Não à mordaça

Punir jornalista que divulga dados de grampo é heresia jurídica

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26 de janeiro de 2006, 18h08

Noticia-se nos meios de comunicação prenúncio de eventual proposta do governo, em fase de estudo, para reformular a legislação de escuta telefônica e, entre as mudanças, está a possibilidade de punição de jornalistas que divulgarem o conteúdo dos grampos, ainda que realizados com autorização judicial.

No entanto, ao se confirmar essa iniciativa, padecerá no nascedouro de inconstitucionalidade, provando que os meios, ao contrário do que alguns pensam, comprometem os fins, o que passamos a demonstrar. A Lei 9.296/96 já prescreve que a responsabilidade da guarda do segredo de Justiça está afeta ao magistrado, ao Ministério Público, às autoridades policiais, às partes, aos servidores que tiverem acesso aos autos e aos técnicos das operadoras dos serviços de telefonia, isto é, a todos aqueles que direta ou indiretamente atuarem ou participarem da investigação. Nada mais lógico e justo.

Assim, se há vazamento do conteúdo dos grampos, partiu de alguma das pessoas que a lei restringe os dados obtidos no procedimento. A partir daí, enquadrar por via infraconstitucional o jornalista como co-autor do crime, seja por saber, divulgar os dados ou omitir a fonte, se consubstancia em evidente heresia jurídica, data maxima vêniab.

É imperioso assinalar que a Constituição Federal relativizou quase todos os princípios, limitando aqueles antes denominados de “absolutos” no fundamento da supremacia do interesse público sobre o privado. Entre eles, o sigilo das comunicações telefônicas nas hipóteses de inquérito policial ou processo penal, sempre com prévia autorização judicial, até porque assegurado ao acusado a presunção de inocência (art. 5º, XII e LVII).

A par disso, cumpre ter presente que a novel Carta, no mesmo artigo que excepciona o sigilo, extirpou a censura e assegurou o silêncio da fonte aos veículos de comunicação e jornalistas (incisos IX e XIV), reforçando em capítulo específico — “Da Comunicação Social” —, de expressamente vedar à lei conter qualquer dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, ratificando no próprio texto as garantias fundamentais que tanto protegem o acusado quanto a mídia (art. 220 e §1º).

Como se depreende da interpretação sistemática das referidas normas, a mitigação constitucional da censura e da liberdade de informação dos meios está na vedação do anonimato, no direito de resposta e eventual condenação ao pagamento de danos materiais e morais ao ofendido, ou ainda ação criminal por ofensa à sua honra, se comprovada judicialmente a não veracidade da notícia (incisos IV, V, X e XIII do art. 5º).

Neste contexto, criminalizar a pessoa do jornalista pela prática de qualquer ato no exercício do mister não resulta em harmonizar os princípios constitucionais pertinentes à espécie, mas notoriamente amordaçar aqueles a quem as normas protegem o direito/dever de informar os fatos à sociedade e resguardar o sigilo da fonte, prerrogativas inerentes e essenciais à profissão e princípio basilar à própria manutenção do Estado Democrático de Direito. Qualquer aventura jurídica nesta seara, ainda que sem finalidade instilatória, será em vão, porquanto nitidamente inconstitucional. Por fim, aqui vale rememorar adágio do poeta alemão, Friedrich Hebbel: “Há casos em que cumprir o dever é pecar”.

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