Teses da jurisprudência

OAB exige de bacharel conhecimento de algo que ele não viu

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  • Marcos Alencar

    é advogado trabalhista formado pela Unicap/PE sócio do dejure advocacia consultor de empresas editor do blog jurídico trabalhista marcosalencar.com.br comentarista da rádio CBN/Recife do programas instante jurídico e trabalhismo em debate e colunista das revistas plural e Bites.

7 de julho de 2006, 13h42

Antes de qualquer consideração, é importante frisar que a polêmica que reveste o exame da Ordem dos Advogados do Brasil não interessa apenas à classe dos bacharéis em Direito, mas toda à sociedade. O advogado hoje está para sociedade como o médico. É incumbido de administrar e buscar a cura de várias mazelas da vida legalista moderna.

Os números falam por si. Deixam a certeza de que algo está errado e precisa urgentemente mudar. Cito como exemplo recente o Exame de Ordem de São Paulo, realizado no mês de maio, que aprovou apenas 9,79% dos candidatos. Ou seja, menos de 10% dos inscritos. Algo assustador.

São quase uma unanimidade as críticas dedicadas à proliferação desordenada dos cursos de Direito, que formam bacharéis de segunda classe, apanhados na estreita malha da avaliação da Ordem. Esse fato é evidente. No Brasil, temos mais de 950 cursos de Direito, uma inacreditável realidade. Apesar de tanta evidência, será que — no caso do exame paulista — 90,21% dos candidatos, que foram reprovados, fizeram mal o curso de Direito?

Na minha opinião, a resposta é negativa. Impossível que apenas 10% dos estudantes de Direito do estado de São Paulo tenham tido acesso a escolas sérias, a boas aulas e professores. O que quero dizer com isso é que o número analisado não retrata apenas o péssimo ensino dessas escolas de fundo de quintal, mas outros problemas que precisam vir à tona e que estão sendo maquiados por essa trágica realidade.

Entendo que um dos fatores que precisam ser revistos, sem tecer nenhuma crítica à seriedade e ao rigor que as provas têm sido ministradas, é com relação à avaliação do candidato mediante a imposição de conhecimento profundo sobre matéria vinculada à jurisprudência dominante e mais atualizada.

Isso quer dizer, na prática, que quando das respostas na primeira prova, que é objetiva, o candidato tem de estar por dentro de toda a jurisprudência dos tribunais, principalmente nas esferas do Direito Processual, Penal e Trabalhista. O detalhe mais evidente na área trabalhista é que não temos decisões uniformes, mas sim bastante antagônicas. São vários os processos idênticos que são decididos nos tribunais de forma diversa, o que deixa uma insegurança jurídica tremenda para o profissional do ramo da advocacia e muito mais para o calouro, que não teve, no decorrer do curso, nenhum contato com esse mundo hostil.

Em suma, exige-se do candidato um conhecimento de algo que ele jamais viu. É uma cobrança injusta, pois jurisprudência não se ensina, face sua eterna mutação, ainda mais num país como o nosso que as decisões chegam às raias do absurdo, sem nenhum nexo ou parâmetro, ao ponto de juízes do primeiro grau não atenderem veladamente súmulas de instâncias superiores, e nada acontece.

Acredito que, para se ter um critério ainda mais justo, melhorando o rigor atual, é necessário que fazer com que o Exame de Ordem evite esse percalço da jurisprudência e avalie o bacharel por aquilo que ele teve obrigação de aprender no transcorrer dos 10 períodos de estudos. Assim, conseguiremos continuar a filtrar para o mercado de trabalho pessoas capazes de exercer a advocacia, sem exigir desses o conhecimento de detalhes da falta de padronização do nosso Poder Judiciário. Nós que advogamos sabemos o alto preço que temos de arcar quando vamos exercer a advocacia em outro estado. As mudanças são radicais a ponto de nos sentirmos menos advogados, exatamente por essa falta de um padrão.

Acontece até numa mesma vara de um juiz seguir um rito processual e decidir de uma forma. Um magistrado, substituto na mesma vara, no dia seguinte, adotar uma postura diferente. Exigir esse conhecimento prático de um recém formado é desproporcional e precisa ser repensado. Temos de exigir dos pretensos advogados conhecimento pleno dos princípios gerais do Direito, habilidades na defesa de litígios, na elaboração de peças processuais, na doutrina. Aí sim conseguiremos atingir o objetivo maior, que tenho certeza de que é o perseguido pela OAB.

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