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Cobrar provedor para fornecer banda larga é venda casada

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9 de julho de 2006, 7h00

Contrariando decisão do Superior Tribunal de Justiça, um juiz federal de Goiás concluiu que os provedores de acesso à internet prestam serviços de telecomunicação e, por isso, não devem obrigar o consumidor a contratar o provedor para fornecer o serviço de banda larga. Para o juiz Jesus Crisóstomo de Almeida, a exigência caracteriza prática de venda casada.

O Procon propôs uma Ação Civil Pública contra a Brasil Telecom para assegurar a contratação de serviço de banda larga sem a necessidade de um provedor. Além disso, o órgão pediu indenização por danos morais e a devolução, em dobro, do valor já pago pelos consumidores. O Procon alegou que a imposição da telefônica configura venda casada, prática vedada pelo artigo 39, I e IV, do Código de Defesa do Consumidor.

Em sua defesa, a Brasil Telecom sustentou que o serviço prestado pelo provedor é de valor adicionado, não de telecomunicação. Acrescentou que garante a livre opção aos clientes para a “contratação de qualquer provedor credenciado, inclusive dos que oferecem serviços gratuitos”.

O juiz acolheu o pedido de antecipação de tutela, mas a Brasil Telecom interpôs Embargos de Declaração contra a determinação.

Em seu despacho, o juiz descreve a diferença entre serviço de telecomunicação e o de valor adicionado. O primeiro é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de transmissão de informações. O valor adicionado é uma atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicação, novas utilidades relacionadas ao acesso, movimentação ou recuperação de informações.

Esclarecida a diferença, o juiz entendeu que o provedor serve apenas para autenticar o acesso do usuário à internet. A Hotlink, uma provedora, confirmou: “O nosso papel é apenas autorizar a entrada do cliente na rede. O processo é simples, é como se a Telemar nos repassasse o login e a senha do usuário e nós cuidássemos apenas na autenticação. Na maioria das vezes, o tráfego de dados sequer passa pelos servidores do provedor. Sem falar que nem todas as vezes que o internauta se conecta ele precisa que o provedor faça a autenticação”

O juiz concluiu que, se o controle de entrada e saída de usuários é exigido pela Anatel — Agência Nacional de Telecomunicações para evitar condutas criminosas, “então não constitui um serviço prestado ao consumidor e não pode ser motivo para se exigir que o consumidor contrate um provedor tão-somente para fiscalizá-lo”.

Ele destacou que não existe lei que obrigue o usuário a contratar um serviço de provedor para ter acesso à internet por banda larga. Para o juiz, as telefônicas cobram duplamente pelo acesso. Quanto ao pedido de devolução em dobro dos valores pagos, ele não acolheu. Entendeu que só seria devida se efetuada cobrança de má-fé, o que não aconteceu. Ele também negou indenização por danos morais.

Leia a íntegra da decisão

PODER JUDICIÁRIO

JUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DE GOIÁS

2ª VARA

Processo nº 2003.17089-4

Ação Civil Pública

Autor: PROCON

Réus: BRASIL TELECOM S.A. e outros

SENTENÇA

Tratam os autos de ação civil pública proposta inicialmente no Juízo Estadual, pela SUPERINTENDÊNCIA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS DO CONSUMIDOR – PROCON – GOIÁS em face de BRASIL TELECOM S.A. e GVT – GLOBAL VILLAGE TELECON LTDA, objetivando:

a) assegurar a contratação do serviço de conexão de banda larga à internet, independentemente da contratação de provedor, ou com recebimento do serviço de provedor gratuito;

b) indenização por danos materiais do valor já pago, em dobro;

c) indenização por danos morais.

Alega a autora que:

a) o consumidor que deseja adquirir o serviço de acesso rápido à internet, banda larga ou tecnologia ADSL, denominado TURBO (BRASIL TELECOM) ou TURBONET (GVT), é obrigado pela telefônica a contratar um provedor credenciado por esta, ainda que já tenha outro provedor gratuito;

b) a imposição da telefônica configura venda casada, prática vedada pelo art. 39, I e IV, do Código do Consumidor;

c) a contratação do provedor é desnecessária, porque a telefônica é que dá acesso à internet;

d) ao informar ao usuário a obrigatoriedade de contratação do provedor, a telefônica fere o art. 6º, III, do Código do Consumidor;

e) os artigos 60 e 61 da Lei 9.472/97 apenas conceituam serviço de telecomunicação e serviço de valor adicionado, mas não impedem a telefônica de prestar o serviço de acesso rápido sem a contratação do serviço do provedor;

f) o serviço de valor adicionado é opcional e pode ser gratuito;

g) o STJ já se manifestou no sentido de que o serviço de acesso à internet não é de valor adicionado, mas de comunicação;

h) para acesso à rede basta o provedor de serviço de conexão à internet (PSCI), não havendo que contratar um provedor de serviço de informação (PSI);


i) o ato das rés ferem os princípios da Lei 9.472/97, Lei Geral de Telecomunicações, principalmente os artigos 3º, 5º e 6º;

j) os consumidores têm direito à restituição do que pagaram em dobro, nos termos do art. 42 do CDC;

k) as telefônicas são responsáveis solidariamente pela indevida contratação com as provedoras, de forma que fica ressalvada ação regressiva.

Considerando a presença de interesse da ANATEL, o processo foi remetido para esta Justiça Federal (fls. 50/52).

Citada, a GVT – GLOBAL VILLAGE TELECOM LTDA apresentou contestação (fls. 73/85), alegando:

a) impossibilidade jurídica do pedido;

b) presta serviço de acesso rápido à internet, o qual é distinto do serviço de valor adicionado, este prestado pelos provedores;

c) não pode ser obrigada a prestar, além do serviço de telecomunicação, o serviço de valor adicionado;

d) a lei diz que o serviço de autenticação para acesso à internet é serviço de valor adicionado, diverso do serviço de telefonia;

d) ninguém é obrigado a fornecer serviço de forma gratuita;

e) apesar da possibilidade técnica, está impedida legalmente de prestar o serviço de valor adicionado.

A BRASIL TELECOM S.A. apresentou contestação (fls.107/139) e documentos de fls. 140/293, alegando:

a) impossibilidade jurídica do pedido, sob o argumento de que a Norma nº 04/95 definiu o serviço de conexão à internet como serviço de valor adicionado que possibilita o acesso à internet a usuários e provedores de serviços de informação;

b) ilegitimidade passiva quanto ao pedido de devolução do que foi pago aos provedores;

c) no sistema ADSL, por imposição legal, o usuário contrata os serviços da telefônica, que fornece o meio físico para a transmissão de dados, e o serviço do provedor, responsável pela sua conexão com a internet;

d) o art. 86 da Lei Geral de Telecomunicações exige que a concessionária atue exclusivamente nos serviços de telecomunicações objeto da concessão;

e) os artigos 61 e 62 da referida lei distinguem os serviços de telecomunicação e de valor adicionado;

f) o serviço dos provedores não tem natureza de serviço público, é análogo ao serviço de tele-mensagens, não sendo necessária autorização do Poder Público;

g) a cláusula 1.1 do Contrato de Concessão definiu como seu objeto o serviço telefônico fixo comutado, prestado em regime público, na modalidade de serviço local, de forma que o serviço de acesso à internet foi excluído do objeto da concessão;

h) a contratação do meio físico e do acesso à internet propriamente dito não configura venda casada, porque é imposição legal, que visa impedir o monopólio das telefônicas;

i) na contratação com a telefônica, é garantida a livre opção pela contratação de qualquer provedor credenciado, inclusive dos que oferecem serviços gratuitos;

j) impossibilidade de inversão do ônus da prova em face da inexistência dos requisitos do art. 6º do CDC;

k) inexistência de danos a serem ressarcidos;

l) não há como se restituir os valores pagos porque o serviço foi utilizado.

Citada, a ANATEL manifestou-se, às fls. 299/323 e apresentou os documentos de fls. 324/381, alegando:

a) inépcia da petição inicial;

b) ilegitimidade passiva;

c) impossibilidade jurídica do pedido;

d) os artigos 61 e 62 da referida lei distinguem os serviços de telecomunicação e de valor adicionado;

e) o serviço de acesso à internet é serviço de valor adicionado;

f) o item 4.1 da Norma nº 04/95 dispõe quais são os serviços de acesso à internet;

g) o art. 86 da Lei Geral de Telecomunicações exige que a concessionária atue exclusivamente nos serviços de telecomunicações objeto da concessão;

h) a BRASIL TELECOM é concessionária, mas a GVT é autorizada, podendo, portanto prestar serviço de valor adicionado;

i) para a prestação do serviço de valor adicionado, é indispensável a utilização do serviço de telecomunicação;

j) a necessidade de contratação dos dois serviços é imperativo legal, sendo juridicamente impossível a prestação direta de tal

utilidade por parte das empresas de telecomunicações;

k) a exigência legal visa impedir o monopólio.

Foi deferido o pedido de antecipação de tutela, mediante decisão de fls. 382/388. Dessa decisão foram interpostos embargos de declaração (fls. 435/436), aos quais se deu provimento.

Da decisão concessiva da liminar, as ré interpuseram agravos de instrumento (fls. 401/425 e 450/471), os quais foram recebidos com efeitos suspensivos (fls. 490/491, 493/494 e 511/512).

O autor impugnou as contestações (fls. 427/433 e 440/448).

Manifestação do MPF às fls. 475/480.

Às fls. 495/496, a GVT informou que cumpriu a decisão liminar, possibilitando aos usuários o acesso à rede internacional com autenticação para ingresso na internet expedida pela própria GVT, mediante a cobrança de R$ 5,00 mensais.


Por meio da decisão de fls. 596/597, foi rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva, quanto ao pedido de devolução do que foi pago aos provedores, bem como foi deferido o pedido de integração da ASSOCIAÇÃO INTERNET BRASIL ao processo na condição de assistente simples.

A ASSOCIAÇÃO INTERNET BRASIL apresentou as petições e documentos de fls. 600/625, 643/654 e 683/748.

A BRASIL TELECOM S.A. e a ANATEL manifestaram-se às fls. 660/661 e 664/665.

O autor manifestou-se às fls. 667/668.

O MPF manifestou-se às fls. 670/673.

Não houve a produção de outras provas.

É o relatório pertinente.

Decido.

As preliminares suscitadas foram analisadas nas decisões de fls. fls. 382/388 e 596/597.

Presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo ao exame do mérito.

Nos presentes autos, busca-se assegurar a contratação do serviço de conexão de banda larga à internet, independentemente da contratação de provedor, bem como a indenização por danos materiais do valor já pago, em dobro, e por danos morais.

O cerne da questão trazida a juízo diz respeito à possibilidade de acesso à internet, via banda larga, sem a utilização do serviço prestado pelas provedoras, ou seja, somente com a utilização do serviço prestado pelas empresas de telecomunicação.

A parte autora sustenta a possibilidade física e jurídica de acesso sem a intervenção das provedoras. Deve ser salientado que, em nenhum momento, nos presentes autos, foi negada a possibilidade técnica e física do acesso à internet somente com a utilização do serviço ordinariamente prestado pelas empresas de telecomunicação.

As rés, empresas de telecomunicação, alegam que o acesso à internet depende de serviço adicionado e que são proibidas de prestar tais serviços.

Fundamentam a imprescindibilidade da contratação da empresa provedora no art. 86 da Lei Geral das Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97), que estabelece, in verbis:

“Art. 86. A concessão somente poderá ser outorgada à empresa constituída segundo as leis brasileiras, com sede e administração no País, criada para explorar exclusivamente os serviços de telecomunicações objeto da concessão.

Parágrafo único.

A participação, na licitação para outorga, de quem não atenda ao disposto neste artigo, será condicionada ao compromisso de, antes da celebração do contrato, adaptar-se ou constituir empresa com as características adequadas”.

Assim, resta controversa tão-somente a questão da possibilidade jurídica. A possibilidade jurídica de acesso à internet sem contratação de provedor depende da distinção do que vem a ser serviço de telecomunicação e serviço de valor adicionado.

A Lei Geral das Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97) dá as definições dos serviços, distinguindo serviço de telecomunicação do serviço de valor adicionado:

“Art. 60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicação.

§ 1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza.

§ 2° Estação de telecomunicações é o conjunto de equipamentos ou aparelhos, dispositivos e demais meios necessários à realização de telecomunicação, seus acessórios e periféricos, e, quando for o caso, as instalações que os abrigam e complementam, inclusive terminais portáteis”.

“Art. 61. Serviço de valor adicionado é a atividade que acrescenta, a um serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde, novas utilidades relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação, movimentação ou recuperação de informações.

§ 1º Serviço de valor adicionado não constitui serviço de telecomunicações, classificando-se seu provedor como usuário do serviço de telecomunicações que lhe dá suporte, com os direitos e deveres inerentes a essa condição.

§ 2° É assegurado aos interessados o uso das redes de serviços de telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado, cabendo à Agência, para assegurar esse direito, regular os condicionamentos, assim como o relacionamento entre aqueles e as prestadoras de serviço de telecomunicações”.

Feita a distinção entre serviço de telecomunicação e serviço adicionado, resta analisar os serviços prestados pelas partes contratantes.

Da análise dos dispositivos transcritos, evidencia-se que, em princípio, as empresas de telecomunicação, quando prestam o serviço de conexão à internet, na modalidade de serviço de transporte de dados em alta velocidade – tecnologia ADSL – enquadram-se no serviço de telecomunicação conceituado no art. 60.


Por outro lado, as provedoras, ao prestarem o serviços de conteúdo, tais como informações, anti-vírus, correio eletrônico, pastas para arquivos e outros serviços de valor adicionado, enquadram-se no disposto no art. 61.

Contudo, resta saber se a distribuição dos endereços de I.P. (internet protocolo), autenticação e autorização de acesso ao usuário são serviços ao consumidor. Sendo considerados serviços ao consumidor, há que enquadrá-los em uma das opções, serviços de comunicação ou serviços adicionados.

Inicialmente, deve ser feita uma distinção entre a conexão à internet por acesso discado e a conexão ADSL ou banda larga.

Na modalidade tradicional de acesso discado à internet, o provedor contrata com a empresa de telecomunicação para aquisição do canal de acesso, loca faixa de I.P junto ao Comitê Gestor de Internet no Brasil e disponibiliza efetivamente o acesso ao usuário, que paga por esse serviço tão-somente ao Provedor.

Por sua vez o usuário se conecta ao equipamento do provedor, o qual lhe atribui um endereço I. P. (intenet protoloco) e conduz seu “pacote de comunicação” à rede mundial. Na modalidade de acesso via “banda larga”, que aqui se discute, é o usuário quem contrata com a empresa de telecomunicação para aquisição do canal de acesso.

Neste caso, o usuário se conecta a equipamento da empresa de telecomunicação, e é esta quem atribui um endereço de I.P. e conduz seu “pacote de comunicação” à rede mundial.

A participação do provedor se resume a autenticar o acesso, que é conferir a identificação de quem é o usuário e informar à empresa de telecomunicação a fim de que esta libere um endereço de I.P.

Na conexão, via ADSL, as espécies de “serviços”, que permitem o acesso prestados pelas partes integrantes da relação jurídica, podem ser constatados do contrato firmado entre a GVT e PROVEDOR DE ACESSO, de fls. 646/647. Confira-se:

Cláusula Primeira – Objeto

É objeto deste Convênio a prestação de serviços de Internet pelo PROVEDOR aos USUÁRIOS do Serviço ADSL (Assymetric Digital Subscriber Line) da GVT, comercialmente denominado TURBONET, sendo que:

1.1.1 A GVT deverá prestar o Serviço do acesso físico ADSL, no formato em banda larga para o USUÁRIO que utilizar o PROVEDOR para acessar à INTERNET.

1.1.2. Para tanto, a GVT disponibilizará endereços IP válidos e dinâmicos para o USUÁRIO, com periodicidade mínima de troca de 24 (vinte e quatro) horas.

1.1.3. O PROVEDOR deverá prestar os Serviços AUTENTICAÇÃO e AUTORIZAÇÃO do USUÁRIO na Internet, bom como os demais serviços prestados aos seus usuários em geral.

1.2. Aplicam-se ao presente instrumento, as seguintes definições: AUTENTICAÇÃO – É o processo de identificação do USUÁRIO, baseado em um nome de usuário e senha.

AUTORIZAÇÃO – É o processo que autoriza ou nega o acesso do USUÁRIO aos SERVIÇOS do PROVEDOR.

USUÁRIO – São clientes do produto Turbonet da GVT que contratarão os SERVIÇOS do PROVEDOR para acessar à Internet.

SERVIÇOS PROVEDOR – São os serviços de provimento de acesso a Internet, autenticação e validação dos Usuários à Internet, objeto do presente convênio.

SERVIÇOS ADSL da GVT – provimento de capacidade de transmissão de sinais digitais (dados e imagens) através de backbone (rede) da GVT para acesso de um USUÁRIO à Internet, com alta velocidade de conexão.

Da análise destas claúsulas, constata-se que, na caso de ADSL, a conexão física e a distribuição dos endereços de I.P para acesso são inerentes a própria conexão e são realizados pelas empresas de telecomunicação.

Já a provedora presta, além dos “serviços de conteúdo”, dois “serviços de acesso”, quais sejam autenticação e autorização.

Assim, quando a GVT (fls. 495/496) admitiu que, dispensado o provedor, restou-lhe apenas o serviço de autenticação, visando a necessidade do Estado de registrar os usuários e horários de entradas e saídas na rede, confessa que, no pacote comum de acesso (sem serviço adicionado), não há necessidade do sinal de comunicação (tráfego de dados) passar pelo provedor ou buscar qualquer serviço nos equipamentos deste.

Outrossim, no documento de fls. 678, o administrador de sistemas da HOTLINK , uma provedora, deixa claro que o acesso à internet banda larga prescinde dos serviços de provedor e que, na maioria das vezes, o tráfego de dados sequer passa pelo provedor. Confira-se:

“A Telemar detém toda a infra-estrutura física e lógica do ADSL. Portanto, quem oferece o serviço é ela. O nosso papel é apenas autorizar a entrada do cliente na rede. O processo é simples, é como se a Telemar nos repassasse o login e a senha do usuário e nós cuidamos apenas na autenticação. Na maioria das vezes o tráfego de dados sequer passa pelos servidores do provedor. Sem falar que nem todas as vezes que o internauta se conecta ele precisa que o provedor faça a autenticação”


Ora, se o controle de entrada e saída de usuários (autenticação de autorização de acesso) é atividade exigida pela ANATEL para evitar condutas criminosas, como alega a ré, então não constitui um serviço prestado ao consumidor e não pode ser motivo para se exigir que o consumidor, que não deseja serviços adicionados de conteúdo, contrate um provedor tão-somente para fiscalizá-lo.

Vale ressaltar que os gastos com a atividade de controle dos usuários por exigência estatal deve integrar os custos da empresa, assim como, analogicamente, mutatis mudandis, não se pode exigir que o consumidor de telefonia contrate, além da empresa de telefonia, outra empresa que lhe forneça lista telefônica ou seu extrato de ligações.

Destarte, resta claro e evidente que o serviço de autenticação e autorização de acesso não são serviços prestados ao consumidor, não havendo como enquadrá-lo como serviço adicionado atribuído o provedor.

Ora, se as empresas de telecomunicação e as provedoras necessitam fazer a autenticação e autorização de ingresso na rede, a fim de que possam cobrar as mensalidades dos usuários ou apresentar ao Estado tais dados, constitui enriquecimento ilícito a cobrança do usuário de um preço específico para o exercício de tal atividade, que não configuram serviço prestado ao consumidor.

Ainda que se considerasse que tais atividades são serviços prestados ao consumidor, não se poderia admitir o enquadramento do serviço de acesso à internet como serviço de valor adicionado, tendo em vista que tais atividades dizem respeito à própria transmissão de informações não constituindo acréscimo de utilidades.

A Norma 004/95 da ANATEL, indicada pelas rés (fls. 262) para enquadrar o serviço de acesso como serviço adicionado, tem redação confusa e se contradiz, quando define serviço de conexão à internet como “serviço de valor adicionado que possibilita o acesso à Intenet a Usuários e Provedores de Serviço de Informações”.

Ora, se possibilita o acesso dos provedores à intenet não pode ser considerado serviço adicionado, uma vez que somente os provedores podem prestar serviço adicionado.

Outrossim, a referida norma extrapola a LGT, quando tenta enquadrar o serviço de transmissão de informações, conexão à rede, como serviço adicionado.

Assim a cobrança por parte do provedor se assemelha a um pedágio, o que é inadmissível, como bem esclarece Horácio Belfort, presidente da Associação Brasileira de Usuários de Acesso Rápido (informativo on-line juntado pelo MPF – fls. 678):

Não existe nenhuma lei ou regulamento que obrigue o usuário a contratar um provedor de acesso, o que as operadoras estão fazendo é cobrar duplamente pelo acesso do usuário à internet em alta velocidade: cobra ao cliente para desfrutar da estrutura, o que não tem nada de errado; mas também cobra – o que Belfort intitula pedágio – para acessar a Web, justamente a tarifa correspondente à taxa pelo consumidor ao provedor.

No mesmo artigo, Belfort, ressalta ainda que o Brasil é um dos poucos países a exigir a dupla cobrança ao internauta pelo mesmo acesso, sendo que nos Estados Unidos da América, a identificação do usuário é feita diretamente pelo ISP (Internet Service Provider) sem a exigência que se passe pelo provedor (fls. 679).

Assim, é incorreta a interpretação realizada pelas rés de que a autenticação e autorização do usuário para ingresso na rede é serviço adicionado. Deve ser frisado que não é serviço adicionado, uma vez que constitui simples transmissão de informações, não acrescentando nova utilidade ao acesso, requisito essencial do serviço de valor adicionado, conforme art. 61 da Lei 9.472/97.

Conclui-se, então, que:

a) ao provedor compete os serviços de conteúdo, como informações por meio de revistas e jornais on-line, anti-vírus, correio eletrônico, pastas para arquivos, sites e outros serviços voluptuários, cuja contratação deve ficar no âmbito da discricionariedade do consumidor;

b) à empresa de telecomunicação compete o serviço de acesso à rede internacional, com distribuição do I.P. e autenticação e autorização para acesso do usuário à rede mundial.

Ora, se o serviço de conexão à Internet (distribuição do I.P. e autenticação e autorização para acesso do usuário à rede mundial) não se enquadra no conceito de valor adicionado, e se tecnicamente não há necessidade da utilização dos serviços de um provedor de conexão à Internet para que o usuário acesse a rede através do TURBO ou TURBONET, não há que se falar em imprescindibilidade da contratação da empresa provedora.

Insta salientar que essa interpretação equivocada das rés acarretou a venda casada, causando prejuízos a uma coletividade de usuários que estão a pagar por um serviço desnecessário.


Preceitua o art. 39 do CDC:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I- condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos

Assim, a empresa provedora do serviço de conexão à internet não deve coagir, por qualquer meio ou artifício, o consumidor a contratar os serviços de um provedor de mero conteúdo, por caracterizar a repudiada prática de venda casada de produtos.

Deve ser ressaltado que não se está obrigando a empresa de telecomunicação a prestar nenhum serviço adicionado, mas, tão-somente, o serviço técnico, físico de conexão à rede de computadores, incluindo a disponibilização dos protocolos de internet (I.P.), autenticação e autorização dos usuários.

Desse modo, se o consumidor necessitar de algum serviço de valor adicionado (informações por meio de revistas e jornais on-line, anti-vírus, correio eletrônico, pastas para arquivos, sites, suporte técnico e outros serviços voluptuários), poderá buscar uma empresa provedora, prestadora de serviço de valor adicionado.

É importante ressaltar que o consumidor deve estar livre para escolher se deseja a contratação do provedor de conteúdo. Ora, ainda que haja provedores gratuitos, os outros provedores podem persuadir o consumidor a pagar por um verdadeiro serviço diferenciado, harmonizando os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor, nos termos dos artigos 5º e 6º da Lei 9.472/97.

Destarte, há que se assegurar a contratação do serviço de conexão de banda larga à internet, independentemente da contratação de provedor, conforme requerido pelo autor.

Passo ao exame do pedido de condenação das rés ao pagamento de indenização por danos materiais do valor já pago, em dobro.

Evidenciada a “venda casada”, de acesso à internet e serviço

adicionado do provedor, cabe indenização por danos materiais.

Conforme já fundamentado, na decisão de fls. 596/597, não obstante o valor a ser restituído ter sido pago aos provedores e não às rés, como estas impuseram aos consumidores a “venda casada”, nos termos do art. 39 do Código do Consumidor, as fornecedoras do serviço de telecomunicação possuem responsabilidade solidária.

Quanto à pretensão de recebimento em dobro da quantia que foi indevidamente cobrada, tal pleito não merecer prosperar. Isto porque somente caberia a devolução em dobro, nos termos do art. 42 do CDC, se efetuada a cobrança com má-fé, o que não restou demonstrado nos autos.

Por último, cabe analisar o pedido de indenização por danos morais. Ainda que tenha sido reconhecida a ilegitimidade do ato de venda casada aos usuários, não restou demonstrado nos autos que tal ato tenha causado prejuízos morais a serem indenizados.

Assim o pedido de indenização por danos morais deve ser rejeitado.

Do exposto, julgo parcialmente procedentes os pedidos, a fim de condenar as rés absterem-se de exigir a contratação de empresa provedora de acesso, quando firmarem contrato com usuários do serviço de conexão à internet , via ADSL, bem como a restituírem aos consumidores os valores pagos aos provedores.

Determino à BRASIL TELECOM S.A. e GVT – GLOBAL VILLAGE

TELECON LTDA que:

a) no prazo de trinta dias, informem aos usuários a prescindibilidade da contratação de provedor para o acesso à internet rápida;

b) no prazo de dez dias, retomem a prestação do serviço de telecomunicação, cujo cancelamento se deu em razão de ausência de contratação de provedor;

c) imediatamente, abstenham-se de cancelar o serviço de acesso rápido à internet aos usuários que rescindirem o contrato com os provedores.

Fixo multa diária de R$100.000,00 (cem mil reais) por descumprimento desta decisão.

Diante da sucumbência mínima do autor, condeno as rés a pagarem individualmente honorários advocatícios em favor do autor, fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais).

Custas pelas rés.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Goiânia, 19 de junho de 2006.

Jesus Crisóstomo de Almeida

JUIZ FEDERAL

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