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Leia a decisão que liberou Grafite para jogar na França

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26 de janeiro de 2006, 17h21

O jogador Edinaldo Batista Libânio, o Grafite, anunciou nesta quinta-feira (26/1) que foi depositada a caução de US$ 3 milhões que o libera do contrato com o São Paulo Futebol Clube.

O depósito foi exigido em decisão judicial do juiz Marcos Neves Fava, da 89ª Vara do Trabalho de São Paulo, como condição para que o jogador fosse liberado do contrato com o clube paulista. Grafite irá jogar pelo Le Mans, da França.

Leia a íntegra da decisão

Processo: 01.04.120060890-2001

Visto.

Trata-se de ação de reclamação trabalhista, proposta por EDINALDO BATISTA LIBÂNIO contra SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE, pela qual se pretende a ruptura do contrato, por culpa do empregador, tendo sido a ela atribuído o valor de R$ 400.000,00.

Vêm, os autos, conclusos, ante o pedido de antecipação dos efeitos da tutela.

Passo a apreciar tal pretensão, inaudita altera pars.

1. Competência. Pedido de desfazimento do vínculo de emprego, com medida que assegure o efetivo exercício de trabalho é matéria que, iniludivelmente, se inclui na competência da Justiça do Trabalho. Conclusão que se tira, mesmo sem considerar a notória ampliação da competência desta Especializada, com o advento da EC 45 de 2004, porque se trata de postulação submetida aos efeitos do contrato de emprego. Ainda que assim não fosse, a expressão relação de trabalho, contida no caput do artigo 114 da Constituição da República, com a redação modificada em dezembro de 2004, atrairia o litígio para a sobra deste ramo da árvore do Poder Judiciário. Questionar o prévio exaurimento da via administrativa – a Justiça Desportiva1 é inócuo, de início, porque o direito de ação é amplo, como estabelece o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição da República2; e, finalmente, porque a Justiça Desportiva tem sua atuação prioritária apenas nas questões, verbis, relativas “à disciplina e às competições desportivas”. Neste sentido, já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho:

‘CAUSAS ESPORTIVAS DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – Os Tribunais Esportivos são entidades com competência para resolver questões de ordem estritamente esportiva. A matéria em questão envolve direitos de natureza trabalhista, sendo, portanto, esta Justiça Especializada competente para dirimi-los. Incabível a alegação de violação ao art. 217, da CF, por não abranger a hipótese prevista nos autos. Recurso de Revista não conhecido´ (TST – RR 493.704/1998 – 2ª T. – DJ 18.06.1999 – Rel. Min. José Alberto Rossi)

E não é diferente o entendimento doutrinário sobre o tema:

“Hoje, a matéria tem tratamento constitucional. Prevê o art. 217, § 1º, da Constituição de 88, que o Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da Justiça Desportiva regulada em lei. Pelo que se pode constatar, apenas as ações relativas à disciplina e às competições desportivas deverão ser discutidas na Justiça Desportiva, não lhe cabendo decidir as questões trabalhistas, cuja competência é da Justiça do Trabalho, por força dos artigos. 5º, XXXV e 114, da mesma Carta. Assim que o empregador ingressar na Justiça com a ação, torna-se preclusa a discussão de qualquer matéria na Justiça Desportiva. A instauração do processo na Justiça Desportiva não interrompe a prescrição.”3

2. Legitimação. O pedido exordial é formulado por empregador e se volta contra o empregador – documento 2, campo 17 – que vem incluído no pólo passivo, adequadamente, o que possibilita, à vista do requisito em análise, o conhecimento do pleito.

3. Possibilidade jurídica do pedido central. O centro do litígio identifica-se com a ruptura do contrato de emprego, que, motivada, encontra fulcro no artigo 4834 da C.L.T., e, imotivada, no inciso II do artigo 5º da Constituição da República. Possível, sob ambas as óticas, o pedido, juridicamente.

4. Análise da pretensão antecipatória. Antes da formação do contraditório, isento-me da apreciação das alegações que fundam o pedido de rescisão motivada do contrato, por culpa do empregador. Com efeito, a matéria envolve contenda incidente, que decorrerá da análise da natureza do contrato de imagem firmado entre as partes, por meio de pessoa jurídica de titularidade do reclamante. Exige, pois, apresentação dos argumentos de defesa.

Ocorre, no entanto, obrigatória a intervenção judicial, para assegurar o desligamento do atleta do clube, por força do artigo 33 da lei 9615, que se transcreve:

“Cabe à entidade nacional de administração do desporto que registrar o contrato de trabalho profissional fornecer a condição de jogo para as entidades de prática desportiva, mediante a prova de notificação do pedido de rescisão unilateral firmado pelo atleta ou documento do empregador no mesmo sentido, desde que acompanhado da prova de pagamento da cláusula penal nos termos do artigo 28 desta Lei”.

Vale dizer, embora tutelado por normas gerais do regime legal dos trabalhadores, os atletas profissionais não têm, como acontece com os demais operários, o livre condão de rescindir seu contrato, unilateralmente, quando questionável a conduta do empregador, por simples abandono do cumprimento das regras contratuais, porque, assim procedendo, não teria condições de jogo, reconhecida pela entidade desportiva nacional. Resume-se: tendo motivos para deixar o contrato por culpa do empregador, o atleta não pode fazê-lo, para aguardar o pronunciamento jurisdicional confirmatório da mesma culpa, porquanto ficaria, até lá, impedido de exercer sua profissão.

E a garantia constitucional ao trabalho é nítida como o este dia de sol que hoje experimentamos – fato raro no poluído céu de São Paulo: “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”5.

Havendo motivo justo para a rescisão contratual, ou o atleta a estes renuncia, pagando a multa convencionada, para obter condição de jogo, ou aguarda, sem exercer seu mister laboral, até que sobrevenha a sentença de mérito – e, que tal sentença transite em julgado! – sem trabalhar. Esta não é uma alternativa, porque violenta a norma constitucional já mencionada.

Comprova o atleta – documento 11 – que dispõe de proposta de trabalho no exterior, no clube Le Mans de Paris, França, para início imediato, em 31 de janeiro de 2006.

Forma-se, assim o binômio verossimilhança da alegação – que, no particular, coincide com a possibilidade jurídica da rescisão, quer motivada, quer imotivada – e risco de dano irreparável – que, no caso vertente, confirma-se pela urgência na aceitação da proposta de trabalho do clube francês.

5. Condições contratuais de ruptura antecipada. Como já assinalado, nesta decisão fundada em análise perfunctória dos argumentos, não se tangenciará as causas para ruptura motivada do contrato de trabalho. Em razão desta premissa, mister perscrutar a normatização contratual para rescisão da avença.

Referida regra extrai-se do documento 3, “cláusulas extras”, importando, a cláusula penal, em U$ 3,000,000.00 (três milhões de dólares americanos).

6. Garantia, mediante caução, para reversibilidade da medida. Das ponderações até aqui expendidas, extrai-se possível a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, mas, para assegurar o requisito incidental da reversibilidade da medida, exigido pelo artigo 273, parágrafo 2º do código de processo civil6, mister que o reclamante preste caução idônea. Fiança bancária é caução idônea7, como se assentou pela OJ 59 da SDI-2 do Tribunal Superior do Trabalho: “Mandado de Segurança. Penhora. Carta de Fiança Bancária. A Carta de Fiança Bancária equivale a dinheiro para efeito da gradação dos bens penhoráveis, estabelecida no art. 655 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”. A entidade bancária há de ter sede ou agência no país, para que se torne robusta a garantia, frise-se, do Juízo, porque enviar o reclamado para execução de uma carta de fiança bancária mediante carta rogatória é inverter o risco de dano irreparável ou de difícil reparação. Não há evidências, nos autos, de que o Banque Popularie de L’Ouest tenha agência, sede, filial ou mesmo escritório no Brasil, o que torna imprestável a fiança ofertada.

7. Decisão. Do todo exposto, convencido da verossimilhança da alegação e do risco de dano irreparável, concedo antecipação dos efeitos da tutela de mérito requerida por EDINALDO BATISTA LIBÂNIO contra SÃO PAULO FUTEBOL CLUBE, para declarar a ruptura do contrato de trabalho havido entre as partes em 24 de janeiro de 2006, e, tão logo depositada caução idônea no importe de U$ 3,000,000.00 (três milhões de dólares americanos), expedir ofício à Confederação Brasileira de Futebol – CBF – que será encaminhado pelo próprio reclamante, para que esta entidade tome as providências cabíveis, em 24 horas, suficientes a garantir condição de jogo do reclamante em agremiações nacionais ou internacionais. A omissão, além de implicar desobediência à ordem judicial e, por isto, atrair as conseqüências penais pertinentes, será punida com multa diária de 20% do valor caucionado nos autos, até cumprimento efeito da medida – artigo 461, parágrafo 4º do código de processo civil, valor devido até o limite de que trata o artigo 412 do código civil, fixado, para clareza, com o importe total da cláusula penal do contrato de trabalho (U$ 3,000,000.00).

8. Ciência à reclamada. Notifique-se a reclamada da audiência designada para 29 de março de 2006, às 10:40, oportunidade da defesa, encaminhando-lhe, no mesmo ato, cópia da inicial e desta decisão.

9. Intimem-se.

SP, 24 de janeiro de 2006

Marcos Neves Fava

Juiz do Trabalho Substituto

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