Indicação ao Supremo

É melhor fazer sistema de escolha para STF funcionar do que mudar

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25 de janeiro de 2006, 6h00

Está em curso o debate sobre o modo de provimento dos cargos de ministro do Supremo Tribunal Federal. Já existe inclusive um projeto de emenda constitucional que tende a restringir a ampla liberdade dada ao presidente da República para fazer a indicação. A Constituição prevê que os ministros do STF sejam nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

Tudo decorre, na verdade, de um fato recente: o anúncio da iminente saída, por razões diversas, de alguns dos atuais ministros, o que daria ao presidente Lula, consideradas as nomeações já feitas por ele até agora, o privilégio incomum de compor, na prática, a maioria da Suprema Corte.

A pergunta que tem sido feita é a seguinte: haverá risco de abalo à independência da Corte Suprema e do próprio Judiciário se restar concentrado nas mãos de um único presidente o poder de indicação da maioria dos juízes?

A resposta a esta indagação não é singela. Se é válida a premissa de que há um risco para o equilíbrio dos poderes, diante da coincidência de várias sucessões de cadeiras no STF durante um mesmo mandato presidencial, por que a atual Constituição — e bem assim as constituições anteriores — já não teriam estabelecido um sistema diferente e mais controlado? A premissa, como se vê, não é necessariamente correta.

Na minha opinião, ao invés de mudar o que já existe — e correr o risco provável de mudar para pior —, é mais razoável esperar que os ritos políticos de indicação, aprovação e nomeação se cumpram efetivamente e se completem.

O processo de nomeação é um processo de natureza política, já que os juízes do STF não integram qualquer tipo de carreira no serviço público, como ocorre, a contrário senso, com os juízes das instâncias ordinárias. Por esta razão, é indispensável que o Senado faça uma avaliação profunda e efetiva da indicação. Nesta atuação, o Senado é governo e exerce funções executivas de governo, compartilhando-as com o presidente. É legítimo esperar, inclusive, que o Senado exerça a tarefa de recusar a indicação se ela se mostrar equivocada do ponto de vista do interesse republicano e institucional, mesmo que se trate de alguém possuidor de notável saber jurídico e reputação ilibada.

Nos Estados Unidos, não é incomum a recusa pelo Legislativo de indicações judiciais feitas pelo chefe do Executivo. George Washington, o líder da independência e primeiro presidente dos EUA, teve, ele próprio, recusada pelo Senado americano uma indicação que fez para a Suprema Corte. O candidato John Rutlege, segundo conta a história, era qualificado, já exercia funções judiciais e havia sido inclusive um dos convencionais que escreveram a Constituição, mas foi mesmo assim rejeitado pela maioria dos senadores porque se opusera ao tratado de paz com o Reino Unido.

Durante os dois séculos seguintes, muitas indicações presidenciais para a Suprema Corte dos Estados Unidos foram recusadas no Senado por inúmeras e variadas motivações. Entidades e organizações reconhecidas como representativas da sociedade civil participam ativamente e influenciam as decisões do presidente e dos senadores. Dentre as motivações de recusa, sobressaem o comprometimento excessivamente ideológico ou partidário do candidato, que atingiram indiscriminadamente democratas e republicanos, liberais e conservadores.

George W. Bush, o todo-poderoso presidente atual, detendo a maioria republicana nas duas casas do Congresso em boa parte do primeiro mandato e durante todo o mandato em curso, nem assim vem conseguindo emplacar a totalidade das suas indicações para vagas de tribunais federais. Mais do que isso: teve de amargar a retirada de uma indicação que fez para a Suprema Corte, no final do ano passado, em face da resistência de entidades da sociedade civil e, principalmente, porque o Senado sinalizou a virtual recusa daquela que havia sido nomeada pelo presidente.

No momento em que escrevo, o juiz federal Samuel Alito, que foi indicado em substituição àquela frustrada nomeação, vem sendo duramente combatido pelos principais líderes democratas no Senado americano por meio de uma rigorosa sabatina. O interrogatório dos senadores já ocupou uma boa parte deste mês de janeiro e o indicado ainda não conseguiu, apesar de suas inegáveis qualidades pessoais como jurista, receber o sinal verde para assumir a cadeira que lhe foi acenada pelo presidente.

Se é possível resumir o modo de atuação do Senado dos Estados Unidos em face de indicações do presidente para a Suprema Corte, pode-se afirmar que ele tende, independente de quem detenha a maioria ocasional, a rejeitar os chamados “ideológicos” e a buscar alguém que mostre capacidade para comprometer-se com os valores fundamentais do país na tarefa de interpretar e aplicar o direito.

Como adotamos aqui o mesmo modelo e a mesma sistemática para prover os cargos de ministro do nosso Supremo Tribunal Federal, não faríamos mal se adotássemos práticas políticas semelhantes na análise do acerto ou do desacerto da indicação feita pelo presidente.

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