério Público do Trabalho pela desnecessidade da intervenção ministerial, sem prejuízo de futura manifestação.

É o relatório.

VOTO

Conheço dos recursos, uma vez que presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

No mérito, não merece acolhida a irresignação das recorrentes.

Da natureza jurídica da relação contratual mantida entre as partes (matéria comum a ambos os recursos)

As recorrentes insistem no reconhecimento da legitimidade da prestação de serviços por meio de cooperativa, à qual a recorrida teria legitimamente aderido. Negam fraude na contratação, negam unicidade contratual e apontam equívoco na valoração das provas e na aplicação do direito.

Sem razão, todavia.

O exame dos autos revela que a prestação de serviços restou incontroversa, embora as recorridas hajam imputado-lhe a natureza jurídica autônoma sob o formato de cooperativismo.

Ao fazê-lo, as demandadas carrearam para si o encargo probatório, nos termos dos artigos 818 da CLT e 333, II do CPC. Entretanto, não lograram produzir prova eficiente e capaz de corroborar a tese defensiva.

Conforme bem decidido pelo Juízo de origem, todo o conjunto probatório consubstanciado nos autos trilha no sentido de evidenciar a relação empregatícia nos moldes preconizados no art. 3º da CLT e a fraude perpetrada no sentido de descaracterizar o contrato de emprego.

O objeto social da GRÁFICOS BURTI LTDA, tomadora de serviços é a exploração do ramo de gráfica (estatuto social, fls. 99/100) e quando a reclamante foi admitida aos seus serviços, desempenhou o cargo de bloquista, inserida no contexto de atividade-fim daquela.

A atividade fim da FULFILLMENT a prestação de serviços de embalagens, empacotamento, beneficiamento acabamento, divisão, distribuição e transporte de produtos e serviços por conta de terceiros; elaboração de mala direta e outros (estatuto social, fl. 109). Para esta reclamada, a reclamante trabalhou no cargo de auxiliar de serviços, tendo a CTPS registrada no período de 01.06.2002 a 10.07.2002.

Importante reiterar, que em ambos os casos, a obreira desempenhou funções ligadas às atividadades-fim das empresas.

Merece constar, ainda, que a formalidade relativa à adesão à cooperativa perde substância ante o pagamento de salário-base (doc. nº 7, fl. 20), instituto este que demonstra, de forma inequívoca a prestação de serviços nos moldes do art. 3º da CLT.

Através do depoimento da testemunha Maria Cristina Teixeira Borges, à fl. 196, verifico que os trabalhadores não eram cooperados e somente após serem contratados eram encaminhados à cooperativa.

Diferentemente do alegado pelas recorrentes, há provas inequívocas acerca da fraude na contratação nos moldes celetistas com a GRÁFICOS BURTI e da unicidade contratual em relação à FULFILLMENT, pois esta última não demonstrou a legitimidade da contração de trabalhador em vários contratos a prazo determinado.

De se ponderar, ainda, que a prova oral consubstanciada pelo depoimento da testemunha convidada pela obreira não foi elidida por nenhuma contraprova eficiente.

A conclusão, portanto, é que a demandada GRAFICOS BURTI arregimentou mão-de-obra ligada à consecução de sua atividade-fim através de falsa COOPERATIVA e que a relação de emprego está mascarada por evidente fraude.

Despicienda a tese expendida pelas rés, formulada com supedâneo na legislação pertinente às sociedades cooperativas (Lei nº 5.764/71 e art. 442, parágrafo único da CLT), pois o ato jurídico consubstanciado na contratação da reclamante na qualidade de cooperada é nulo, até porque sua contratação é anterior à adesão à COOPERATIVA.

Não é permitido olvidar que a relação de emprego é informada pelo princípio do contrato realidade e qualquer manobra destinada a desvirtuar direitos trabalhistas legalmente assegurados não merece prosperar (art. 9º da CLT).

A respeito da matéria, doutrina e jurisprudência já se manifestaram, conforme transcrito:

Cooperativa. Vínculo de Emprego. Reconhecimento. O instituto do Cooperativismo (Lei nº 5.764/71) deve ser analisado com reservas, tendo em vista que pode ser utilizado como forma de fraudar a aplicação dos direitos trabalhistas, desvirtuando-se de seu real objetivo social. (TRT 6ª Reg., Proc. RO-1804/97; Rel. Juiz Gilvan de Sá Barreto; BJ nº 6/97).

Mantenho o decidido.

Da ruptura contratual

O inconformismo quanto ao pagamento das verbas rescisórias também não prospera.

Negado o vínculo de emprego pela GRÁFICOS BURTI LTDA, presume-se que a dispensa ocorreu por iniciativa do empregador, já que o princípio da continuidade da relação empregatícia favorece o trabalhador, que necessita do salário para sobreviver.

De resto, não lograram as rés demonstrar, documentalmente, que a recorrida teria desistido do posto de trabalho. São mesmo devidas as verbas que constam da r. sentença.

Nada a modificar.

Da multa – atraso no pagamento das verbas rescisórias

Reformulando entendimento anterior, consigno que, ao contratar empregado de forma fraudulenta, o empregador assumiu os riscos decorrentes, logo, deve responder pela multa preconizada no art. 477, par. 8º da CLT. Mantenho.

Da expedição de ofícios

A contratação irregular de empregado, mascarada sob a forma de falsa cooperativa, impõe mesmo a expedição de ofícios à Delegacia Regional do Trabalho e ao Ministério Público do Trabalho para as providências cabíveis. Mantenho.

Ante o exposto, conheço dos recursos e no mérito, NEGO-LHES PROVIMENTO, mantendo incólume a r. sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos.

PAULO AUGUSTO CAMARA

Juiz Relator

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