Propaganda institucional

Leia voto que manda Lula explicar gastos publicitários

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1 de julho de 2006, 7h00

O Plenário do Tribunal Superior Eleitoral decidiu, na quinta-feira (29/6), que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem 15 dias para prestar informações sobre todos os gastos com publicidade institucional do governo federal nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, de cada órgão da administração direta e indireta.

O Plenário julgou procedentes os pedidos feitos na Petição ajuizada pelo PSDB e pelo PFL. Na petição, os partidos pediram ao TSE que verificasse a média, na forma da lei, dos gastos do governo federal com propaganda institucional, diante da suspeita de que o governo federal teria ultrapassado o limite do uso da propaganda oficial no curso do ano da eleição.

Em seu voto, o relator, ministro Carlos Ayres Britto, ressaltou que as informações solicitadas por ambas as legendas são de interesse público. “As informações quanto aos gastos da administração com publicidade institucional não só podem como devem ser disponibilizadas ao público, segundo princípio constitucional da publicidade e da impessoalidade”, afirmou.

Leia a íntegra do voto

PETIÇÃO 1880-DISTRITO FEDERAL

Relator: Ministro CARLOS AYRES BRITTO

Requerente: Diretório Nacional do PSDB e outro

Advogado: José Eduardo Rangel de Alckmin e outros

Requerido: Presidente da República

“PETIÇÃO. GASTOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA FEDERAL COM PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROCEDÊNCIA.

1. A Justiça Eleitoral tem competência para requisitar ao Presidente da República informações quanto aos gastos com publicidade (inciso XVIII do art. 23 do Código Eleitoral e inciso VII do art. 73 da Lei nº 9.504/97);

2. Partidos políticos, como protagonistas centrais do processo eleitoral, têm legitimidade para pleitear a requisição de tais informações à Justiça Eleitoral;

3. O Presidente da República, chefe do Poder Executivo e exercente da direção superior da Administração Pública Federal, é responsável pela prestação das informações do gênero.

4. Procedência do pedido.

RELATÓRIO

O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e o Partido da Frente Liberal (PFL) requerem, com base no inciso VII do art. 73 da Lei no 9.504/97 e no art. 36 da Resolução-TSE no 22.158, a requisição das seguintes informações ao Presidente da República:

a) “quais foram os gastos de publicidade nos anos de 2003, 2004 e 2005 efetuados em cada órgão da administração federal e em cada entidade da administração indireta”;

b) “qual foi o gasto com publicidade efetuado neste ano, até a presente data, em cada órgão da administração federal e em cada entidade da administração indireta”.

2. Os requerentes pedem ainda a fixação do tempo máximo de cinco dias para o fornecimento das informações reqüestadas, tendo em vista o prazo estabelecido na alínea ‘a’ do inciso I do art. 22 da Lei Complementar no 64/90. Daí encarecerem, quanto a esse último pleito, a necessidade de disponibilização dos dados aos partidos políticos, de forma a viabilizar, em modo e tempo eficazes, a atuação fiscalizadora que lhes compete.

3. Pois bem, em despacho de fls. 11-12, determinei a notificação do Exmo. Sr. Presidente da República para que se manifestasse, no prazo de 5 (cinco) dias, sobre o conteúdo da petição. Como resposta, o Exmo. Sr. Presidente da República formalizou, por intermédio do Advogado-Geral da União, as alegações de fls. 23-28. Nelas, pontua “que não há que ser demandado o Presidente da República a apresentar tais documentos, porquanto informações dessa natureza estão sob a responsabilidade da Secretaria de Comunicação da Presidência da República” (fls. 25). Ampara essa linha de argumentação nas disposições do Decreto no 4.799, de 4.8.2003 – em especial o seu art. 7o -, e do Decreto no 2.004, de 11.9.1996.

4. Prossigo no retrospecto da questão para dizer que, em 20.6.2006, às 17 horas, os autos me vieram conclusos.

É o relatório.

VOTO

5. Tenho por juridicamente fundada a pretensão do PSDB e do PFL. É que as informações quanto aos gastos da Administração com publicidade institucional não só podem como devem ser disponibilizadas ao público, segundo princípio constitucional da publicidade e da impessoalidade (art. 37, caput e § 1o). Isso de parelha com o direito fundamental, que a todos assiste, de receber dos órgãos públicos “informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral” (inciso XIII do art. 5o), além do acesso a informações sobre atos de governo (inciso II do § 3o do art. 37). Tudo a se traduzir na compreensão de que o nosso modelo constitucional de Democracia faz do Estado um informante por excelência, e que, por isso mesmo, tem que primar pela excelência da informação. Afinal, Democracia é mesmo o poder visível ou a face desnuda do Poder. O “como” se governa a preponderar sobre “quem” governa, conforme ressai dos luminosos escritos de Norberto Bobbio.


6. Aqui, no âmbito da Justiça Eleitoral, é de se ver que o pedido de acesso aos dados pertinentes a gastos com publicidade institucional da Administração Pública Federal, nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, não visa a outra coisa que não seja a fiscalização do cumprimento da própria legislação eleitoral. É que a Lei no 9.504/97, na seção destinada à previsão das condutas vedadas aos agentes públicos em período de eleição geral, estabelece:

“Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…)

VII – realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último imediatamente anterior à eleição.”

7. Ora bem, a fiscalização do cumprimento desse dispositivo legal somente é possível com o exame de toda a documentação atinente às despesas com a divulgação institucional dos feitos administrativos. Sendo competência do Tribunal Superior Eleitoral “tomar quaisquer providências que julgar convenientes à execução da legislação eleitoral” (inciso XVIII do art. 23 do Código Eleitoral), sobretudo quando formalmente provocada a se pronunciar. E formalmente provocada, como no caso, por agremiações partidárias. Justamente elas, pessoas coletivas que se postam ao lado do eleitor e dos candidatos como protagonistas centrais do processo eleitoral. Instituições essenciais à Democracia Representativa (inciso V do § 3o do art. 14 e art. 17 da Constituição), porquanto mediadoras ou pontes necessárias entre os eleitores e os candidatos a cargos eletivos de natureza política. Daí sua inafastável legitimidade para velar pelo fiel cumprimento de toda a legislação eleitoral.

8. In casu, o Exmo. Sr. Presidente da República, por meio do Advogado Geral da União, não cuidou de refutar essa legitimação processual ativa. Limitou-se a defender a tese de que tais informações eram de ser requisitadas à Subsecretaria de Comunicação Social, que, no seu entender, teria competência para tanto. Litteris: “Ante o exposto, requer o Presidente da República que seja intimada a Subsecretaria de Comunicação da Presidência da República, na pessoa de seu titular, a prestar as informações demandadas na petição inicial” (fls. 21).

9. Daqui se deduz que a controvérsia a ser desatada é a seguinte: informações alusivas a despesas de publicidade hão de ser requisitadas ao Exmo. Sr. Presidente da República, ou à Subsecretaria de Comunicação da Presidência da República? Penso que ao Presidente da República, pelo seu caráter jurídico de autoridade política. Não de instância de poder simplesmente administrativo, como se dá, agora sim, com a Subsecretaria de Comunicação da Presidência da República. Pois o certo é que a eleição geral é processo político, a envolver atores eminentemente políticos, como as agremiações partidárias, os candidatos e o eleitor-soberano (“a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto (…)”, é o que fala a Constituição em seu art. 14, caput).

10. Acresce que as informações requisitadas dizem respeito a toda a Administração Pública Federal. Não a essa ou aquela pasta ministerial. Não a determinado ente da Administração Indireta. O que interessa é conhecer o montante de todas as verbas de publicidade do Poder Executivo Federal como uma unidade incindível. E o fato é que nenhuma instância de poder encerra melhor essa unidade íntegra do que a figura do Presidente da República. Ele que é, no sistema presidencial de governo (com o auxílio dos Ministros de Estado, é certo), a autoridade que exerce “a direção superior da Administração Pública Federal” (inciso II do art. 84 da Constituição Federal). Além de chefe incontrastável de todo o Poder Executivo Federal, no âmbito de um modelo republicano que tem na responsabilidade pessoal dos governantes um dos seus próprios elementos conceituais.

11. É de se perguntar: se a lei eleitoral quer saber dos gastos de publicidade de toda a Administração Pública Federal, a quem imputar a autoria de eventual transbordamento dos quantitativos também legalmente fixados? Logicamente que tal imputação há de recair sobre a única autoridade que tudo chefia, na esfera do Poder Executivo da União, e essa autoridade é o Presidente da República. Quanto mais que publicidade dos feitos governamentais é matéria também de trato diretamente constitucional, imbricada que é com o princípio igualmente constitucional da impessoalidade, a teor do seguinte dispositivo:

“art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:


§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.”

12. Esse modo de equacionar o tema, assim na perspectiva de seu caráter entranhadamente político, parece-me que outra coisa não é senão colocá-lo no seu leito normativo primeiro e mais importante, que é a Constituição Federal. Constituição que faz da publicidade um dever de toda a Administração Pública, é verdade, mas de forma a preservar a intangibilidade do princípio da impessoalidade. E o fato é que, no cotidiano da Administração Pública brasileira de todos os níveis federativos, a publicidade se tornou escoadouro de grandes somas de dinheiro público e preocupante fator de condutas desviantes, a resvalar, não raras vezes, para a zona dos ilícitos administrativos, eleitorais e até mesmo penais. Tudo a sinalizar que a pessoal imputação do dever de informar ao Chefe do Poder Executivo, diretamente, cumpre o mister de verdadeira profilaxia jurídica. Até porque não se pode obscurecer o fato de que ele, Chefe do Poder Executivo, face mais perceptível do Poder e expressão mais saliente do Governo, é o principal beneficiário da reação positiva que a publicidade oficial busca introjetar na massa dos administrados.

13. Tudo medido e contado, não é por outra razão que este nosso TSE tem imputado a estratégia de propaganda institucional da Administração Pública à responsabilidade, justamente, do seu hierarca maior. Confira-se:

“Propaganda institucional estadual. Governador. Responsabilidade. Ano eleitoral. Média dos últimos três anos. Gastos superiores. Conduta vedada. Agente público. Art. 73, VII, da Lei nº 9.504/97. Prévio conhecimento. Comprovação. Desnecessidade.

1. É automática a responsabilidade do governador pelo excesso de despesa com a propaganda institucional do estado, uma vez que a estratégia dessa espécie de propaganda cabe sempre ao chefe do executivo, mesmo que este possa delegar os atos de sua execução a determinado órgão de seu governo.

2. Também é automático o benefício de governador, candidato à reeleição, pela veiculação da propaganda institucional do estado, em ano eleitoral, feita com gastos além da média dos últimos três anos.

Recurso conhecido e provido.” (grifei) (RESPE nº 21.307, Relator para o acórdão Ministro Fernando Neves).

14. Presente essa ampla moldura, sou pela procedência integral dos pedidos. Isso para o fim de requisição, ao Presidente da República, das informações sobre os gastos de publicidade nos anos de 2003, 2004, 2005 e 2006, até a presente data, em cada órgão da Administração Federal Direta e em cada entidade da Administração Indireta da União. Para o que assinalo à Sua Excelência o prazo de quinze dias.

15. É como voto.”

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