Doutor Honoris Causa

Peter Häberle é homenageado em livro publicado pela UNB

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4 de julho de 2006, 9h54

A Universidade de Brasília publicou recentemente um livreto em comemoração à entrega do título de Doutor Honoris Causa ao professor Peter Häberle. O professor titular aposentado de Direito Público e Filosofia do Direito da Universidade de Bayreuth, na Alemanha, e, atualmente, diretor do Instituto de Direito Europeu e Cultura Jurídica Européia, do mesmo centro universitário, esteve no Brasil em setembro de 2005.

O jurista alemão tornou-se conhecido do mundo acadêmico brasileiro por sua obra Hermenêutica Constitucional — A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e ‘Procedimental’ da Constituição. Ele defende que a Constituição não tem um conteúdo construído apenas pelos tribunais, mas é arquitetado pelos que participam do jogo democrático.

A cerimônia de entrega do título foi no dia 16 de setembro do ano passado na UNB. O professor Häberle recebeu a congratulação das mãos do reitor da universidade Lauro Morhy. A homenagem prestada pela UNB foi iniciativa do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.

A concessão do título de Doutor Honoris Causa serviu para traduzir o reconhecimento da comunidade acadêmica brasileira ao jurista e filósofo. Ele tem prestado contribuição intelectual ao desenvolvimento do direito constitucional mundial e, em particular, ao direito brasileiro.

Em seu discurso, Gilmar Mendes destacou que Häberle defende a necessidade de se identificar os elementos culturais comuns das constituições latino-americanas, “a fim de que se possa caminhar para o fortalecimento da América Latina como uma comunidade cultural e política”.

Ao falar sobre o Brasil, Häberle teceu diversos elogios ao texto da Constituição brasileira. Ele chamou a atenção, ainda, pelo conhecimento que demonstrou da Carta Constitucional. E admitiu que há apenas alguns anos tomou conhecimento da produção acadêmica brasileira e do Supremo Tribunal Federal.

Leia o discurso do professor Peter Häberle, ao receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília. Em seguida, a saudação de Gilmar Mendes ao professor e depois, o discurso do reitor da Universidade de Brasília, professor Lauro Morhy.

Pronunciamento de agradecimento do Prof. Peter Häberle (Bayreuth/St. Gallen) por ocasião da concessão do título de Doutor Honoris Causa, no dia 16 de setembro de 2005

Magnífico Reitor, Excelentíssimos Ministros do Supremo Tribunal Federal, Prezados colegas, minhas senhoras e meus senhores,

Recebi a honrosa informação de que sua conceituada Universidade queria homenagear-me com o título de “doutor honoris causa” apenas duas semanas antes de minha viagem ao Brasil, planejada há aproximadamente um ano. Foi uma grande e agradável surpresa. Em pouco tempo elaborei esse pequeno pronunciamento de agradecimento. Aceito a homenagem, bastante agradecido, por vários motivos.

Há alguns anos comecei a tomar conhecimento da existência, no Brasil, de uma viva Ciência de Direito Constitucional (desenvolvida em várias reflexões da literatura especializada), bem como de um Tribunal Constitucional – o chamado Supremo Tribunal Federal – e de seu recurso constitucional (amparo) de grande eficiência. Até agora só conhecia a Constituição brasileira de 05.10.1988, que traz inovações em muitos pontos e que eu logo publiquei em meu Anuário de Direito Público nº 38, de 1989 (p.462 e s.).

Gostaria de citar aqui apenas alguns trechos da Constituição, como seu impressionante preâmbulo, que contém um elemento indispensável de utopia (“sociedade fraterna e sem preconceitos“, “harmonia social“). É bela também a expressão da “casa como asilo inviolável“ (art. 5º, XI); quero, ademais, mencionar a cláusula contida no art. 5º, LXXIII, sobre a proteção do patrimônio histórico e cultural e, igualmente, o art. 27, § 4º, que dispõe sobre a iniciativa popular. Especial atenção merece também o art. 193, com sua palavra avantgardista sobre o “primado do trabalho”. O art. 215, sobre a cultura, representa, em altíssimo grau, texto a ser comparado com outros de direito, em âmbito mundial. O mesmo vale em relação ao art. 182, que cuida da “política urbana”.

Após ter tido a oportunidade de viajar duas vezes para o México, graças ao senhor Diego Valades, e visitar o Peru em 2004, graças aos senhores Garcia Belaunde e Cézar Landa, estava bem na hora de vir ao Brasil. Essa viagem, que hoje se inicia, foi excelentemente preparada pelos professores Paulo Bonavides – o mais antigo -, e os mestres mais jovens, Gilmar Ferreira Mendes e Ingo Sarlet.

II

A rica vida constitucional do Brasil encoraja-me a continuar desenvolvendo a idéia concebida há quatro anos, aproximadamente, e que se refere a um “direito constitucional comum americano” – análogo à categoria de “direito constitucional comum europeu” (1983/91), isto é, bem antes de um “direito constitucional comum asiático” que, talvez, só será realizável dentro de um prazo de 100 anos (Anuário do Direito Público 45 (1997), p.555 (576 e s.)). Tal desenvolvimento jamais teria como efeito colateral a eliminação da diversidade das culturas nacionais de direito que, no Brasil, cresce de maneira exemplar, graças à estrutura federativa de 26 Estados e graça à teoria de direito constitucional plural (muito progressivo é o artigo 18 § 3º, aberto, sobre a nova organização dos Estados). Neste contexto podem-se citar como tópicos: a idéia de desenvolvimento de um direito processual constitucional comum americano, ou, pelo menos, latino-americano, devendo ser incluído também o Tribunal dos Direitos Humanos da Costa Rica. Uma proposta a ser discutida poderia ser a minha antiga teoria (1976) em relação ao direito processual constitucional como “direito constitucional concretizado” e sua autonomia referente a outras ordens judiciais.


III

Perceptível na sua Constituição de 1988 é um “otimismo científico” pelo qual estou lutando no meu país há quase 30 anos – tomara que não apenas “platonicamente”. Precisamos de “utopias concretas” ao tratar do estado constitucional, ainda, como freqüentemente acontece, que apenas como “normas-programáticas” (soft law). John Locke, hoje um dos “pais” do Estado Constitucional, não era, logo no início, uma realidade. Seus escritos permaneciam apenas como textos, e hoje ele é um clássico também na realidade constitucional. Para as pessoas que estão se queixando de que alguns princípios da Constituição brasileira se situam fora da “realidade” (como, por exemplo, em relação à proibição da corrupção, de acúmulo de funções) – essas críticas são parecidas com aquelas na Colômbia, onde se fala da “lírica constitucional” – devo apontar para a necessidade de uma “reserva de alternativas científicas”. Esta deve até clamar por uma reforma constitucional no Brasil, talvez pela introdução de uma jurisdição administrativa; na Alemanha, por um artigo referente ao civismo dos cidadãos ou por uma reforma do Estado federal. Mesmo como constitucionalistas, devemos, com as nossas propostas teóricas, marchar um pouco à frente do desenvolvimento, sem, no entanto, assumir atitudes ideológicas, doutrinárias, teimosas e arrogantes. Não devemos ser apenas organizadores de glosas.

Um exemplo disso pode ser talvez a minha teoria proposta em 1989, referente à comparação constitucional como sendo o “quinto” método de interpretação, após os quatro clássicos de Savigny (1840). Esse “quinto” método foi agora (2003) expressamente aceito pelo Tribunal Constitucional de Liechtenstein. Existe também uma jurisdição constitucional moderada (alcançável não só, mas também através de votos especiais e que confirma o conceito da “constituição como processo público”). É o caso da multifacetada “oficina suíça” com suas criativas revisões totais das constituições dos cantões realizadas desde 1968 até hoje (a última em Zurique, 2005). A “sociedade aberta” de Popper, de 1945, transformou-se, em 1975, em “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”. Fazem parte deste quadro a idéia da constituição do pluralismo (1980) e o reconhecimento de que minorias étnicas, religiosas e outras devem e podem ser “fatores formadores do estado” (constituição da Hungria de 1990). Trata-se da trilogia que sustenta os procedimentos férteis da recepção e produção no constitucionalismo moderno, ou seja, da comparação recíproca de textos normativos, da teoria e da jurisprudência.

IV

Em tudo isso, o princípio científico-cultural pode e deve ser o fundo, ou até o “subsolo”. Tópicos aqui são: cultura do direito, interpretação contextual, o que quer dizer “interpretar com acréscimo de pensamentos” (2001). A sociedade aberta precisa de um “humus cultural”. Cícero cunhou a palavra “cultura”. É a cultura plural que, “na sua essência”, mantém ligado o civismo – para aludir a um pensamento de Goethe. O postulado chama-se Constituição como cultura e não apenas constituição e cultura. A “teoria constitucional como ciência cultural” é uma tentativa (desde 1982).

V

Para finalizar: Nós todos precisamos de “gigantes” nas nossas disciplinas (também nas artes: um Gaudí, um Niemeyer) e ficamos nos ombros deles. Também na Alemanha estamos apoiados nos ombros dos gigantes de Weimar, no que se refere à Lei Fundamental. E apesar de sermos “anões”, enxergamos às vezes um pouco mais longe do que eles, isto é, dos clássicos de Weimar, pois estamos sobre seus ombros. Tenho muito a agradecer ao meu professor Konrad Hesse que, em março de 2005, foi enterrado em Freiburg, na presença de um grupo pequeno de pessoas. O Professor Hesse teria ficado muito contente com a minha homenagem aqui em Brasília, pois sua obra “Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha” foi traduzida em Porto Alegre.

O grande Simón Bolivar disse certa vez: “Alexandre de Humboldt trouxe mais benefícios para a América do que todos os seus conquistadores; é ele o verdadeiro descobridor da América”. Necessitamos hoje em dia de muitos pequenos Alexandres de Humboldt jurídicos para corresponder com o estado constitucional no Brasil (e em toda a América Latina) (o art. 4º de vossa Constituição fala da “integração cultural dos povos latino-americanos com o objetivo da formação de uma comunidade das nações latino-americanas”).

No futuro, direcionarei, com muito prazer, a atenção dos meus alunos para o Brasil e suas boas revistas especializadas, como a “Revista Latino-America” ou a “Revista de Direito Público”, sempre tendo em mente um contrato científico entre gerações que envolvam países e continentes, e que tem contado com o apoio expressivo da Fundação Konrad Adenauer. Como os senhores sabem, esse contrato de gerações existe também na cultura em geral (podemos mencionar Stefan Zweig).


No Brasil, homenageia-se nesses dias o compositor Hans-Joachim Koellreutter por ocasião dos seus 90 anos. Ele foi fundador, em 1938, do movimento “Música Viva”, no Rio de Janeiro. Cláudio Santoro, Guerra Peixe e Antônio Carlos Jobim eram seus alunos. Não só a rica vida constitucional científica me “puxou” para o Brasil, como também a música brasileira. Mas infelizmente não posso compor nenhuma “Abertura do Festival Acadêmico” como fez Johannes Brahms, agradecendo o título “doutor honoris causa” concedido a ele em Breslau, no final do século XIX.

Meu agradecimento hoje e para hoje só dispõe da força e do formato da palavra originalmente escrita em alemão. Apesar da poderosíssima língua inglesa, manteremos essa língua, que é a língua de Lutero, Kant, Goethe e que hoje foi vertida para o “português brasileiro”, tão sonoro. Eu agradeço a todos.

Saudação do ministro Gilmar Mendes ao professor Peter Häberle, por ocasião da entrega, pela Universidade de Brasília, no dia 16 de setembro de 2005, do título de Doutor Honoris Causa daquela Instituição Superior de Ensino.

Magnífico Reitor da Universidade de Brasília, Professor Doutor Lauro Morhy, Excelentíssimos Ministros do Superior Tribunal de Justiça, Excelentíssimo Senhor Embaixador da Alemanha no Brasil, Senhor Friedrich Prot von Kunow, Senhores Professores da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Senhores Professores, Senhoras e Senhores, com enorme satisfação que saúdo o Professor Doutor Peter Häberle, que receberá, nessa cerimônia, das mãos do Magnífico Reitor Lauro Morhy, o prestigioso título de Doutor Honoris Causa, honraria atribuída a personalidades que se tenham distinguido pelo saber ou pela atuação em prol das artes, das ciências, da filosofia, das letras ou do melhor entendimento entre os povos.

O Prof. Dr. Dr.h.c.mult. Peter Häberle é professor titular aposentado de Direito Público e Filosofia do Direito da Universidade de Bayreuth, na República Federal da Alemanha, e, atualmente, desempenha as funções de diretor do Instituto de Direito Europeu e Cultura Jurídica Européia, do mesmo centro universitário.

Nascido em Göppingen, Alemanha, em 1934, o Professor Peter Häberle estudou nas Universidades de Tübingen, Bonn, Montpellier (França) e Freiburg. Em sua tese de doutoramento, tratou, com brilhantismo, sobre o conteúdo essencial dos direitos fundamentais na Lei Fundamental de Bonn.

Seu trabalho como pesquisador foi objeto de numerosas distinções honrosas, entre as quais os doutorados Honoris Causa pelas Universidades de Atenas, em 1994, pela Universidade de Granada, em 2002, e pela Pontifícia Universidade Católica do Peru, em 2004. Em 1998, foi contemplado com o prêmio de pesquisa por cooperação internacional do Max Planck Institut (Max-Planck-Forschungspreis für Internationale Kooperation).

Sua obra é extensa, compondo-se de centenas de artigos e mais de vinte monografias, com aportes fundamentais para a doutrina constitucional européia e mundial, em diversas obras, como Die Wesensgehaltgarantie des Art. 19 Abs. 2 Grundgesetz (1962) (A garantia do núcleo essencial dos direitos fundamentais na Lei Fundamental de Bonn), Öffentliches Interesse als juristisches Problem (1970) (Interesse Público como problema jurídico), Verfassungsgerichtsbarkeit (1976) (Jurisdição Constitucional), Verfassung als öffentlicher Prozess (1978) (Constituição como Processo Público), Die Verfassung des Pluralismus (1980) (A Constituição do pluralismo), Verfassungslehre als Kulturwissenschaf (1982) (Teoria da Constituição como ciência da cultura), Das Menschenbild im Verfassungsstaat (1988) (O Homem no Estado Constitucional), dentre outras.

Peter Häberle destaca-se, para além do inestimável cabedal jurídico, pela profundidade de seus conhecimentos filosóficos, teológicos e artísticos, os quais têm dado a este professor notável o título de um autêntico humanista. Sua obra tem chamado a atenção pela originalidade metodológica, atualização e profundidade conceitual, que permite novas abordagens para as ciências humanas, em geral, e jurídica, em particular.

Um dos expoentes europeus da teoria institucional dos direitos fundamentais e pioneiro da universidade européia do futuro, tem o Professor Peter Häberle dedicado toda sua vida profissional à docência universitária, fundamentando sua obra científica no pluralismo, constituindo a idéia de integração o ponto de partida para a realização do novo Estado Constitucional do século XXI – o Estado Constitucional Cooperativo.

Defensor da tolerância e da aceitação do outro, como elementos culturais inafastáveis de uma teoria constitucional protetora da realidade imposta pelo novo milênio, o Professor Peter Häberle contribuiu enormemente para o fortalecimento do Estado Constitucional, sobretudo em países de transição democrática.


Seu aporte ao desenvolvimento do direito ultrapassou as fronteiras européias e encontrou eco na América Latina, onde o Professor Peter Häberle produziu obra dedicada especialmente à integração latino-americana. Seu interesse pelas Américas demonstra a disposição desse jurista e filósofo para auxiliar no processo de integração cultural e política da América Latina, desenvolvendo a idéia de um “direito constitucional comum americano”. Häberle propõe, no referido estudo, a necessidade de se identificarem os elementos culturais comuns das Constituições latino-americanas, com vistas à necessidade do fortalecimento da América Latina como uma comunidade cultural e política.

No Brasil, sua contribuição tem sido inestimável para o desenvolvimento do direito constitucional. São muitos os doutrinadores brasileiros de renome que defendem a necessidade de consolidação da idéia de uma sociedade aberta de intérpretes da Constituição, formulada por Peter Häberle. Segundo essa concepção, o círculo de intérpretes da Lei Fundamental deve ser alargado para abarcar não apenas as autoridades públicas e as partes formais nos processos de controle de constitucionalidade, mas todos os cidadãos e grupos sociais que, de uma forma ou de outra, vivenciam a realidade constitucional.

A influência do professor Häberle pode ser notada no âmbito do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, em julgamento no STF, o voto do eminente Ministro Celso de Mello em questão de ordem na ADIn nº 2.777, em novembro de 2003, que discutiu a possibilidade da sustentação oral de terceiros admitidos no processo de ação direta de constitucionalidade, na qualidade de amicus curiae. Sua argumentação foi inteiramente compatível com a orientação de Peter Häberle que, “não só defende a existência de instrumentos de defesa da minoria, como também propõe uma abertura hermenêutica que possibilite a esta minoria o oferecimento de ‘alternativas’ para a interpretação constitucional”.

Semelhante influência ocorre no âmbito legislativo. A Lei no 9.868/99 consagrou a figura do amicus curiae, conferindo uma abertura pluralista ao processo brasileiro de interpretação constitucional, no sentido referido por Peter Häberle.

Ainda no Supremo Tribunal Federal, mencione-se o julgamento dos embargos infringentes na ADIn 1289 (1), em abril de 2003. A análise da decisão demonstra, de forma evidente, a adoção de um “pensamento do possível”, valendo-se da lição de U. Scheuner, citada por Häberle, no sentido de que, se a Constituição quiser preservar sua força regulatória, em uma sociedade pluralista, a Constituição não pode ser vista como texto acabado ou definitivo, mas sim como “projeto” (“Entwurf”) em contínuo desenvolvimento. (2).

Peter Häberle talvez seja o mais expressivo defensor dessa forma de pensar o direito constitucional nos tempos modernos, entendendo ser o “pensamento jurídico do possível” expressão, conseqüência, pressuposto e limite para uma interpretação constitucional aberta. (3).

Nessa medida – e essa parece ser uma das importantes conseqüências da orientação perfilhada por Häberle -, “uma teoria constitucional das alternativas” pode converter-se numa “teoria constitucional da tolerância”.(4) Daí perceber–se também que “alternativa enquanto pensamento do possível afigura-se relevante, especialmente no evento interpretativo: na escolha do método, tal como verificado na controvérsia sobre a tópica enquanto força produtiva de interpretação”. (5).

Observa Häberle, ainda, que “para o estado de liberdade da res publica afigura-se decisivo que a liberdade de alternativa seja reconhecida por aqueles que defendem determinadas alternativas”. Daí ensinar que “não existem apenas alternativas em relação à realidade, existem também alternativas em relação a essas alternativas”.(6).

É possível encontrar, entre os doutrinadores brasileiros, importantes análises da obra de Peter Häberle. Pelo menos dois de seus trabalhos já foram traduzidos para o português: Hermenêutica constitucional: a sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e procedimental da Constituição, cuja tradução foi por mim elaborada(7), e O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional(8). Os estudantes e estudiosos brasileiros têm podido ter acesso aos seus estudos também mediante a leitura das importantes traduções publicadas na Espanha e em outros países da América Latina.

Notável o artigo do Professor Inocêncio Mártires Coelho, do Departamento de Direito desta Universidade de Brasília(9), ao expor a presença do amicus curiae no processo de controle de constitucionalidade. Do mesmo autor, os artigos “Konrad Hesse/Peter Häberle: um retorno aos fatores reais de poder”(10), e “Fernando Lassale, Konrad Hesse, Peter Häberle: a força normativa da Constituição e os fatores reais de poder”(11).


Também deve-se mencionar, neste contexto, a expressiva obra do acadêmico Rafael Caiado Amaral, intitulada Peter Häberle e a Hermenêutica Constitucional (12).

E é justamente por sua inestimável contribuição ao desenvolvimento da ciência jurídica e sua crescente influência entre nós, que considero que a concessão do título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília ao Professor Peter Häberle pretende traduzir o devido reconhecimento da comunidade acadêmica brasileira ao jurista e filósofo que tem prestado também inestimável contribuição intelectual ao desenvolvimento do direito constitucional brasileiro.

Muito obrigado!

Notas de rodapé:

(1) ADIn 1289, Relator Ministro Octavio Galotti , DJ de 29.05.98. O Procurador-Geral da República opôs embargos infringentes contra acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 1289, em 18 de dezembro de 1996, que havia declarado a inconstitucionalidade – em face do artigo 115, parágrafo único, inciso II, combinado com o artigo 94 da Constituição – , de resolução do Conselho Superior da Justiça do Ministério Público do Trabalho, que dispunha sobre a formação da lista sêxtupla em hipóteses de inexistência de membros do Ministério Público com mais de 10 anos de carreira.

(2) Häberle, Demokratische Verfassungstheorie im Lichte des Möglichkeitsdenken, in: Die Verfassung des Pluralismus, Königstein/TS, 1980, p. 4.

(3) Häberle, Peter. Demokratische Verfassungstheorie im Lichte des Möglichkeitsdenken, in: Die Verfassung des Pluralismus, Königstein/TS, 1980, p. 9.

(4) Häberle, Die Verfassung des Pluralismus, cit., p. 6

(5)Häberle, Die Verfassung des Pluralismus, cit., p. 7.

(6)Häberle, Die Verfassung des Pluralismus, cit., p. 6.

(7)Häberle, Peter. Hermenêutica Constitucional. A sociedade aberta dos intérpretes da constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1997.

(8)Häberle, Peter. O recurso de amparo no sistema germânico de justiça constitucional. In: Direito Público, v.1, n.2, p.83-137, out./dez. 2003.

(9)Coelho, Inocêncio Mártires. As Idéias de Peter Häberle e a Abertura da Interpretação Constitucional no Direito Brasileiro, in: RDA 211/125-134.

(10)Coelho, Inocêncio Mártires. Konrad Hesse / Peter Häberle: um retorno aos fatores reais do poder. In: Notícia do Direito Brasileiro : Nova Série, n.5, p.77-90, jan./jun. 1998; Revista de Informação

(11)Coelho, Inocêncio Mártires. Lassale, Konrad Hesse, Peter Häberle: a força normativa da Constituição e os fatores reais de poder. In: Universitas / Jus, n.6, p.27-42, jan./jun. 2001.

(12) Amaral, Rafael Caiado. Peter Häberle e a Hermenêutica Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004.

Discurso do reitor da Universidade de Brasília, professor Lauro Morhy

Prezado Professor Peter Häberle, Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília

Excelentíssimo Senhor Friederich Prot Von Kunow, Embaixador Extraordinário e Plenipotenciário da Alemanha no Brasil

Estimado Professor e Ministro Gilmar Ferreira Mendes

Excelentíssimas autoridades aqui presentes ou representadas

Estimados Professores, Estudantes e Servidores da UnB

Senhoras e Senhores

Com grande honra e alegria cumpro a missão de presidir esta memorável sessão, em que homenageamos o Professor Peter Häberle, que acaba de receber o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Brasília.

A UnB está em festa. Uma festa que não apresenta a grande pompa adotada por muitas instituições nessas ocasiões, mas o bastante para marcar o simbolismo e a alegria de todos.

Este é um momento de justiça e do coração. Cumprimos aqui um dos mais elevados deveres do homem, que é o de agradecer. Creio que este dever e o da justiça são talvez os mais urgentes de todos, especialmente nos nossos dias. São também dos que mais nos deixam felizes, quando bem praticados!

Este é então um momento da alma e do coração. E como as flores, não requer grandes pompas e muitos enfeites. Elas já são tudo e já dizem tudo, em sua beleza, perfume e simplicidade naturais. Professores, pesquisadores, os que trazem a sabedoria dos anos, os que realmente assimilaram o verdadeiro espírito universitário sabem bem o significado destas palavras e desta cerimônia.

O discurso do nosso estimado Professor e Ministro Dr.Gilmar Ferreira Mendes bem justificou esta homenagem, conferida por unanimidade pelo Conselho Universitário da Universidade de Brasília, que soube reconhecer a relevante contribuição do Dr.Peter Häberle na área do Direito, que inclui a defesa da tolerância e da aceitação do outro como elementos culturais essenciais no caminho da Justiça e da Paz; a participação da sociedade no exercício da Justiça e a idéia de Constituições em contínuo aperfeiçoamento e desenvolvimento, como exigem os novos tempos.

Para conhecimento dos presentes informo que o Dr.Peter Häberle, nosso homenageado de hoje, passa a fazer parte de uma seleta lista de Doutores Honoris Causa da Universidade de Brasília que inclui, entre outros:

Charles De Gaulle

Albert Sabin

José Lopes Portilho

Juan Carlos de Borbón y Borbón

Julio Maria Sanguinetti

Raul Alfonsin

Oscar Niemayer

Lucio Costa

Nelson Mandela

Celso Furtado

Darcy Ribeiro

Anísio Teixeira

José Saramago

Athos Bulcão

Jorge Amado

Dalai Lama

Milton Santos

D.Evaristo Arns

Lygia Fagundes Teles

Cassiano Nunes

Obrigado Dr. Peter Häberle pela sua notável contribuição ao Direito e ao desenvolvimento do conhecimento e da cultura humana. Receba o abraço amigo e fraterno de todos da Universidade de Brasília.

Obrigado a todos que aqui compareceram. Está encerrada esta sessão.

Professor Doutor Lauro Morhy

Reitor da Universidade de Brasília

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