Empecilho à restituição

Governo criou outro obstáculo ao direito do contribuinte

Autor

  • Leandro Pacheco Scherer

    é advogado tributarista membro da Associação Brasileira de Direito Tributário da Academia Brasileira de Direito Tributário e da Fundação Escola Superior de Direito Tributário.

8 de julho de 2006, 7h00

No final do ano passado, no bojo de um pacote tributário que traria supostos benefícios aos contribuintes, naquilo que ironicamente chamou-se de MP do Bem, o Executivo Federal logrou êxito em aprovar a Lei 11.196/05, cujo artigo 114 alterou sobremodo ou, melhor, engendrou mais uma exigência para que os contribuintes possam realizar a restituição ou ressarcimento dos seus créditos junto a Receita Federal.

O mencionado dispositivo legal, que veio modificar e dar nova redação ao artigo 7º do Decreto-lei 2.287/86, prevê que a Receita Federal verificará, antes de autorizar o ressarcimento ou restituição de tributos, se o contribuinte é devedor da Fazenda Nacional ou do INSS. Acaso haja débito em nome do contribuinte junto a um desses entes, a Fazenda Nacional, antes de realizar a restituição ou ressarcimento, procederá à compensação do montante do crédito com o débito indigitado.

Noutras palavras, o governo federal, de modo arbitrário e antijurídico, e com a recorrente benevolência do Poder Legislativo, criou, dentre tantos já existentes, mais um obstáculo para o contribuinte exercer seu lídimo direito de receber de volta aquilo que lhe foi indevidamente cobrado, do que resulta, a um só tempo, um dispositivo nitidamente arbitrário, ilegal e inconstitucional.

De plano, salta aos olhos, ainda que numa mera apreciação perfunctória, que o comando legal sob análise pretende instituir, uma vez mais, meio indireto para cobrança de tributos, prática cotidianamente repudiada pelo Supremo Tribunal Federal, que, há muito, editou súmulas proscrevendo a imposição de métodos indiretos para cobrança de tributos.

São exemplos irrepreensíveis da referida política imprimida pelo Supremo Tribunal Federal os ditames emanados das Súmulas 70, 323 e 547, as quais, respectivamente, asseveram inapelavelmente que: é inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo; é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos e; não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadoria nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.

E, como cediço, o Supremo há muito assim se posicionou pois, em síntese, todos esses mecanismos usualmente postos em prática pelo fisco atingem vitalmente o princípio constitucional pétreo do devido processo legal, eis que o Estado lato sensu dispõe de multifários e eficientes meios para cobrar os tributos e não pode, conseguintemente, utilizar formas indiretas para exigi-los, como intenta por meio do malsinado artigo 114 da Lei 11.196/05.

É noção corrente, e por isso não traduz novidade alguma, que, para cobrança dos créditos tributários que entende devidos, o Estado tem à sua disposição o processo de execução fiscal e, como sabido, o executivo fiscal já é sobejamente aparelhado para esse desiderato, sendo desnecessário lembrar as prerrogativas de que é dotado em relação ao processo de execução disciplinado pelo Código de Processo Civil, dedicado aos cidadãos, “pobres mortais” nessa relação processual com o fisco.

Assim, se o Estado pretender cobrar tributos, que o faça observando o devido processo legal, isto é, após definitivamente constituído seu crédito pelo lançamento, que ajuíze o processo de execução fiscal, etc.. Todavia, não tente fazer a cobrança utilizando subterfúgios, como ocorre com o dispositivo que ora se ataca, porquanto representa prática indiscutivelmente inconstitucional, por escancarada violação ao contido no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, que veicula o indelével postulado do devido processo legal.

Como fecho e por relevante, não é cansativo reproduzir o inteiro teor do precitado princípio constitucional, já que é sempre salutar, no relacionamento com o fisco, relembrar tal diretivo:

“Artigo 5º

LIV — ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;”

Em resenha, trata-se, ao fim, de odiosa exigência que, por óbvio, deve ser amplamente rechaçada pela sociedade e pelo Poder Judiciário. Destarte, por todos os argumentos e fundamentos esposados, se afigura indubitável que o artigo de lei aqui abordado merece ser expurgado do mundo jurídico, tanto pela sua notória e provada antijuricidade quanto pelas nefastas conseqüências práticas que produz e que continuará produzindo se não for abolido do nosso estrato social e legal.

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    é advogado tributarista, membro da Associação Brasileira de Direito Tributário, da Academia Brasileira de Direito Tributário e da Fundação Escola Superior de Direito Tributário.

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