Cartas tecnológicas

Constituição protege conteúdo da correspondência, não invólucro

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6 de julho de 2006, 7h00

Eis mais uma matéria tormentosa que deve ser enfrentada com cautela para não correr o risco de emascular os direitos fundamentais do indivíduo ao bosquejar sua solução. Em primeiro lugar, impende fixar alguns conceitos, premissas sobre as quais a análise deve assentar seus alicerces.

Nessa senda, deve-se perquirir sobre o conceito de correspondência. A Constituição Federal põe sob rígida proteção a correspondência, expressão da intimidade do indivíduo. Mas, por outro lado, não traz o conceito de correspondência, o que, então, é deixado a cargo da doutrina segundo a ordem racional que sói não apenas construir o próprio direito.

O sentido lexical desse vocábulo que mais se harmoniza com aquele pretendido na Magna Lex indica que, por correspondência, deve-se entender o intercâmbio de mensagens escritas por meio de cartas, bilhetes, missivas, etc. entre pessoas. É a comunicação escrita, unilateral e em tempo remoto, que pode existir entre duas pessoas, o emitente e o destinatário. Tal é a importância da correspondência enquanto forma de manifestação da intimidade de uma pessoa que a Constituição a põe a salvo de violações, conforme o preceito inscrito no inciso XI do artigo 5º.

Assim, correspondência não é a encomenda postal, mas a carta, o bilhete, aberto ou não. Incide em erro, data maxima vênia, o Supremo Tribunal Federal quando afirma que a correspondência aberta perde esse seu valor para tornar-se mero documento, passível de busca e apreensão como qualquer outro. Fosse assim estaria irremediavelmente comprometida a intimidade da pessoa, pois sempre se poderia quebrá-la por ordem judicial.

Parece-me que o Poder Judiciário não possui todo esse poder que hodiernamente se auto-atribui. Também ele é um poder de Estado, e exatamente por ser um poder de Estado é que se lhe opõem os direitos fundamentais do indivíduo, erigidos como o limite da insurgência do Estado contra a pessoa individual. Nem se diga que aí entra o princípio da proporcionalidade ou estoutro, ridículo por sua própria natureza dada a redundância de que é portador, o da razoabilidade.

Façamos aqui uma ligeira e necessária digressão para fundamentar o repúdio acima exposto: a Constituição traça os contornos do Estado, delimitando seus poderes. Essa delimitação só tem sentido de ser se for oposta em face de outrem. Então, qual o contraforte que delimita os poderes do Estado? Posta de outra forma a questão, em benefício de quem se estabelecem limites para a atuação do Estado?

A resposta a essas indagações exige que se tome em consideração que o Estado representa a coletividade, o interesse público, a sociedade e que sempre age por meio de suas instituições, isto é, nunca será um sujeito a agir, assim como não é o juiz, mas a Justiça, não o policial, mas a Polícia, tanto que a própria Constituição reconhece que a responsabilidade do Estado por atos de seus agentes é do tipo objetiva, ou seja, toda pretensão indenizatória dirige-se contra o Estado e não contra o agente público que tenha praticado o ato lesivo.

Assente que o Estado age por suas instituições e o que legitima sua ação, até mesmo sua existência, é invariavelmente o interesse da coletividade, da sociedade, o interesse público, deflui que a delimitação de seus poderes, I>rectius: dos poderes conferidos a seus agentes, imposta pela Constituição, visa à proteção dos indivíduos.

Por essa razão, não tem sentido falar em aplicação do princípio da proporcionalidade para a incidência dos direitos fundamentais do indivíduo quando o conflito de interesses emerge entre a pessoa individual e o Estado, aí compreendidos os interesses da coletividade, o interesse público, personificados no Estado ou cujo exercício seja atribuído ao Estado. Pensar diversamente significa aniquilar os direitos fundamentais, negar-lhes o escopo, retirar deles a sua função, pois sempre será possível superar a limitação oposta pela Constituição Federal aos poderes do Estado sob a alegação de que os direitos da coletividade ou o interesse público devem prevalecer sobre os do indivíduo.

Nem sempre é assim. Nos casos em que a Constituição Federal enalteceu certos direitos individuais, só a própria Constituição pode erigir regra exceptiva estabelecendo quando e como o direito fundamental nela outorgado ao indivíduo pode ser afastado para prevalecer o exercício das funções do Estado, por exemplo, a insurgência do Estado contra o indivíduo.

Essa ordem das coisas atende a uma emanação racional, consistente no reconhecimento de que o poder opressor do Estado contra o indivíduo é irresistível. Daí a necessidade de se criarem mecanismos de freios e contrapesos (checks and balances) para que o indivíduo não seja injusta ou tiranicamente oprimido pelo Estado, assegurando destarte a plenitude da democracia e evitar seu desvirtuamento ou sua degeneração em uma forma de governo encastelado numa ditadura da maioria, ou uma ditadura do Estado.


Por isso que a relativização dos direitos individuais fora das hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal constitui odiosa supressão desses direitos ao indivíduo, que fica exposto ao desabrigo, absolutamente inerme no confronto com o desmedido poder de opressão que pode exercer o Estado, tornado inelutável.

Infere-se, o princípio da proporcionalidade só encontra campo fértil para sua aplicação quando há colidência de direitos fundamentais entre dois indivíduos. Equivocam-se os que entendem não poder haver colisão de direitos fundamentais. A solução do conflito que emerge entre dois indivíduos, fundado na oposição de direitos fundamentais do mesmo quilate, só será possível com a intervenção do princípio da proporcionalidade, cujo escopo é estabelecer critérios capazes de determinar sob quais circunstâncias um direito fundamental deve preponderar sobre outro, uma vez que abeberam na mesma fonte, a Constituição Federal.

Somente nestes casos é que se deve recorrer e admitir a incidência do princípio da proporcionalidade. Nunca quando o conflito ocorre entre o indivíduo e o Estado, opondo um ao outro, pois foi exatamente para estas hipóteses que a Constituição Federal erigiu em favor do primeiro e desfavor do segundo os direitos fundamentais, de modo que o Estado não pode insurgir-se contra o indivíduo violando os limites estabelecidos pelos direitos fundamentais. Pretender o seu afastamento para legitimar a insurgência estatal implica aniquilar a função desses mesmos preceitos mores.

Quanto ao princípio da razoabilidade, é um total descalabro. Pelo menos o termo por que procuram traduzi-lo é de uma infelicidade palmar. O direito é uma manifestação cultural. É elaborado pelo homem e para o homem. Tal como toda construção humana, é racional. Rememore-se que o dever-ser, a conseqüência que integra toda fórmula jurídica, constitui uma atribuição feita pelo homem. Ou seja, a lei jurídica, diferentemente da lei natural, não estabelece uma relação de causalidade naturalística que sempre ocorrerá independentemente da vontade humana, mas sim uma relação de causa e efeito racional por atribuição política, em que o efeito decorre de uma escolha do homem.

Seguindo a concepção de Miguel Reale, é a confirmação da estrutura tridimensional a envolver o fato, o valor e a norma numa situação de imanência jurídica. O fato é apanhado pelo legislador no mundo empírico, valorado e, conforme a importância que se lhe comete, ligado a uma dada conseqüência jurídica.

A norma legal também pode ser compreendida como o resultado de uma composição política prévia dos interesses potencialmente conflituosos que visa tutelar. E nisso não está presente apenas o gérmen, mas a racionalidade do homem em todo o seu resplendor. Portanto, todo direito é humano, e mais, todo direito é razoável. Donde, não tem sentido falar em princípio da razoabilidade na aplicação da lei, a não ser que se pretenda atribuir a essa aplicação um caráter casuístico por excelência. Tal indulgência acarreta a perversão de dois predicados essenciais da norma jurídica: a generalidade e a abstração.

A aplicação da norma passa a ser exclusivamente uma questão subjetiva, subordinada às circunstâncias históricas do aplicador, suas ideologias, seus recalques, suas fraquezas, etc., negando o escopo mor da igualdade perante a lei que informa a qualificação da norma jurídica como sendo geral e abstrata.

Por isso, deve-se abandonar essa idéia terrificante que se costuma chamar de “princípio da razoabilidade”. O direito não tem uma mera aspiração em ser razoável e lógico, tem a necessidade de sê-lo, pois a lei, embora não reflita uma relação naturalística de causa e efeito, em tudo, na sua aplicação, segue os mesmos passos da lei natural: dado determinado fato, deve ser a conseqüência jurídica nela prevista por atribuição racional do homem.

Aí insígnia proeminente da norma a demonstrar possuir ela uma fórmula verdadeiramente algébrica, aplicável a todo elemento concreto pertencente ao domínio de suas variáveis. E nem se diga que o direito não pode seguir uma lógica formal rígida, tal como as ciências exatas. Quem isso afirma demonstra que ou não conhece lógica (esse fabuloso instrumento da razão — que por sua vez é uma operação da inteligência, por isso que não é natural), ou não conhece matemática, ou não conhece o direito, ou não conhece nada disso. O que o direito tem em comum com a matemática é precisamente a lógica de suas fórmulas atributivas e o fato de que ambos são criações do homem, fruto do seu engenho.

Feita a digressão e explicado o nosso posicionamento a respeito dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, retomemos o rumo que nos ocupa.

Afirmamos que também o Poder Judiciário, por constituir um dos poderes do Estado, tem sua atuação limitada pelos direitos fundamentais estatuídos na Constituição Federal por serem esses direitos o único escudo do indivíduo contra o insuperável poder de opressão que o Estado pode exercer. Afirmamos isso a propósito de justificar a impossibilidade de se considerar as cartas abertas como documentos comuns, sujeitos, portanto, a ordens de busca e apreensão.


Ora, se o conceito de correspondência abrange também o bilhete, que nunca foi encerrado dentro de um envelope selado, não há como admitir que a carta, só porque aberta, torne-se um documento apreensível.

Dizer isto é o mesmo que retirar das cartas abertas, dos bilhetes, das missivas, enfim, de toda correspondência epistolar o caráter de pertencer à esfera da intimidade da pessoa. Significa forçar a ruptura do tegumento constitucional que lhes protege utilizando para tanto um argumento torpe, sem nenhuma justificativa material ou sacada da própria Constituição, já que esta não faz tal distinção. E mais, admitir que a carta aberta perde o caráter sigiloso convertendo-se em documento ordinário sujeito a ser devassado conduz ao absurdo de se ter de reconhecer que a proteção constitucional jamais se dirigiu ao à carta em si e ao seu conteúdo, mas sim ao seu invólucro, ao envelope enquanto fechado e lacrado.

Por outras palavras, o objeto de garantia da Lei Maior não consiste na comunicação, na mensagem trocada entre duas pessoas, senão no só instrumento de transmissão dessa comunicação. O absurdo dessa conclusão é patente!

Não é porque o bilhete nunca foi encarcerado num envelope ou porque a carta foi aberta que se transformam em meros documentos. Quem afirma isso não poderá negar que uma das conseqüências desse entendimento significa que tais objetos perdem o tegumento que os protege por pertencerem à intimidade da pessoa, deixando, ipso facto, de possuir a especial proteção constitucional, o que implica também ter de admitir que não haveria violação da intimidade por parte daquele que, sem autorização do emitente ou do destinatário, se apoderasse de tais documentos para deles tomar conhecimento. Não haveria violação de correspondência nem da intimidade.

Mesmo o bilhete, que sempre esteve às claras, a carta aberta ou qualquer outra forma de correspondência epistolar não perdem o caráter de elementos que compõem a intimidade da pessoa, ao revés, preservam-no até que o emitente ou o destinatário autorize sejam compulsados, e ainda assim, nos limites dessa autorização. De modo que se a autorização dirigir-se a uma determinada pessoa, somente ela poderá ter acesso ao conteúdo daqueles objetos (bilhete, carta, epístola, etc.).

Tamanha é proteção cometida às correspondências pela Constituição, que a expressa por meio de um enunciado inquebrantável, vale dizer, a carta política atribui às correspondências uma proteção absoluta.

Com efeito, assim a dicção do inciso XII, do artigo 5º: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

A interpretação gramatical desse preceito constitucional não enfeixa um lavor complexo. Ao contrário, deflui límpido que o sigilo da correspondência, das comunicações telegráficas e de dados são absolutamente invioláveis, já que a exceção abre-se somente em relação às comunicações telefônicas. Mas, invioláveis por quem?

Ora, precipuamente pelo Estado, eis que destinatário primeiro da vedação constitucional, já que os direitos fundamentais erigem-se em favor do indivíduo para estabelecer os limites de atuação daquele em face deste. A autoridade pública não pode vulnerar os direitos e garantias individuais fixados pela Constituição. Ao revés, deve respeitá-los se pretende ter legitimidade para fazer valer a própria ordem pública.

Não obstante, também o particular é destinatário desse preceito, tanto que a violação da regra pelo particular constitui crime sancionado com a perda da liberdade (CP, artigos 151 e 152) dada a gravidade da infração.

A própria Constituição trata de criar exceção à regra nela mesma traçada. Mas a ressalva incide apenas no que diz respeito às comunicações telefônicas, desde que a devassidão atenda aos requisitos que impõe: deve amparar-se em ordem judicial, a qual, por sua vez, só pode ser concedida nas hipóteses e na forma estabelecida em lei e para fins certos e determinados: investigação criminal ou instrução em processo penal.

Isso significa que o juiz não possui um poder discricionário largo para autorizar a interceptação telefônica a seu bel prazer. Sua conduta está adstrita aos específicos termos legais e com a finalidade de investigação criminal ou instrução de ação penal. Qualquer lei que venha a disciplinar a interceptação telefônica para fins de processo civil será inexoravelmente inconstitucional, já que a exceção prevista na carta da República atina exclusivamente à investigação de crime e instrução em processo penal.

A norma jurídica quando é concebida, via de regra incide sobre uma pluralidade de situações que subsomem-se na descrição do fato tutelado. Mas não só os fatos contemporâneos à norma são por ela regidos. Também aqueles que, embora não tenham sido eles mesmos objeto de cogitação ao tempo da nomogênese, por sua natureza e similitude entram na moldura do preceito pela porta da generalidade e da abstração. Em outras palavras, é exatamente porque a norma jurídica sói ser geral e abstrata que possui o condão de se projetar no tempo para abarcar sob sua égide fatos que pertencem ao mesmo gênero do que disciplina.


Eis aí a genialidade do direito como máxima expressão do engenho humano. A razão do homem em movimento para criar a norma de conduta capaz de reger tanto as situações jurídicas conhecidas, valoradas no momento em que a norma é concebida, como também aquelas situações jurídicas reveladas com o evolver do conhecimento humano, da tecnologia, das relações intersubjetivas.

É exatamente nesse contexto que se inserem o e-mail e o fax. Tanto um quanto outro possuem a mesma natureza da correspondência escrita, do bilhete, da carta epistolar, da missiva, da comunicação por telegrama. Ambos não passam de autêntica correspondência cujo envio se dá por meio da utilização de instrumentos que a moderna tecnologia põe à disposição do sujeito. Nem por isso são menos correspondências. Neles identifica-se apenas uma substituição de meios, não de natureza nem de conteúdo.

Erram os que pretendem criar uma doutrina de prova híbrida, como se o fax ou o e-mail fossem o resultado da combinação da correspondência com a telecomunicação telefônica e telemática. Aqueles que se socorrem desta doutrina o fazem para negar a verdadeira natureza da correspondência com o intuito de colocá-los fora do abrigo constitucional, isto é, para adrede poderem sustentar a possibilidade de serem devassados nas mesmas hipóteses em que se admite a violação da própria comunicação telefônica.

Mas essa razão não se sustenta. Ainda que se admita possuírem uma natureza híbrida, isso não autoriza subsumi-los na exceção e não na regra. Se, por hipótese, híbrida é a natureza tanto do fax quanto do e-mail, isso significa que tanto são correspondência, e aí plasmam-se na regra protetiva da Constituição Federal, quanto são comunicação telefônica, sujeitos, portanto, à exceção. Qual, então, a razão de preferir um enquadramento em detrimento do outro?

Se se puder determinar a preponderância de uma natureza em relação à outra, isso fundamentará a escolha. Caso não haja ou não seja possível determinar essa preponderância, então ter-se-á que trilhar outros caminhos em busca da solução.

Como o que realmente se pretende conhecer é o conteúdo da comunicação, porquanto ele é que servirá como prova de algo, então devemo-nos orientar a partir do modo como esse conteúdo se expressa para saber qual a natureza preponderante.

É inelutável que tanto o fax quanto o e-mail aproximam-se mais da correspondência do que da comunicação telefônica. Ambos constituem a comunicação remota e unilateral de mensagens escritas, de modo que a só interceptação que vise auscultá-los não produzirá os mesmos resultados que produz a interceptação telefônica. Será preciso a utilização de equipamentos decodificadores, ou receptores de fax ou de e-mail.

Isso significa que as mensagens transmitidas por fax ou e-mail são codificadas, o que já lhes confere um caráter confidencial que se poderia dizer ainda mais intenso do que qualquer correspondência epistolar (a menos que esta também vá criptografada). A interceptação telefônica, por sua vez, não exige nenhum aparato decodificador, nem mesmo uma pessoa versada na língua falada pelos interlocutores interceptados, pois sempre poderá ser gravada em mídia magnética e posteriormente transcrita, traduzindo-se a transcrição.

Evidencia-se assim que o fax e o e-mail constituem apenas o meio moderno por que se enviam correspondências com maior agilidade. Não passam de meros instrumentos da correspondência. Por isso que não a desvirtuam em sua natureza intrínseca e por essa razão devem reger-se pela regra constitucional que atribui à correspondência proteção absoluta contra as insurgências do Estado, sendo insuscetíveis de violação. Nem mesmo por ordem judicial pode-se pretender descortinar o seu conteúdo. A violação ou interceptação de fax ou e-mail constitui prova ilícita, imprestável tanto para o processo civil quanto para o criminal, salvo apenas se forem trazidos pelo emitente ou destinatário.

O mesmo já não acontece com aquilo se convencionou designar por chat, que é conversa em tempo real por meio de um computador ligado à rede universal, seja o diálogo digitado, falado ou audiovisual. Nesses casos a comunicação aproxima-se mais da comunicação telefônica, por isso que deve admitir-se entrar na exceção constitucional, possibilitando sua interceptação seguindo as mesmas regras que autorizam a interceptação telefônica.

O lavor desenvolvido para encontrar a melhor solução também não pode prescindir do espírito que orienta a criação dos direitos fundamentais, da função que devem desempenhar numa democracia: a conformação de mecanismos de defesa do indivíduo contra o poder institucional opressivo do Estado.

Nessa perspectiva, anota J. J. Canotilho, os direitos fundamentais cumprem uma função de defesa sob dupla perspectiva: 1) no plano jurídico-objetivo, compreendem normas de competência negativa para os entes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências deles na esfera jurídica individual posta sob proteção especial; 2) sob a ótica jurídico-subjetiva, implicam o poder do indivíduo em exercer positivamente direitos fundamentais e de exigir omissões do poder público, a fim de evitar vulnerações lesivas por parte dele na esfera jurídica individual.

Sob essas duas perspectivas deflui que o fato de a tecnologia colocar à disposição da pessoa novos meios para se corresponder com outrem, isso não desnatura a correspondência, antes aconselha que esses novos meios de se corresponder sejam postos sob o abrigo seguro das garantias constitucionais, pois do contrário, levando-se às últimas conseqüências o pensamento diverso, a tecnologia acabaria por constituir uma via oblíqua e não jurídica de revogação dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo insculpidos na Constituição Federal, ou seja, os avanços tecnológicos derrogariam a própria Constituição.

A não ser assim, não há razão plausível para optar-se por uma subsunção e não pela outra. Aí as razões por que tanto o fax quanto o e-mail devem receber o mesmo tratamento das correspondências, independentemente de não terem sido enviados por via postal, ou dentro de um envelope selado. Até a correspondência enviada por pombo correio encaixa-se no sentido da proteção constitucional.

Autores

  • Brave

    é advogado, diretor do Departamento de Prerrogativas da Federação das Associações dos Advogados do Estado de São Paulo (Fadesp) e mestre em Direito pela USP.

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