Limiar do crime

Dependência de droga pode ser atenuante para traficante

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29 de janeiro de 2006, 6h00

Se for comprovada a dependência química de um acusado de tráfico de entorpecentes, ele deve ser tratado como um doente e não como um criminoso comum. Isso é o que explica o juiz Flávio Horta. Ele suspendeu a audiência a que seria submetido Edmilson Ferreira dos Santos, o Sassá, conhecido traficante de drogas carioca, acatando aos argumentos de seu advogado de que o cliente é dependente químico.

O juiz suspendeu os trâmites processuais até a conclusão de laudo pericial sobre o acusado. Se a dependência química for constatada anterior à abertura dos processos criminais contra o réu, o laudo pode servir como prova de defesa para inocentá-lo ou reduzir sua pena.

Segundo o desembargador Antônio Ernesto Bittencourt Rodrigues, presidente do 2º Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de São Paulo, no caso de um traficante que é dependente, se ele for totalmente incapaz de saber o que estava fazendo, deve ser tratado como doente e não como criminoso. Já o traficante que é usuário e tem plena consciência do que faz deve ser tratado como criminoso.

Bittencourt Rodrigues afirma que a intenção da Lei 6.368/76 (Lei dos Tóxicos) é evitar o tráfico e o consumo, além de promover a recuperação dos viciados, mas todo caso deve ser analisado com a observação do dolo do acusado em conformidade com a lei.

Nas mãos do juiz

De acordo com o advogado criminalista Leonardo Sica, do escritório Ruiz Filho e Kauffman Advogados a lei não fixa um critério claro para diferenciar o traficante do consumidor. “A lei (Lei dos Tóxicos) prevê o porte e o tráfico. O usuário não é criminalizado”, afirma o advogado.

Sica acredita que, por isso, muitos usuários acabam sendo processados como traficantes. “Assim, um usuário acaba sendo enquadrado como traficante e sofrendo as penas da lei como tal. Tráfico é crime hediondo, sem liberdade provisória ou progressão de regime”.

O advogado defende que em muitos casos, o usuário fica nas mãos do juiz. “Há a analise do caso concreto, que depende de perícia, das circunstâncias da prisão, da quantidade de droga apreendida, dos antecedentes do acusado, mas principalmente da interpretação do juiz”.

Para o advogado, o assunto “droga” embute uma alta carga moral e uma grande dose de subjetividade. Assim, um juiz mais rígido e conservador, tende a adotar uma visão mais rigorosa, diferente da de um juiz mais progressista e liberal que seja a favor, por exemplo, da descriminalização do uso de drogas. “O usuário não é um problema da Justiça e o dependente é um problema de saúde pública”, afirma o advogado.

Alberto Silva Franco, desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, em seu livro “Crimes Hediondos” faz reflexão sobre o assunto:

“(…) A área de significado da palavra tráfico está vinculada às idéias de comércio, mercancia, trato mercantil, negócio e ainda negócio fraudulento, indecoroso. Uso indevido ou mero uso próprio não se equivalem à idéia-chave de tráfico ilícito(…)”.

Atenção ao dependente

Presidente do Conselho Federal de Entorpecentes, no governo Sarney, quando Saulo Ramos era Ministro da Justiça, o advogado Ronaldo Marzagão, acredita que o dependente de droga deve ser encarado como uma pessoa doente que precisa de tratamento e não como criminoso.

Marzagão defende um aprimoramento da Lei dos Tóxicos no sentido de regulamentar o diagnóstico e efetivo tratamento do dependente. “Um sujeito dependente precisa de atenção do estado para sua recuperação. A solução não é pegar uma pessoa dessa e colocar na cadeia”, afirma o advogado.

Segundo Marzagão, a lei 6.368/76 ampliou a tipificação do tráfico. Ele cita o artigo 12, onde fornecer droga, ainda que gratuitamente, é considerado tráfico. “Então, pela lei, um adolescente que dá um cigarro de maconha para um colega pode ser classificado como traficante. Evidentemente existe uma diferença entre um traficante profissional e este rapaz, que aos olhos da lei seria um traficante”.

O advogado explica que entre um caso e outro existe uma “zona cinzenta” da lei que acaba dependendo da subjetividade do juiz. “Cabe ao juiz aplicar a lei à realidade da vida e do caso concreto que ele está julgando, analisando perícia oficial, laudo médico, as circunstâncias em que o indivíduo foi encontrado com as drogas, a quantidade de droga, se o indivíduo tem profissão definida, entre outros elementos”, explica o criminalista.

Edmílson Ferreira dos Santos, o Sassá, está preso em Bangu I e é acusado de ser o chefe do tráfico no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro. Se for confirmado o diagnóstico de dependência química, poderá ser decretada sua internação para tratamento em estabelecimento de saúde judicial.

Conheça os principais artigos da Lei dos Tóxicos

Artigo 12, que trata do traficante: Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

Artigo 16, que trata do usuário: Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Artigo 19, que trata do dependente: É isento de pena o agente que em razão da dependência, ou sob o feito de substância, entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica proveniente de caso fortuito ou força maior era, ao tempo da ação ou da omissão, qualquer que tenha sido a infração penal praticada, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se, por qualquer das circunstâncias previstas neste artigo, o agente não possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

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