Mal da sociedade

Repressão à pirataria no Brasil deixa muito a desejar

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  • Isabel Franco

    é sócia do Demarest e Almeida Advogados e membro do Conselho de Administração da Amcham — Câmara Americana de Comércio.

19 de janeiro de 2006, 6h00

Um dos temas mais importantes na pauta nacional é o combate à pirataria. As suas conseqüências têm sido catastróficas, gerando desde a perda de empregos à sonegação de impostos, a subtração de lucros legítimos e o desestímulo à criação, com danos à economia, cultura e arte. A luta contra o crime no Brasil tomou forma em meados de 2001, com a criação do Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, baseado no conceito de que o problema é um fenômeno social e sua solução seria a educação da sociedade. Entretanto, por vários motivos, primordialmente pela ausência de participação do setor privado, o colegiado não logrou êxito.

Em 2003, instituiu-se a CPI da Pirataria que, ao pesquisar os danos, explorou diversos segmentos, como software, audiovisual e industrial, e confirmou a relação entre a prática e máfias internacionais responsáveis por crimes ainda maiores, como o tráfico de drogas e contrabando. Em seguida, o governo criou o CNCP — Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra a Propriedade Intelectual. Com esforços conjuntos do setor público e da sociedade civil, o novo organismo instituiu o “Plano Nacional de Combate à Pirataria”, que compreende 99 medidas no âmbito dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Atuando nas esferas federal, estadual e municipal, a iniciativa visa a educar a população sobre as conseqüências do delito e elaborar soluções econômicas que ajudem na sua erradicação.

O CNCP já propiciou resultados positivos, inclusive com a criação de grupos de trabalho, inspirando importantes apreensões e confiscos de produtos piratas, especialmente na região fronteiriça com o Paraguai e Uruguai. De acordo com dados do CNCP, a pirataria movimenta R$ 56 bilhões ao ano e, em 2004, eliminou dois milhões de empregos formais, enquanto o governo deixou de arrecadar R$ 8,4 bilhões em impostos, representando cerca de 0,5% do PIB brasileiro. No mesmo ano, as indústrias brasileiras prejudicadas pelo crime da cópia ilegal perderam faturamento de R$ 30 bilhões, num claro desestímulo aos investimentos.

A repressão contra esse crime ainda deixa muito a desejar, mas já são louváveis as iniciativas das autoridades governamentais. No ano de 2004, ocorreram mais de 650 operações policiais e cerca de 169 prisões. Milhões de outras mercadorias falsificadas, como CDs e DVDs, tênis e bolsas, bebidas e cigarros, também têm sido apreendidas. Até junho de 2005, as apreensões de CDs piratas chegaram a 10,6 milhões de unidades, prendendo-se mais de 250 pessoas. Em janeiro do mesmo ano, as apreensões de contrafeitos na tríplice fronteira aumentaram em 92%. Estima-se que, somente em maio de 2005, foram apreendidos US$ 20 milhões em mercadorias falsificadas, equivalentes a um terço das apreensões de 2004, que totalizaram US$ 33,5 milhões.

Não se pode justificar a pirataria apenas pelo problema social do desemprego. Afinal, ao se prestigiar a cópia ilegítima, desrespeita-se todos aqueles que criaram o original, se dedicaram ao processo criativo que emprega pesquisadores e idealizadores e participaram da extensa cadeia de profissionais de fabricação, marketing e vendas.

Ilude-se quem acredita que a pirataria pode ser criadora de empregos para os menos privilegiados brasileiros. É fato que a maioria dos produtos contrafeitos consumidos no país é produzida além das nossas fronteiras, em locais tão longínquos como a China ou tão próximos como a Bolívia. Centenas de empreendimentos brasileiros fecham anualmente por não suportar a concorrência desleal dos produtos importados ilegalmente.

Pior para a nação talvez seja o dano que a pirataria causa à sua imagem no exterior e na sua relação com o mundo. Além de estremecer a credibilidade do país, esse crime pode ter conseqüências ainda mais nefastas para a economia. Os Estados Unidos ameaçam o Brasil com uma retaliação comercial ainda este ano, excluindo-o do SGP — Sistema Geral de Preferências, caso não percebam avanços no combate àquele delito.

Porém, a guerra contra a pirataria está longe de ser vencida. Ainda existem incontáveis produtos falsos em nossas ruas, causando diariamente perdas enormes. O contrafeito é uma ameaça real à competitividade e à economia nacionais. É imperioso que repudiemos este crime covarde e rejeitemos sua banalização.

(Este artigo foi publicado originalmente no jornal Valor Econômico)

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