Hora de acordar

É dever do provedor de internet fornecer dado de acusado

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3 de julho de 2006, 7h00

Dia após dia, tem crescido o número de internautas preocupados com a responsabilidade do Google em relação aos descalabros ocorridos no ambiente de seu serviço da moda, o Orkut. Inúmeros são os casos de clonagem de perfis ou de ofensas à honra nesta comunidade virtual, além dos crimes que já vêm sendo investigados pelo Ministério Público, tais como pedofilia e tráfico de entorpecentes.

Em recente audiência pública, feita no dia 26 de abril, o diretor jurídico da empresa nos Estados Unidos, David Drummond, disse que ela está proibida, pela lei norte-americana, de entregar os cadastros de seus usuários, já que os mesmos “se apresentam alocados em servidores de lá ou da Grã-Bretanha, submetendo-se, portanto, às leis do país em que se situam”.

Para minorar o impacto, porém, informou que o Google poderá eventualmente fornecer às autoridades brasileiras informações sobre os clientes que abusarem do serviço do Orkut, de forma individual e desde que, após análise feita pela empresa, os pedidos sejam razoáveis e estejam em conformidade com o processo legal, removendo também conteúdos que violem seu termo de serviço.

Mas como fica a questão das pessoas lesadas? Às vítimas, não basta, por exemplo, a retirada do conteúdo ofensivo do ar, nem a exclusão dos perfis clonados. Tais medidas paliativas acabam servindo mais como estímulo do que desestímulo a este tipo de atitude, porque, além de efetivar a prática danosa, o agente ainda estará acobertado pela exclusão dos elementos que seriam capazes de identificá-lo, podendo repetir tais atos tantas vezes quantas lhe aprouver.

Na qualidade de provedor de hospedagem, que aloca arquivos e informações de seus usuários permitindo o acesso online por outros usuários, o Google tem a obrigação de prestar um serviço adequado, mantendo o cadastro atualizado de seus internautas, bem como de seus acessos, de modo a viabilizar quaisquer identificações em casos motivadamente relevantes.

Se nos Estados Unidos a legislação possibilita aos provedores de hospedagem a isenção da responsabilidade pelo material ofensivo armazenado, disponibilizado ou transmitido por meio de seus equipamentos (conforme o Communications Decency Act, de 8 de fevereiro de 1996), já que são considerados prestadores de um serviço intermediário, no Brasil tende a vigorar o entendimento de que, uma vez notificado pela vítima, é dever do provedor fornecer todos os itens em seu poder, hábeis a auxiliar na busca do efetivo autor do prejuízo. Verificada a situação de inacessibilidade a estes itens, portanto, cria-se para o Google, sim, a necessidade de indenizar os atingidos pelos atos nocivos — tanto de ordem material, quanto de ordem moral.

Este ponto foi, inclusive, objeto atual de análise pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Em julgamento referente à responsabilidade de outro famoso provedor de hospedagem em indenizar um especialista em marketing, que se sentira ofendido pelo conteúdo de uma página alocada no espaço da empresa, decidiu que só existirá a obrigação quando, além da prova do fato, a pessoa jurídica, instada a se manifestar, tiver permanecido em silêncio.

Questões sobre a relatividade do sigilo do cadastro e o respeito aos direitos de terceiros, aliás, são abordadas pelo próprio Google, nos termos de serviço e privacidade do Orkut, onde se menciona que todos os dados pessoais e de acesso presentes em seus servidores poderão ser visualizados e divulgados em caso de requerimento legal ou sempre que houver clareza e boa-fé por parte do solicitante.

No entanto, as vãs tentativas dos usuários de se verem atendidos pelo Orkut — já que parece ser uma atividade discricionária do Google decidir o que causa ou não prejuízo a outrem — demonstram aos reclamantes que não resta alternativa a não ser a via judicial. Nesse sentido, aliás, aquele atingido negativamente por qualquer manifestação ocorrida no Orkut, mesmo que não seja cliente direto do serviço, pode pleitear a reparação pelo dano como se consumidor fosse, conforme autoriza a lei.

Por mais que o Google tente se esquivar de sua responsabilidade quanto ao Orkut, é inegável que existem deveres essenciais à atividade exercida, com os devidos riscos inerentes. Argüir, como se tem feito, que tal proceder seria quebra de privacidade não se sustenta, seja porque o sigilo não prevalece quanto à prática de ilícitos, seja porque o direito à expressão, garantido na Constituição Federal, veda o anonimato — raciocínio que não ocorre aos agressores quando se arrogam no direito de lesar a outros.

O Google precisa acordar para o fato de que o cumprimento das obrigações listadas, no intuito de reprimir e indenizar os atos lesivos (quer civis, quer penais) praticados por internautas no ambiente do Orkut, não está submetido à sua boa vontade. Diferentemente das decisões arbitrárias que toma em seu império, no Brasil há um Judiciário para zelar para que ninguém seja coagido a sofrer abusos em silêncio.

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