Composição do Supremo

Mesmo com origem política, ministros do STF são independentes

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26 de janeiro de 2006, 12h58

Com mais uma indicação pelo presidente Lula para o Supremo Tribunal Federal (em 19 de janeiro, o ministro Carlos Velloso foi aposentado compulsoriamente) e com especulações a respeito da possibilidade de mais duas indicações este ano (com as prováveis saídas dos ministros Nelson Jobim e Sepúlveda Pertence), aumentam as críticas sobre os possíveis indicados e, o que é inaceitável, surgem acusações de “aparelhamento” e “partidarização” do STF.

Tais críticas revelam, desde já, seu caráter político e ideológico, numa clara tentativa de impedir que o presidente Lula exerça sua prerrogativa constitucional de indicar nomes para o STF e desconsideram, de forma deliberada e interesseira, a própria história constitucional brasileira e a do Supremo Tribunal Federal, em particular.

Os ministros do STF, no sistema constitucional de freios e contrapesos adotado desde sempre na República, são indicados pelo presidente da República e seus nomes são aprovados pelo Senado. Em razão da natureza do tribunal (jurídico na função e constitucionalmente político), possuem um perfil que reflete, em maior ou menor grau, as posições políticas e ideológicas de quem indica. E não poderia ser diferente. Com efeito, a nossa Corte Suprema sempre contou, e ainda conta, com ministros que possuíam carreira política e partidária. Para comprovar a afirmação, citamos somente alguns expressivos exemplos, entre tantos existentes:

— Maurício Corrêa, senador pelo PDT e ministro da Justiça no governo Itamar Franco;

— Nelson Jobim, deputado federal pelo PMDB-RS e ministro da Justiça no governo FHC;

— Paulo Brossard, deputado estadual, federal e senador, sempre pelo MDB e, posteriormente, PMDB; foi também ministro da Justiça no governo José Sarney;

— Oscar Dias Corrêa, deputado federal pela UDN e ministro da Justiça no governo José Sarney;

— Adaucto Cardoso, vereador e deputado federal pela UDN; foi presidente da Câmara dos Deputados em 1966;

— Bilac Pinto, líder da bancada da UDN e presidente da Câmara dos Deputados em 1965;

— Aliomar Baleeiro, deputado estadual e federal pela UDN; exerceu diversos cargos no Poder Executivo da Bahia;

— Prado Kelly, deputado federal, presidente da UDN e ministro da Justiça no Governo Café Filho;

— Carlos Maximiliano, deputado federal e ministro de Estado no primeiro governo Getúlio Vargas;

— Evandro Lins e Silva, chefe do Gabinete Civil da Presidência no governo João Goulart e ministro das Relações Exteriores no mesmo governo;

— Victor Nunes Leal, chefe do Gabinete Civil no governo Juscelino Kubitschek;

— Hermes Lima, ministro de Estado de diversas pastas no governo João Goulart e presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro);

— Epitácio Pessoa, deputado, senador, ministro de Estado e presidente da República de 1919 a 1922.

Certamente, não se pode dizer que o Supremo Tribunal Federal tenha sido historicamente “aparelhado” pelos diversos governos que nomearam tais políticos para o cargo. Com exceções, os ministros, ainda que tenham origem político-partidária, historicamente revelam-se independentes em relação ao presidente que os indicou para o cargo e julgam tão-somente a partir de suas convicções jurídicas e políticas.

A pessoa indicada ao STF, uma Corte que julga as mais relevantes questões constitucionais e, assim, questões políticas por excelência, além de outras essenciais para a sociedade, certamente deve possuir posicionamentos jurídicos e políticos definidos, mais à esquerda ou à direita, mais progressistas ou conservadores, mais ousados ou mais retraídos, etc.. Próprio de um ministro do STF é seu perfil político-jurídico definido. A mais alta Corte do país não pode prescindir de nomes sob o falso pretexto de que possuem atividades políticas.

Ressalte-se a advertência: isso não significa que há ou haverá submissão aos interesses do governo ou obediência ao partido ao qual pertence o presidente que fez a indicação. Quem assim argumenta, em ato falho, demonstra o que pensa do STF e o que espera das indicações que fez e das que, eventualmente, fará.

O que se espera de um indicado para ministro do STF é que possua a qualificação exigida constitucionalmente para o cargo: notável saber jurídico e reputação ilibada.

Querer impedir que o presidente Lula indique pessoas que, embora possuam todas as qualificações constitucionais para o cargo, exerçam atividades político-partidárias é desconsiderar a natureza e a história do STF, e constitui veto de natureza ideológica que se revela inadmissível.

O presidente Lula indicou ministros que atendem aos requisitos constitucionais para compor a Corte. Embora não sejam condições necessárias, todos possuem o título de doutor em direito, são ou foram professores universitários, já publicaram livros e artigos jurídicos e possuíam atuações expressivas no meio profissional e acadêmico do Direito.

De diferentes escolas jurídicas, embora todos de vertente progressista, além de outras qualidades e características pessoais de cada um, Lula indicou um procurador da República e acadêmico (Joaquim Barbosa, com o fato histórico expressivo de ser o primeiro negro no STF), indicou um ilustre desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (Cezar Peluso), indicou um renomado e famoso jurista e professor da USP (Eros Grau) e indicou um advogado e acadêmico notável (Carlos Britto).

De todas as indicações, pode-se dizer que a que gerou mais críticas, embora em menor extensão do que as atuais, foi a do ministro Carlos Ayres Britto, pelo fato de ele ter sido filiado ao PT e candidato a deputado federal pela sigla em Sergipe. Esquecem-se os críticos agora, porém, que a atuação do ministro Carlos Britto, além de destacada do ponto de vista da consistência jurídica, tem sido das mais independentes, tanto em relação ao PT como em relação ao governo.

Cabe aqui citar, por exemplo, seus votos contrários ao ex-ministro José Dirceu nos mandados de seguranças em relação ao processo de cassação, o voto contrário ao governo no processo de licitação de poços de petróleo, o voto contrário ao governo no caso da competência do STF para julgar ações relativas à transposição do rio São Francisco, o voto pela inconstitucionalidade da lei de conversão da medida provisória que concedeu status de ministro de Estado ao presidente do Banco Central, o voto favorável à oposição no caso da instalação da CPI dos Bingos e o voto contra a intervenção federal nos hospitais do Rio de Janeiro, entre outros.

Porém, o ministro Britto possui um posicionamento progressista no que diz respeito a temas fundamentais, como reforma agrária, lei de crimes hediondos e antecipação de parto de feto anencefálico, por exemplo. Isto talvez explique as críticas dos conservadores em relação às nomeações promovidas pelo presidente Lula e a possibilidade de que volte a indicar pessoas com o mesmo perfil progressista.

O exemplo do ministro Carlos Britto demonstra, de forma cristalina e irrespondível, que o presidente Lula, em nenhum momento, buscou “aparelhar” ou politizar o Supremo Tribunal Federal. Demonstra, ao contrário, que o presidente Lula não busca indicar ministros em função de um “apoio” ao governo ou ao PT, mas sim em razão de um perfil adequado do ponto de vista constitucional e, naturalmente, progressista do ponto de vista jurídico e político.

Assim, fica evidente o real motivo daqueles que insistem em criticar “indicações políticas”: impedir, a partir de um discurso falacioso, ultrapassado e ideológico de “neutralidade” do STF, a livre indicação de ministro do STF pelo presidente Lula. Desconsidera-se, por completo, a natureza da Corte e a história constitucional brasileira. Submete-se a discussão sobre o possível indicado, que deveria ser feita a partir dos requisitos constitucionais, a interesses menores e sectários.

Desse modo, devem ser refutadas duramente todas as críticas acerca de uma “tentativa de aparelhamento” do STF. Deve ser denunciada a verdadeira censura política e ideológica feita a juristas integrantes de governos, de partidos políticos ou a parlamentares.

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  • Brave

    é mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, professor licenciado de Direito Constitucional do Uniceub-DF e analista judiciário do Supremo Tribunal Federal. Atualmente, exerce o cargo de assessor jurídico da liderança do PT na Câmara dos Deputados.

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