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Folha é condenada a indenizar Eduardo Jorge em R$ 200 mil

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11 de julho de 2006, 12h26

O jornal Folha de S. Paulo foi condenado a pagar R$ 200 mil de indenização por danos morais para o ex-secretário-geral do governo FHC, Eduardo Jorge Caldas Pereira, por publicar diversas reportagens sobre sua suposta participação no desvio de verbas públicas para a construção do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, em São Paulo. A decisão é do juiz Fabrício Fontoura Bezzera, da 10ª Vara Cível de Brasília. Cabe recurso.

O pedido de reparação era de quase R$ 1,3 milhão, mais publicação da sentença condenatória no jornal impresso e na versão online. A solicitação de Eduardo Jorge não foi aceita.

De acordo com o processo, os textos foram publicados entre junho de 2000 e junho de 2001. Todos noticiavam que Eduardo Jorge estava envolvido no escândalo do desvio do dinheiro para a construção do prédio. Isso porque EJ é acusado pelo Ministério Público de facilitar a liberação de verbas para a obra a pedido do ex-presidente do TRT paulista, juiz aposentado Nicolau dos Santos Neto, e do senador cassado Luiz Estevão.

No cargo de secretário da Presidência, Eduardo Jorge era encarregado de indicar ao governo as emendas de parlamentares ao Orçamento da União que deveriam ser contempladas. Mas até agora o MP não conseguiu comprovar nenhum envolvimento dele no caso.

Na Justiça, Eduardo Jorge alegou que não há provas de sua participação, conforme investigações dos órgãos governamentais. Afirmou que mesmo assim o jornal “insistiu em denegrir sua imagem”, reiterando sua participação no fato. A Folha sustentou a decadência da ação e que Eduardo Jorge buscou induzir o juiz a erro, porque juntou aos autos trechos de reportagens que suprimiam informações.

O juiz não acolheu o argumento do jornal. “A simples leitura das notícias, notas e charges envolvendo o autor, longe de representar simples notícias informativas, bem configuram indiscutíveis ofensas à honra, conceito, reputação e imagem do autor”, decidiu.

“Não vejo como acolher a defesa apresentada, pelas seguintes razões: a uma, porque baseadas em fatos inverídicos; a duas, porque narram fatos sabidamente falsos, sem nenhuma consistência fática; a terceira, porque não se trata de opiniões de membros do Ministério Público Federal as noticiais veiculadas pela ré em seus jornais.”

Quanto ao pedido de publicação da sentença, o juiz considerou “que nenhum resultado prático haverá para a recomposição da honra do autor, uma vez que se trata de procedimento inócuo, sem interesse para qualquer leitor do periódico réu”.

Outras indenizações

Além do jornal Folha de S.Paulo, a revista Veja já foi condenada em primeira instância a pagar indenização de R$ 150 mil para Eduardo Jorge, por causa de nove notícias — entre 2000 e 2002 — consideradas ofensivas e injuriosas.

O Grupo de Comunicação Três, responsável pela revista IstoÉ, também já foi condenado, em segunda instância, a indenizar o ex-secretário-geral e seu irmão Tarcísio Jorge, ex-presidente da Casa da Moeda, pela publicação de reportagem considerada ofensiva. A revista foi condenada a indenizá-lo em R$ 100 mil. A indenização fixada para Tarcísio Jorge foi de R$ 70 mil.

Em dezembro de 2004, foi a vez da Infoglobo Comunicações (que engloba todas as empresas jornalísticas das Organizações Globo) a indenizar em R$ 230 mil o ex-secretário-geral da Presidência da República. A decisão foi da 10ª Vara Cível de Brasília.

Também por ofensa à honra e à dignidade de EJ, o jornal Correio Braziliense foi condenado a pagar indenização de R$ 80 mil, por decisão da 2ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Depois da decisão, as partes entraram em acordo e o jornal pagou uma indenização e publicou um texto retificando as informações publicadas a respeito de Eduardo Jorge. Estes foram alguns veículos condenados e das decisões ainda cabe recurso.

Leia a íntegra da decisão

Circunscrição: 1 – BRASILIA

Processo: 2003.01.1.055066-0

Vara: 21ª – DECIMA VARA CIVEL

Décima Vara Cível da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília

Processo: 2003.01.1.055066-0

Ação: Reparação de Danos

Cuida-se de ação de indenização por danos morais, subordinada ao rito ordinário, proposta por EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRA contra EMPRESA FOLHA DA MANHÃ S/A, visando ao pagamento de indenização no importe de R$ 1.296.000,00 (um milhão e duzentos e noventa e seis mil reais) em razão das diversas publicações veiculadas pela ré, principalmente entre os anos de 2000 e 2001. Informa que as matérias referem-se ao desvio de verbas públicas para a construção do TRT de São Paulo e que atingiu repercussão nacional. Alega que as diversas investigações promovidas pelos vários órgãos governamentais não apontaram sua participação no caso. Esclarece que à medida que os fatos eram aclarados, afastando seu envolvimento do referido desvio, ainda assim, a ré insistia em denegrir sua imagem, reiterando a participação do autor no fato, usando sempre de termos difamatórios e ofensivos nas várias reportagens publicadas, o que, segundo o autor, afetaram sua reputação, credibilidade profissional e vida pessoal. Informa que nenhuma ação de improbidade administrativa foi ajuizada pelos procuradores contra o autor no prazo de 5 anos, como previsto no art. 23 da Lei 8.429/92; que a auditoria fiscal realizada pela Receita Federal em sua declaração de renda e de sua esposa também não encontrou qualquer indício de irregularidade; que o Banco Central do Brasil, em janeiro de 2001, afirmou que não foi beneficiário de qualquer pagamento/depósito efetuado pela Construtora Incal, responsável pela construção do TRT, como também não foram seus familiares ou sociedades de que é sócio; que a Comissão de Fiscalização e Controle do Senado, após profunda investigação de sua movimentação bancária e evolução patrimonial opinou pela inexistência de provas contra o autor e pediu o arquivamento do processo, como fez também a Corregedoria Geral da União, em 16 dos 18 procedimentos abertos envolvendo seu nome. Requer, ao final, a indenização pelos danos morais, no valor acima estipulado, a publicação da sentença condenatória no primeiro caderno da Folha de São Paulo nas mesmas condições das matérias ofensivas veiculadas e que seja igualmente inserida em caráter definitivo no sítio Folha On-line, junto às matérias ofensivas, o inteiro teor da sentença condenatória. A inicial veio acompanhada de documentos.

Determinada a citação da ré, esta apresentou defesa acompanhada de documentos. Suscitou a preliminar de decadência, sob o fundamento de que as matérias jornalísticas em discussão datam de meados de 2000 e a Lei 5.260/67, em seu art. 56, determina que a ação para haver indenização por dano moral deve ser proposta no prazo de 03 (três) meses a contar da data da publicação que lhe der causa, sob pena de decadência. Frisa que citado prazo decadencial foi recepcionado pela Constituição Federal. Assevera que o fato deve ser regido pela Lei de Imprensa e traz diversos julgados do e. TJDF a sustentar sua tese.

No mérito, alegou que, o autor, ao apresentar apenas trechos das reportagens em sua inicial, mudou sua contextualização, porque suprimiu as demais informações, ato que fere o art. 57 da Lei de Imprensa. Afirmou que, com esta atitude buscou o autor induzir o Juízo a acreditar em supostos abusos cometidos. Argumentou que o escopo da atividade jornalística é apenas divulgar objetivamente os fatos. Frisou que o autor não comprovou o dolo da ré em ofender a sua imagem, sendo todo o noticiado já de conhecimento público. Arrazoou que as matérias eram divulgadas no exercício regular de um direito reconhecido, ou seja, a liberdade de imprensa, fato impeditivo ao direito de indenização pleiteado. Ainda, declarou que jamais ocorreu resvalo na vida privada ou intimidade do autor, sendo certo que todas as informações foram obtidas junto a fontes fidedignas e, na maior parte das vezes, oficiais.

Suscitou dúvida sobre a afirmação de que o autor fora inocentado de todos os atos que lhe haviam sido imputados, isso porque o ofício do BACEN, juntado aos autos como prova de que não havia recebido nenhum depósito decorrente do desvio de verbas da construção do TRT-SP, declarou, expressamente, que as apurações acerca do caso ainda estavam em andamento, inclusive, em data recente à propositura da presente ação, foram reabertas investigações acerca do autor na Corregedoria da Receita Federal, em razão de controvérsias sobre o suposto encerramento precoce e não conclusivo das investigações.


Apontou a omissão do autor sobre a publicação efetivada pela ré a respeito do desenrolar das investigações que sobre ele pendiam, tanto no que tange à não localização de provas efetivas em seu desfavor quanto a outros fatos relacionados a sua conduta como homem público, inclusive, omitiu que a ré em ditas publicações teceu críticas à conduta dos Procuradores da República responsáveis pelas investigações.

Com relação às colunas opinativas e charges publicadas, declarou não merecer guarida o pedido formulado na inicial quanto a este tópico, isso porque, se acolhido, não seria respeitado o disposto nos incisos IX e XIV, do artigo 5º, da Constituição Federal. Informou que nenhuma destas sátiras causaram qualquer dano moral ao autor.

Asseverou não haver sido demonstrado o dolo, culpa ou má-fé para caracterização de responsabilidade da ré, nos termos do art. 49 da Lei de Imprensa, bem assim, mesmo se aplicadas as disposições do CC, não se desincumbiu o autor de comprovar a existência do elemento subjetivo, culpa ou dolo.

Aduziu que, em caso de condenação, deve ser observado o princípio da razoabilidade ao se estipular o quantum indenizatório. Com relação ao pedido de retratação formulado pelo autor, consistente na publicação da íntegra da r. sentença, se condenatória, na primeira página da Folha de S. Paulo, bem assim no sítio Folha On-line, declara não merecer acolhida, pois o raciocínio a ser esposado é o de que não há quaisquer elementos para deferimento das teses defendidas pelo autor, até mesmo o pedido cumulado de publicação de retratação e de recebimento de indenização pecuniária certamente implicará em dupla condenação, o que não se pode admitir.

Ao final, requereu a extinção do feito, nos termos do art. 269, I, do CPC, e a condenação do autor em custas processuais e honorários advocatícios. Alternativamente, em caso de sucumbência, que a condenação siga parâmetros módicos, sendo afastado o pedido de retratação. Pediu, ainda, a expedição de ofício: a) ao BNDES, para que esclarecesse acerca do financiamento concedido ao Frigorífico Chapecó, declarando o valor e data da liberação; b) ao Banco Central, para que esclarecesse se ainda estavam em apuração os beneficiários dos créditos decorrentes da liberação de verbas para a construção do prédio do TRT – SP; c) ao TSE, para que elucidasse se foram aprovadas as contas da campanha presidencial de 1998 de Fernando Henrique Cardoso; d) à Corregedoria da Receita Federal, para que informasse acerca da continuidade da auditoria realizada sobre o autor, seus familiares e empresa das quais é sócio; e) ao Ministério Público Federal, para que prestasse informações sobre os procedimentos investigativos instaurados a respeito do autor, seu objeto e atual andamento.

Em réplica, o autor rebateu as alegações feitas na contestação e reiterou os termos contidos na inicial. Juntou documentos.

Facultada às partes a oportunidade de produzir provas, o autor pugnou pela juntada de novos documentos e a ré pela produção de prova oral e documental.

Foi proferida decisão saneadora às fls. 1.105/1.106. Dessa decisão foi interposto recurso de agravo pela ré, o qual teve o pedido de efeito suspensivo negado.

ouve audiência de instrução e julgamento.

As partes apresentaram alegações finais.

É o relatório.

DECIDO.

Busca o autor ver-se indenizado pela ré em razão das diversas reportagens publicadas no jornal FOLHA DE SÃO PAULO e na revista eletrônica (site) FOLHAONLINE, que teriam atingindo sua reputação, credibilidade profissional e vida pessoal, todas falsas, conforme ficou provado após as investigações realizadas durante 5 anos pelo Ministério Público Federal, pela Receita Federal, pelo Banco Central do Brasil, pela Comissão de Fiscalização e Controle do Senado Federal, e pela Corregedoria Geral da União, sem que tenha sido proposta nenhuma ação de conhecimento contra sua pessoa, e já transcorrido o prazo decadencial de cinco anos para propositura de ação de improbidade administrativa.

A preliminar suscitada pela ré não merece ser acolhida, inclusive porque em ação idêntica de indenização movida pelo autor contra o Jornal O Globo a matéria já foi devidamente apreciada pelo e. TJDF, razão por que peço vênia para transcrever como razão de decidir a ementa do Agravo de Instrumento:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VEICULAÇÃO DE MATÉRIAS NA IMPRENSA. PROCEDIMENTO ELEITO. PRESCRIÇÃO.

I – O art. 57, § 4º, da lei de Imprensa dispõe que "não havendo contestação, o juiz proferirá desde logo a sentença; em caso contrário, observar-se-á o procedimento ordinário". Além da Lei de Imprensa remeter à adoção do rito ordinário, a ré-agravante não experimentou prejuízo, pois teve 15 (quinze) dias para contestar, em detrimento do prazo exíguo de 5 (cinco) dias da Lei de Imprensa. Art. 250, parágrafo único, do CPC.

II- Conforme art. 2.028 do CC/02, "serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade estabelecida na lei revogada".

III- As reportagens ocorreram em julho e agosto/2000. O CC/02 entrou em vigor em 11/01/03. O prazo prescricional da pretensão indenizatória foi reduzido (art. 206, § 3º, inciso, CC/02), contudo não transcorreu mais da metade do prazo previsto no Código revogado (art. 177 do CC/16).

IV – Aplicação na espécie do prazo do art. 177 do CC/16 e não o prazo do art. 56 da Lei de Imprensa, neste ponto modificada pela C.F, de 1988.

V – Agravo conhecido e improvido."

Não se desconhece a liberdade de imprensa consagrada no inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal, que a destaca assim: "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;".

Por sua vez, o inciso X daquele mesmo artigo garante que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"

Um dos pontos controvertidos tem sido a conciliação dos direitos à liberdade de imprensa e à privacidade, intimidade, honra e imagem das pessoas objeto das reportagens, isso porque, sendo livre a difusão de informações e idéias, independentemente de censura ou de licença prévia, poder-se-ia imaginar que a imprensa esteja livre para, sem controle, publicar aquilo que entendesse correto, sem o comprometimento com a verdade, o que a toda evidência não é admissível, mormente diante da tutela desses atributos da pessoa humana, e também porque a credibilidade das imprensas jornalísticas reside, unicamente, na fidelidade das informações transmitidas.

Darcy Arruda Miranda, in Comentários à Lei de Imprensa, discorre acerca do papel do jornalista na elaboração de uma reportagem, verbis:

"29. O jornalista

O jornalista, dentro da redação de um jornal, representa o papel do escultor que modela, no isolamento de seu atelier, com o buril e o escopro, para edificação da arte e difusão do belo, as mais perfeitas figuras da estatuária. Com a pena a serviço de seu pensamento, tem o jornalista à sua mercê, por vezes em plena amorfia, a opinião pública, que lhe cumpre modelar, no sentido do bom e do justo. E, do mesmo modo que o escultor pode construir mostrengos, deformando a arte da estatuária, pode o jornalista, com a distrofia do pensamento, deformar a arte de escrever, transformando-a em instrumento de corrupção e de anticivismo.

O pensamento – que é força em potência – através do qual os espíritos se comunicam com o exterior, quando veiculado pela imprensa, toma-se eficiente instrumento de cultura e, também, perigosa arma de destruição. Espíritos menos atreitos conquista das altas esferas do pensamento criador, podem transformar, impulsionados por idéias malsãs ou por apetites desonestos, a tribuna livre e nobre da imprensa em terreiro de macumba, onde fermentam e azedam as opiniões sem brilho, para formação do mosto da corrupção e da desordem mental.


Para coibir esses excessos, esses desvios da ética, o abuso no exercício da liberdade de escrever e de pensar, foi que os legisladores de todos os tempos, fixando limites a essa liberdade, classificaram de delitos os desmandos dos autores.

Sem esse freio legal, a imprensa, de dínamo propulsor da civilização se tomaria, em mãos inescrupulosas, num látego da liberdade.

Tal a razão pela qual todas as Constituições dos povos livres, ao mesmo passo que consagram a liberdade de opinião, como normas estabelecem certas restrições à sua manifestação, restrições essas ditadas pela necessidade da paz social.

A nossa Constituição Federal, de 1946, com esteio na tradição, em seu art. 141, que tratava dos direitos e das garantias individuais, assegurava em seu § 5º, a "a livre manifestação de pensamento, sem que depende de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar, pelos abusos que cometer."

O mesmo princípio se encontra na Constituição de 15 de março de 1967, em seu art. 150, § 8º, e na de 1969, art. 153, § 8º.

A nossa Constituição de 5.10.1988, desdobra esse princípio, mantendo-o, porém, nos arts. 5º, IV, IX, E XIV, e 220 e §§ 1º, 2º e 3º."

Temos, ainda, na CF, em seu art. 5º, inciso X, a garantia de "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;".

Por sua vez, a liberdade de imprensa não é absoluta, como dito. "A sociedade como o individuo, tem os seus direitos condicionados a um mínimo necessário à convivência pacífica. A liberdade emoldura-os, nos regimes democráticos. A lei informa-os. O poder assegura o seu exercício. A norma penal estabelece sanções para os abusos", na lição de Darcy Arruda Miranda.

Nelson Hungria ressalta: "Liberdade de imprensa é o direito de livre manifestação de pensamento pela imprensa; mas como todo o direito, tem o seu limite lógico na fronteira dos direitos alheios. A ordem jurídica não pode deixar de ser um equilíbrio de interesses: não é possível uma colisão de direitos, autenticamente tais. O exercício de um direito degenera em abuso, e torna-se atividade antijurídica, quando invade a órbita de gravitação do direito alheio."

Entre as formas de excesso, de desvios da ética e mesmo de abusos no exercício da liberdade de escrever e de pensar, têm-se a informação falsa, a notícia destorcida, a calúnia, a difamação e a injuria e outras formas de alteração da verdade dos fatos noticiados e retratados, todos tipificados na Lei de Imprensa, destacando-se o seu art. 49: "Aquele que no exercício de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem fica obrigado a reparar: I – os danos morais e materiais, nos casos previstos no art. 16, II e IV, no art. 18, e de calúnia, difamação ou injúria".

Por sua vez, entende-se por responsabilidade a obrigação que tem cada homem de responder pelos atos que pratica ou pelos praticados por outrem que dele dependem, de alguma maneira. Em outras palavras: "É responsável aquele que responde pela obrigação assumida", na lição de Aguiar Dias.

Traçadas as responsabilidades das empresas de jornalismo, a teoria da responsabilidade, mister verificar se as reportagens das rés violaram essas garantias constitucionais e/ou desviaram de sua obrigação de informar.

DAS REPORTAGENS DITAS OFENSORAS

A partir do mês de julho de 2000, a ré deu início a publicação de diversas reportagens dirigidas contra o autor, todas baseadas em informações falsas, distorcidas, conforme ficou amplamente constatado, todas envolvendo o autor com o desvio de verbas públicas e de enriquecimento sem causa.

Naquilo que interessa, as manchetes das reportagens foram as seguintes:

"EDUARDO JORGEM MANIFESTA APOIO A ESTEVÃO" (Dia 28/06/2000). Informa que na data da reportagem o autor estava fora do País, e a matéria transforma em apoio uma declaração do autor de caráter claramente institucional, relativa ao processo que se desenrolava.

No dia 07/07/2000, o jornal trouxe uma série de matérias e notas em que o foco principal era insinuações em cabimento sobre o apartamento e a família do autor e a clara tentativa de envolve-lo no escândalo do TRT paulista, especialmente a que trouxe o título "EX SECRETÁRIO DE FHC AGORA É INVESTIGADO", e afirma que o autor pode ser a bola da vez no caso do desvio de verbas da obra superfaturada do Fórum do TRT em razão das suspeitas em torno dele por suposta amizade com o ex-senador Luiz Estevão.

Naquele mesmo dia, o jornal-réu afirma que o apartamento do autor valeria no mercado o equivalente a U$ 1,2 milhão, conforme se extrai da reportagem cujo título foi EDUARDO JORGE TEM IMÓVEL DE LUXO, sendo certo que na página do autor na internet já possuiu todos os elementos de sua evolução patrimonial, dados esses cuja existência o jornal já conhecia, conforme demonstra trecho destacado da matéria.

Dia 11/07/2000 a ré publica matéria apontando supostas coincidências entre algumas ligações feitas pelo então Juiz Nicolau dos Santos Neto e o autor e a liberação de verbas para a obra do TRT Paulista, deixando de considerar as informações anteriormente prestadas pelo autor, eis que as omitiu, pois um ano antes da publicação o autor encaminhou à direção do réu documentação demonstrando a inexistência de qualquer vinculação entre os contatos que manteve com o Juiz Nicolau, muitíssimo inferior às 117 ligações noticiadas e a liberação de recursos para a referida obra, mormente porque se as liberações eram efetivadas no bojo dos repasses normais de recursos do Tesouro Nacional para a Justiça do Trabalho, ocorridas três vezes a cada mês, com a remessa para o TST e posterior envio para os Tribunais Regionais, fatos incapazes de afastar a reportagem intitulada "LIBERAÇÃO DE VERBA FOI ANTECEDIDA POR TELEFONEMAS A EDUARDO JORGE".

No dia seguinte (12/07/2000), matéria assinada por ELVIRA LOBATO e FERNANDO RODRIGUES intitulada PÚBLICO X PRIVADO, aponta suposta atuação do autor perante o BNDES para beneficiar empresa privada (frigorífico Chapecó), porém, o teor da gravação da conversa telefônica na qual foi fundamentada a reportagem tinha se tornado público muitos meses antes, fato que não justificaria o retorno à questão naquele momento, e a simples leitura da gravação da conversa interceptada clandestinamente, publicada como complemento da matéria já demonstra a leviandade da afirmação de que o autor teria ‘cobrado’ qualquer providência ou tivesse atuado em favor do frigorífico.

No dia 16 daquele mês e ano a manchete da primeira página do jornal réu era "EDUARDO JORGE MONTA REDE DE LOBBY", e afirma que o autor é sócio de 4 empresas especializadas em negócios com o setor público, e seriam empresas de fachada para o desenvolvimento da defesa de interesses privados perante altas esferas do governo, o que também não é verdadeiro.

No dia 18/07/2000, novamente em primeira página, a manchete informa "IRMÃO DE EJ COBROU R$ 5 MI POR LOBBY, quando na verdade, a par da sordidez do ataque feito a familiares do autor na tentativa de aumentar o escândalo, transformou em lobby o serviço prestado com um escritório de advocacia de longa tradição na área tributária.

Em 07/07/2000, o réu publica matéria informando que o irmão do autor, TARCISIO JORGE CALDAS PEREIRA, fora exonerado do cargo de presidente da Casa da Moeda do Brasil como retaliação em virtude de entrevista prestada pelo autor ao Jornal Valor Econômico um dia antes, quando, na verdade, o seu pedido de exoneração tramitava desde 31 de maio daquele ano, fato capaz de eliminar qualquer interesse na publicação do fato, porém o réu optou em fazer insinuações contrárias ao autor e seus familiares, mesmo sabendo da falsidade.

No dia 19 daquele mês e ano, o réu publicou matéria cujo título foi "PLANALTO AJUDA A PAGAR IRMÃO DE EX-ASSESSOR", porém, não relata nenhuma irregularidade, isso porque a empresa EJP CONSULTORES S/C do qual seu irmão é sócio (FERNANDO JORGE CALDAS PEREIRA) emitia notas fiscais em nome desta empresa por serviços prestados à MCI, empresa contratada pelo Governo Federal, sendo que o próprio Governo declarou a lisura do procedimento.


Naquele mesmo dia 19, em primeira página, o réu noticia que o autor teria conseguido junto ao Ministério da Justiça dois contratos para a empresa MONTREAL INFORMATICA, através de lobby, apesar do desmentido formal da Montreal quanto à suposta contratação do autor, que nunca teve qualquer relacionamento com a referida empresa, e da declaração do então ministro Jose Carlos Dias de que o autor nunca o teria procurado e da declaração de Anastásia junto ao Ministério Público Federal.

Informa, ainda, que o jornal réu fez publicar matéria ilustrada com dois quadros tentando explicar a rede de lobby montada pelo autor e suas ligações com o juiz Nicolau, Luiz Estevão e com o ex-presidente Collor, tudo falso, porém, fazendo disparar uma "verdadeira metralhadora giratória de denúncias" contra o autor.

No dia 27/07/2000 fez publicar matéria intitulada "INDICADOS POR EJ SOFRERARAM INVESTIGAÇÃO", e no bojo da reportagem, faz ligação entre os maiores fundos de pensão e o autor, inclusive divulgando uma interceptação telefônica clandestina que supostamente seria a comprovação do escuso envolvimento do autor com os fundos de pensão, porém, nada trouxe de novidades, uma vez que se tratavam de denúncias já esclarecidas junto ao Senado Federal, sem que nada pudesse ser comprovado, especialmente porque não se provou o conhecimento por parte do autor de qualquer dirigente de fundo de pensão antes de ser nomeado.

Na mesma edição do dia 27, o jornal réu veiculou diversos textos falsos contendo ofensas e acusações contra o autor sobre seu envolvimento no episódio da falência da Encol, uma vez que o autor não era primo da mulher de Jorge Washington de Oliveira nem foi o responsável pela nomeação de José Fernando de Almeida para a presidência da Funcef, falsidades devidamente comprovadas.

No dia 30/07/2000, a ré publicou reportagem cuja manchete foi "Ex-sócio de EJ ajudou a Encol na Diretoria do BB", e se referia como sócio de negociador da ENCOL, de nome Edson Soares, cuja empresa DTC – DIRECT TO COMPANY S.A. o autor também seria cotista.

Pois bem, todas as afirmações eram falsas, e Pedro Paulo de Souza não fez as afirmações a ele imputada envolvendo o autor, como nunca foi sócio da referida empresa.

Aduz, ainda, que prestou depoimento no Senado Federal, perante a Subcomissão da Comissão de Constituição e Justiça, incumbida de aprofundar as investigações feitas pela CPI do Judiciário, respondeu a todas as perguntas, porém, o réu manteve sua parcialidade na obrigação de informar e continuou a publicar matérias tendenciosas e contrárias ao autor, além de levantar a absurda suspeita de que estava faltando com a verdade, e fez publicar reportagem com o título "EJ depõe hoje sob proteção de Governista" e "Senadores não podem comprovar a veracidade das declarações do ex-secretário; regras fixadas inibem a inquirição".

Posteriormente, fez publicar no dia 04/08 novo ataque a sua pessoa, todas com propósito de colocar dúvida sobre a veracidade das defesas e explicações apresentadas pelo autor em seu depoimento, como também afirmou que o autor "EJ admite ter falado de obra do fórum com Juiz Nicolau", porém foi extraída do contexto de que em seu depoimento afirmou ter recebido em audiência o novo Presidente do TRT de São Paulo, Dr. Délvio Buffulin, acompanhado do Juiz Carlos Orlando, vice-presidente do Tribunal e do Juiz Nicolau, quando os encaminhou para o Secretário-Executivo do Ministério do Planejamento para tratar da liberação de crédito suplementar, não fazendo nenhuma pressão ou gestão junto ao Ministro Martins Tavares.

Ainda acerca de liberação de verbas, o réu fez publicar nova reportagem, naquele mesmo dia, onde tenta apontar "contradições" em seu depoimento, foi quando mencionou em outra reportagem agora envolvendo Fabio Monteiro de Barros, onde teria atuado para liberar verbas bloqueadas da INCAL, fatos também irreais, como também em outra reportagem com o título "Ex-Secretario chama ligações de Nicolau para ele de coincidências", distorcendo os termos de seu depoimento com o propósito de difamar e denegrir o seu nome, quando, na verdade, entregou aos Senadores, quando de seu depoimento no dia anterior, um volume encadernado contento a relação dos telefonemas e um quadro comparativo entre as datas e duração dos telefonemas e as datas dos repasses de verbas, demonstrando que não existia correção entre os repasses e os telefonemas na grande maioria dos casos, conforme depoimento prestado.

Fez publicar naquela data o que chamou de Ex-Secretario da Presidência nega lobby, apesar das evidências", onde aduz que teria praticado lobby em favor das empresas MONTREAL e TRANSROLL e do FRIGORÍFICO CHAPECÓ, entre outras, distorcendo as explicações fornecidas pelo autor em seu depoimento.

Uma semana após (dia 10) publicou a declaração de imposto de renda do autor, divulgando indevidamente dados sigilosos e protegidos em lei e na Constituição Federal, aponta suspeita descabidas acerca de sua evolução patrimonial, pondo em dúvida a higidez das informações prestadas ao Fisco, apesar da absoluta compatibilidade do patrimônio declarado e seus rendimentos, fato omitido pela reportagem que optou pela manchete "PATRIMÔNIO DE EJ CRESCEU 95% EM 99", deixando de mencionar que o aumento de seu patrimônio é absolutamente compatível com seus rendimentos, todos declarados ao Fisco, inclusive como ficou comprovado pela Receita Federal em auditoria realizada.

Em nova reportagem, de 17 de agosto, agora envolvendo o fundo do BB, cuja manchete de primeira página foi "DEPOIMENTO LIGA EJ A FUNDO DO BB", e no bojo da reportagem afirma "Bilachi limitou-se a dizer que EJ ‘apenas ouvia e não dava nenhuma ordem ou determinação, queria apenas saber sobre tais pleitos", quando somente trataram de assuntos institucionais e de interesse do governo. Em outras palavras, a reportagem no interior do jornal não confirma a manchete de primeira página.

Aponta o autor nova reportagem agora envolvendo Cláudia Costin ("EJ QUIS EVITAR ALTERAÇÃO NA PREVIS, DIZ COSTIN"), quando em seu depoimento nada fora dito, conforme ficou registrado pela ex-ministra na coluna Painel do Leitor publicado pela ré no dia 25/08/2000.

Em 13 novembro o réu voltou a atacar o autor com novas reportagens cuja manchete de primeira página afirmava "Esquema de Eduardo Jorge ajudou a levantar fundos para a campanha de FHC", e na pag. 38, onde afirma que o autor teria arrecadado fundos para reeleição de FHC, e planilha secreta demonstraram a arrecadação de R$ 10,12 milhões dos fundos de pensão e de empresas de seguros, valor não declarado pelo PSDB ao TSE, fato desmentido por Bresser Pereira, mormente porque atuou com coordenador operacional, sem nenhuma atribuição de tesoureiro, como já havia afirmado o próprio réu em outra reportagem publicada em 07/07/2000.

Em 10 de dezembro de 2000, com o título "Acordo prevê que Nicolau preserve EJ", o jornal voltou a ataca-lo, isso porque, diante do que o juiz nada afirmar envolvendo-o, apressou-se o jornal em colocar em dúvida a palavra ou o silêncio de Nicolau dos Santos, fazendo de forma indigna quando afirma "acordo secreto", como se isso fosse possível, e como se suas reportagens fossem verdadeiras, não obstante nova oficial da Presidência da República, de 12/12/2000.

Na reportagem do dia 05/01/2001, cuja manchete afirmava "DEPOIMENTO DE NICOLAU CONTRADIZ EJ e TUMA", no bojo da reportagem afirma "Eduardo Jorge jamais indicou qualquer juiz para ser nomeado no TRT. Jamais houve qualquer acordo no sentido de que fossem nomeados juízes classistas simpáticos ao Plano Real, a fim de evitar a instabilidade do plano em decisões de dissídios coletivos", a teor do depoimento do preso Nicolau, prestado à Polícia Federal, em harmonia com suas afirmações anteriores (do autor), não existiu nenhuma contradição entre os depoimentos prestados (autor e Juiz Nicolau).

No dia 20/06/2001, nova reportagem tenta envolver o autor com sua evolução patrimonial: "EJ depõe e não indica origem de dinheiro", isso após novo depoimento do autor no Senado Federal, à Comissão de Fiscalização e Controle, em desarmonia com as notas taquigráficas do depoimento prestado, especialmente quando afirmou que "A segunda coisa que posso dizer, com absoluta certeza e tranqüilidade, é que sei de onde não vêm. Não vem de nenhum negócio ilícito, nada nebuloso, confuso. Num prazo muito curto mandarei a documentação necessário para V.Exas.", o que foi feito, como também foram explicadas as origens dos valores existentes em sua conta.


Reproduzidas as matérias ditas ofensivas, mister discorrer acerca da responsabilidade civil da ré para constatar, cristalinamente, a sua obrigação de indenizar.

A responsabilidade civil subjetiva prescinde, além dos elementos essenciais (autoria, dano e nexo de causalidade), da existência da figura do dolo ou culpa.

Assim, se na divulgação das notícias envolvendo o autor, a ré extrapolou seu limite de informar, se violou norma de direito que tutela os interesses do autor das reportagens, causando-lhe prejuízo à sua honra, imagem, vida privada, intimidade etc, certamente, incidiu em abuso no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação.

Simples leitura das notícias, notas e charges envolvendo o autor, longe de representar simples notícias informativas, bem configuram indiscutíveis ofensas à honra, conceito, reputação e imagem do autor.

Como se extraem das publicações, sem exceção, o autor é apontado como envolvido direto no gravíssimo crime de desvio de verbas públicas, o que, mesmo em se supondo críveis, coerentes e fidedignas as palavras das pessoas que transmitiram as informações aos jornais da ré, implicou frontal lesão ao conceito pessoal do ofendido, e foram publicadas sem que houvesse qualquer confirmação de sua veracidade, ou que se contivesse a versão do acusado. Nada disso ocorreu.

Por sua vez, a simples tentativa de ligar a imagem do autor ao dos personagens citados reiteradamente — LUIZ ESTEVÃO E JUIZ NILOCOU DOS SANTOS NETO — na execução direta dos crimes praticados, como co-autor, sem nenhuma prova, reportagens fulcradas, unicamente, em notícias extraídas não se sabem de onde, desencadearam inúmeros procedimentos investigatórios, todos sem sucesso, conforme ficou provado nos autos, mormente em face da ausência de condenação criminal ou civil, ou mesmo a existência de apuração de procedimento administrativo para apurar "os inúmeros delitos" praticados pelo autor durante o exercício de suas funções, e de irregularidade na evolução de seu patrimônio.

Não se pode negar, portanto, ter havido nas inúmeras reportagens mencionadas, calúnia, injúria e difamação, cometidas com culpa e dolo, por tão tradicionais órgãos de imprensa.

Mesmo que se tratasse de reportagens de cunho político, em que se admite sobrelevar a preocupação de chegar à frente com o furo de reportagens, cabia à empresa jornalística prudência e cautela na divulgação dos fatos a envolver o nome do autor, o que a toda evidência não ocorreu.

O certo é que a ré no afã de provar a ligação do autor com o desvio de verbas do fórum do TRT/SP, e com as duas personagens citadas supra, afirmou, entre outras denúncias contra o autor: de que teria ajudado o Juiz Nicolau a liberar verbas para a construção do TRT e participado do desvio; de que o autor participou diretamente de lobby para liberar verbas junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social a favor de empresas falidas; de que teria sido atuado junto aos fundos de pensão das estatais para desviar verbas para campanha política do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Não se pode, por sua vez, deixar de destacar o fato de que o réu fez publicar a declaração de imposto de renda do autor, isso no dia 10/08/2000, consoante se extrai à fl. 353.

Tal reportagem, por si só, conseguiu ferir as garantias constitucionais de sigilo fiscal do autor.

Ora, todas essas afirmações (caluniosas e difamatórias) imputaram a prática de crime por parte do autor, nenhuma comprovada, nenhuma condenação, nenhum elemento de veracidade, inclusive, de difícil prova por parte do autor, mais que, dentro da limitação legal, foram feitas.

Com efeito, o autor acostou aos autos, consoante se extraem de fls. 85 usque 757, farta documentação que comprova o arquivamento do inquérito policial instaurado pelo Ministério Público para investigar sua participação no desvio de verbas do fórum do TRT/SP, a decisão proferida pela Secretaria da Receita Federal, no processo nº. 1016.008588/2001-08, comprova a inexistência de acréscimos patrimoniais injustificados a tributar; a inexistência de cheque, ordem de pagamento ou qualquer outro documento bancário destinado a crédito para terceiros, originado pela empresa INCAL S.A, isso em favor do autor e de todos os seus familiares e empresas do qual é sócio.

Pode se afirmar, portanto, que não obstante o direito de informar, a ré extrapolou em muito esse direito, conforme se extraem das reportagens transcritas, afastando-se dos fatos, discorreu sobre o autor como se fosse responsável com duas outras pessoas pelo desvio de R$ 169 milhões do TRT/SP, fato suficiente para caracterizar o dano à honra do autor.

Dito isso, não vejo como acolher a defesa apresentada, pelas seguintes razões: a uma, porque baseadas em fatos inverídicos; a duas, porque narram fatos sabidamente falsos, sem nenhuma consistência fática; a terceira, porque não se trata de opiniões de membros do Ministério Público Federal as noticiais veiculadas pela ré em seus jornais.

Não se nega, por sua vez, que a ré, por intermédio de suas empresas, tem sido e continuará sendo importante para o país e para a democracia, mas não estarão livres, diante de notícias falsas, indiretas e presuntivas, de cometer excessos que, pelas conseqüências, devem ser corrigidos, e, não sendo possível, indenizáveis. Ao dar aos fatos versões não ajustadas com a verdade, isso porque a CPI do Judiciário não comprovou qualquer ligação do autor com o desvio de verbas, quando o jornal réu e o seu site apontaram indevidamente o autor como partícipe do desvio do dinheiro, assumiu a ré o risco de responder pelo excesso e pela indenização por danos morais.

O mesmo se diz em relação à divulgação de sua declaração de Imposto de Renda, onde, além de divulga-la, ainda aponta indevidamente uma evolução patrimonial, concluindo por práticas ilícitas por parte do autor.

Da mesma forma, as notícias mostraram-se injuriosas, à medida que também envolvem seu irmão e a prática de lobby (advocacia administrativa) em diversas reportagens, o que, por sua natureza e teor das matérias, afetam a auto-estima de qualquer pessoa, em razão da violação flagrante da honra e de sua imagem.

Não se pode deixar de reconhecer o constrangimento que o autor, durante o período das veiculações na imprensa, enfrentou em seu ambiente familiar, de trabalho, nas ruas etc, ao ser apontado como co-autor de desvio de verbas públicas, enriquecimento ilícito, e lobbista.

A lesão à honra, à moral e à imagem do autor foi inconteste. O dano moral foi indiscutível. A ninguém seria lícito negar o profundo sofrimento psicológico experimentado pelo autor, por ter seu nome envolvido nas inúmeras reportagens denunciativas, cuja motivação não se sabe ou não ficou expressamente declarado pelo réu, que aduz ser o autor, "notório homem público e tendo ocupado importantes cargos políticos”, esses fatos também foram noticiados, não só pela ré, mas por toda a imprensa nacional, e que não teria sido ele (réu) quem suscitou o envolvimento do autor no escândalo sobre a construção do prédio do TRT.

Ora, se não foi o réu, regras mínimas de ética jornalísticas deveriam ser observadas, como sempre ouvir a parte apontada, checar as informações transmitidas por suas fontes secretas, e, no mínimo, se retratar quando constatadas as falsidades. Nada disso ocorreu, e não pode agora querer se esconder sob o princípio da liberdade de imprensa, também agasalhado na Constituição Federal, e de seu exercício de informar.

O que falar então sobre a publicação do imposto de renda do autor? Qual o objetivo de tal informação para o leitor? Nenhuma salvo demonstrar a fraqueza das instituições brasileiras, a fragilidade das fontes que deveriam ser resguardadas de todas as formas possíveis para não serem divulgadas como foram.

Cai por terra, portanto, a alegação de que "as notícias das investigações nas quais se cogitou estar envolvido o autor, não constituem qualquer ilícito ou abuso, mas o mero exercício do direito/dever de informar".

A diferença entre o dever de informar as investigações feitas pelos órgãos competentes, e as retratadas são diametralmente opostas. Naquela (informação das investigações) o que se espera é a informação isenta, sem afirmações como "EJ manifesta apoio a Estevão"; Ex-secretário irá morar em edifício de luxo"; "liberação de verbas foi antecedida por telefonemas de EJ"; "Ex-secretário geral monta rede de lobby"; "Lobby de EJ rendeu contrato a empresa"; "Planalto ajuda a pagar irmão de ex-assessor"; "EJ era sócio de negociador da Encol"; "EJ depõe sobre a proteção dos governistas"; Patrimônio de EJ quase dobra no ano passado"; "Esquema de EJ ajudou a levantar fundos para a campanha de FHC"; "Acordo prevê que Nicolau preserve EJ"; "EJ depõe e não explica origem de dinheiro", ora, onde estão nas reportagens informações de que se tratam de investigações? Não há como sustentar a tese do réu.


Grande, certamente, foi a sua humilhação, como enorme o constrangimento por haver passado de ministro de Estado, funcionário de confiança do presidente da República, por corrupto e criminoso no sentido lato sensu.

Assim, não vejo como deixar de condenar a ré a indenizar o autor pelos danos morais.

Destaca-se, ainda, a impertinência das alegações da ré quando afirma que, não se verifica nos autos qualquer conduta ilícita perpetrada pelo réu que tenha sido dirigida contra o autor, afastando o nexo de causalidade e a conduta ilícita do réu.

Todas as reportagens e as charges publicadas envolvendo o autor, diferentemente do alegado pelo réu, trazem em seu bojo o fato típico da calúnia, difamação e da injúria, e visou associar o autor com vários ilícitos cíveis, fiscais, administrativos e penais, todos sem sustentação, em indene ofensa à dignidade do autor em razão das imputações a diversos crimes (calúnia) de fato ofensivo à sua reputação, caracterizador da figura da difamação, e, por fim, de diversas injúrias.

Pode-se, portanto, afirmar que as reportagens não se ativeram na divulgação tão somente de fatos verdadeiros, noticiados por toda imprensa nacional, como estaria, a princípio, a fazer, por força do art. 220 da C.F. O que se observa são ataques pessoais, deliberados e dirigidos à pessoa do autor, com vários propósitos, que não ficaram evidentes, para que pareceu ser atingir ao então Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, e ao mesmo tempo a pessoa do autor, que diante das denúncias foi afastado de sua função de Secretário-Geral da Presidência da República, sob a acusação de participação ativa e de ser beneficiário direto das verbas desviadas do fórum trabalhista de São Paulo.

Não se nega, como dito alhures, o direito da ré em publicar fatos investigatórios, depoimentos colhidos em processos criminais ou mesmo em processo político, como é uma CPI. O que não se pode admitir é o juízo de valor, acusações levianas extraídas de fontes sigilosas e sem nenhuma comprovação. Assim fazendo assumiu a ré os encargos de sua conduta culposa e dolosa.

Passo à fixação dos danos morais.

O dano moral, diferentemente do dano material, não se dirige apenas à recomposição do patrimônio do ofendido, como restabelecimento puro e simples do status quo ante. Visa, acima de tudo, compensar, de alguma forma, as aflições da alma humana, nas dores provocadas pelas mágoas produzidas em decorrência das lesões íntimas, apresentando um sucedâneo ao sofrimento das pessoas lesadas, como no caso do autor que foi acusado de praticar vários atos ilícitos – posteriormente não provados.

Seja em relação ao que é devido, seja no tocante ao quanto devido, tem-se reconhecido a impossibilidade, na prática, de transposição dos princípios atinentes à indenização dos danos patrimoniais para o campo dos direitos extra-patrimoniais, havendo na legislação, sabiamente, ausência de uma medida adequada ou um critério fixo para aferir o valor moral.

Todavia, para manter-me coerente, como em todas minhas decisões anteriormente proferidas, fixo os danos morais considerando, entre outros elementos: a) a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade do fato e sua repercussão; b) o grau de culpa do ofensor ou responsável, sua situação econômica; c) a conduta do ofensor após o fato buscando reduzir suas conseqüências.

O primeiro elemento – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade do fato e a sua repercussão – não tenho dúvidas que foram de grande repercussão na vida do autor, funcionário público de carreira, que galgou o cargo de ministro de Estado, foi fartamente acusado de prática de ilícitos administrativos, fiscais e penais, todas as acusações de gravidade incontestes, e feitas pelas empresas de informações de propriedade da ré, que culminaram com o seu afastamento do cargo então ocupado de ministro de Estado, com a obrigação de responder diversos procedimentos investigatórios, certamente causadores de aborrecimentos pessoais e de lesões à sua honra, todos provenientes do desdobramento natural decorrente, quando, ao final nenhum ilícito foi provado contra o autor.

Quanto ao segundo elemento – o grau de culpa da ofensora e a sua situação econômica – é cristalina a capacidade financeira da ré, uma das maiores empresas de Comunicação e de Jornalismo deste País, possui uma boa situação econômica e financeira, o que não lhe desobriga a ser mais diligente para evitar fatos lamentáveis, como os ocorridos, conforme se extraem das acusações sacadas contra o autor. O culpa da ré também é inconteste. As reportagens publicadas associando o autor ao desvio de verbas e de enriquecimento indevido, algumas de forma deturpada, distorcida, indireta, tentaram liga-lo a personalidades repugnantes do cenário nacional, tais como Nicolau de Santos Neto, Luiz Estevão etc. O "bombardeio" foi maldoso, e certamente escondeu um propósito não esclarecido.

O terceiro elemento – conduta da ré após o fato ocorrido e os procedimentos adotados para reduzir as conseqüências – não socorre à ré, que nada fez, ou pelo menos não alegou, que pudesse evitar a repetição desse fato, ou que tenha adotado alguma conduta para minimizar sua culpa, ao contrário, tentou imputar a terceiros a culpa pelo ocorrido, no que entendo incabível.

Assim, em consonância com o preconizado pelo c. Superior Tribunal de Justiça, "a reparação por dano moral deve ser moderadamente arbitrada, com a finalidade de ‘evitar perspectivas de lucro fácil e generoso, enfim, de locupletamento indevido’ (REsp nº 8768-SP, Rel. Min. Barros Monteiro)," e do alegado supra, fixo os danos morais em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), isso porque, como dito anteriormente, as conseqüências foram imensas para o autor, que foi afastado do cargo de ministro de Estado, respondeu a diversos procedimentos investigatórios, e, ao final, nada ficou apurado, sem falar no número abusivo de imputações que lhe foram lançadas.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE, EM PARTE, o pedido formulado por EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRA contra FOLHA DA MANHÃ LTDA para condenar a ré ao pagamento da importância de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), bem como ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor da condenação, na forma do artigo 20, § 3º, do CPC, considerando os atos processuais praticados, o zelo de seus patronos e o tempo decorrido desta ação, extinguido o processo com fulcro no artigo 269, I, do citado Código.

Deixo de condenar a ré na publicação da sentença, como requerido nos itens II e III, eis que entendo que nenhum resultado prático haverá para a recomposição da honra do autor, uma vez que se trata de procedimento inócuo, sem interesse para qualquer leitor do periódico réu.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Brasília – DF, 7 de julho de 2006.

FABRICIO FONTOURA BEZERRA JUIZ DE DIREITO

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