O adeus de Velloso

Entrevista: ministro Carlos Velloso

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19 de janeiro de 2006, 9h13

O aniversário que o ministro Carlos Velloso comemora hoje, não será dos mais festivos. Em vez de comemorar, o ministro lamenta que por atingir 70 anos, tem de deixar a vaga no Supremo Tribunal Federal que ocupa há quase 17 anos, apesar do “vigor e da disposição para o trabalho”.

A carreira de Velloso, de certa forma, sintetiza a trajetória do juiz brasileiro, com suas alegrias, angústias e frustrações.

Nesta entrevista à revista Consultor Jurídico, Velloso relembra fatos marcantes de sua carreira na magistratura, comenta as transformações de postura e de atribuições do Supremo, e revela algumas intimidades da cúpula do Judiciário Brasileiro, como o fato de que a aparente cordialidade entre os ministros esconde cotoveladas que só os iniciados percebem. “Se há divergência é porque há discussão. Como dizia Nélson Rodrigues, a unanimidade é burra”, explica.

Nomeado juiz do antigo Tribunal Federal de Recursos pelo presidente Ernesto Geisel (1977), Velloso foi levado pelas transformações propostas na Constituição de 1988 para o novo Superior Tribunal de Justiça e, por escolha de Fernando Collor, chegou ao Supremo em 1990.

Em três ocasiões foi também ministro do Tribunal Superior Eleitoral, o que o transformou em um especialista em legislação eleitoral. Sua última missão no Judiciário foi uma proposta de resolução para coibir o caixa 2 nas campanhas eleitorais: “Caixa 2 é coisa de malfeitor”, diz o a partir de hoje ministro aposentado. “Temos de fazer tudo para coibir esta prática”.

É possível que Velloso aproveite os próximos dias para uma viagem de descanso. Depois promete voltar à ativa como advogado. “Para dar parecer, prestar consultoria”. Quer também retomar a carreira de professor de Direito Constitucional, que exerceu antes de se tornar ministro na PUC e na Universidade Federal de Minas Gerais. Pretende continuar morando em Brasília e seguir praticando o seu esporte preferido: o tênis.

Leia a entrevista

ConJur — O que o senhor acha de se aposentar compulsoriamente por atingir a idade limite de 70 anos, sabendo que tramita no Congresso uma lei que estende este limite para 75 anos?

Carlos Velloso — Acho a aposentadoria compulsória aos 70 anos um luxo. De uma feita, na Suprema Corte norte-americana, contei que no Brasil, o juiz de qualquer instância tem de se afastar com essa idade. Um dos juizes mais antigos da Suprema Corte, beirando os 80 anos, disse uma frase que considerei irônica e com ela concordei: “Isso é coisa de país rico”. Porque é um luxo, não é?

Considero um luxo, tendo em vista o meu caso e, por exemplo, a saída dos ministros Moreira Alves, Sydney Sanches, Néri da Silveira, Ilmar Gavão. O Maurício Corrêa teve que sair e tornou-se candidato forte ao governo do Distrito Federal, está aí trabalhando ativamente. O ministro Paulo Brossard se retirou há mais de dez anos, no vigor da sua inteligência, sua capacidade física e está trabalhando até hoje, com mais de 80 anos. Então, eu estou saindo com muito vigor, com muita disposição para o trabalho. Tanto que não vou parar.

ConJur — O senhor vai fazer o quê depois?

Carlos Velloso — Uma pessoa muito amiga me disse: “Você não deveria tomar a decisão agora. Deveria sair, passear um pouco, descansar, fazer uma viagem internacional longa”. Quem sabe faça isso? Há alguns convites, mas estou me direcionando para a advocacia. Não a advocacia intensa, mas a de pareceres, consultoria jurídica. Sempre fui professor, então quero me dedicar também ao magistério. Estou considerando convites de universidades e institutos privados. Ainda não me decidi. São todos convites para ou coordenar ou lecionar em cursos de pós-graduação.

ConJur — Em qual área o senhor gostaria de lecionar?

Carlos Velloso — A minha área é o Direito Público. Eu me aposentei na UnB (Universidade de Brasília) como professor titular na área de Direito Público — Direito Constitucional, Administrativo, Tributário. Essa é a área a que eu mais me dediquei. Além do eleitoral por força do trabalho aqui [no Tribunal Superior Eleitoral].

ConJur — Quais as crises mais agudas que o senhor enfrentou em sua passagem pelo Supremo e pelo antigo Tribunal Federal de Recursos.

Carlos Velloso — Ingressei na Magistratura em 1967, na Justiça Federal. A Justiça Federal sempre esteve no vórtice das questões de interesse do governo. Então, eu tive alguns episódios, quer como juiz, e, principalmente, como ministro do antigo Tribunal Federal de Recursos. Eu me lembro que era juiz federal e estava na lista tríplice para concorrer à vaga de ministro do antigo TFR. Na época atuava como juiz convocado no mesmo TFR, substituindo um membro efetivo. Surgiu um julgamento importantíssimo, na turma. Um ministro votou contra os interesses do governo, e o segundo juiz, votou a favor, ambos com argumentos jurídicos sérios. Eu pedi vista. Estudei e avaliei que o entendimento correto era do primeiro juiz que votara contra os interesses do governo. Era presidente da Republica o general Geisel. Bom, dei o voto e falei: “Vou me despedir do Tribunal”. Mas tive uma surpresa muito grande. Depois que fui nomeado, soube que o ministro de Estado mais diretamente envolvido naquela questão foi ao presidente e disse: “Este juiz que está em lista é que azarou o governo”. O presidente olhou para ele e falou: “Ele está em lista e votou assim? Pois então, é ele que vou nomear, porque hoje eu estou no governo e amanhã estou fora, e posso precisar de um juiz”. Interessante, não é ? Isto eu estou revelando hoje pela primeira vez. Foi muito significativo na minha vida. Estimulou-me a sempre votar de acordo com a minha ciência e com a minha consciência. Já para o Supremo eu fui nomeado pelo presidente Collor e por essas coisas do destino, acabei sendo relator dos mandados de segurança que o presidente impetrou quando do impeachment. Inicialmente tive vontade de me afastar, de me dar por impedido. Mas, pensei: “Como fico eu diante da minha consciência?” Porque, nós todos temos um Tribunal que não podemos enganar, que é o tribunal da nossa consciência. Eu pensei: “Como vou ficar diante do Tribunal de minha consciência? Estou me afastando por covardia? Preconceito?” Não me afastei. Tive de votar contra os interesses do presidente que me nomeou, e ao qual era grato. Mas continuei votando de acordo com a minha ciência e minha consciência.


ConJur — Como é o trato entre os ministros no dia-a-dia já que os senhores têm que conviver muito tempo? Como administram esta convivência?

Carlos Velloso — Em primeiro lugar, no Supremo sempre houve uma tradição: nenhum ministro comenta com o outro o seu ponto de vista, a sua idéia, o seu voto. Aliás, isso foi ressaltado pelo ministro Paulo Brossard. Naquela época todos os ministros morávamos no mesmo prédio, na [Superquadra Sul] 313. Eu continuo morando lá, mas hoje já há moradores que não são da magistratura. Naquela época, éramos todos ministros do Supremo. Nunca um ministro foi ao apartamento do outro dizer que ia votar dessa forma, qual a sua opinião. Há um total respeito pelo que está pensando o meu colega. E eu tenho certeza, por exemplo, que se algum interpelasse a respeito de uma forma que iria votar, receberia um chega para lá. Felizmente foi esse o ambiente que eu encontrei no Supremo Tribunal Federal, que, aliás, devo declarar que esse foi o ambiente que eu encontrei, também, no antigo Tribunal Federal de Recursos e no Superior Tribunal de Justiça no ano e meio que ali militei.

ConJur — O Supremo detêm uma parcela considerável de poder que é exercido pelos ministros. Não há uma disputa de poder também entre os ministros, que também são seres humanos e seres políticos?

Carlos Velloso — Não há. Todos temos as mesmas prerrogativas, os mesmos direitos. E chega-se ao Supremo com uma certa idade em que a sensatez deve ser determinante.

ConJur — Como é que se digere situações como essa recente em que as iniciativas do TSE foram consideradas “extravagantes” por um ministro [em entrevista ao jornal Globo o ministro Marco Aurélio considerou extravagantes as iniciativas do TSE para coibir o caixa dois nas eleições de 2006]?

Carlos Velloso — O Globo me telefonou e eu disse: “Não tem importância”. Aliás, o ministro Marco Aurélio gosta sempre de ser do contra, o que não tem importância. Nelson Rodrigues já dizia “A unanimidade é burra”. Isso para mim não tem a menor importância. Já está adiantando uma posição [sobre a possibilidade de eventual julgamento pelo pleno do TSE sobre a resolução adotada para coibir o caixa dois]. Realmente eu acredito nessa sentença do Nelson Rodrigues. Quando não há unanimidade quer dizer que está se discutindo, que se discutiu, que a coisa não foi posta e aceita sem mais.

ConJur — Episódios dessa natureza não criam constrangimento?

Carlos Velloso — Não, para mim não. Principalmente quando se sabe que o ministro Marco Aurélio gosta de ser do contra.

ConJur — Está no Congresso uma Proposta de Emenda Constitucional para mudar a forma de escolha dos ministros do Supremo. O senhor acha que é positiva essa discussão?

Carlos Velloso — Eu não acho que a forma adotada hoje seja ruim, porque as escolhas têm sido boas. O presidente da República medita bem. Se ele nomear um nome ruim, isso suja a biografia dele. Não me ponho radicalmente contra a forma de nomeação. Agora, se querem mudar, eu tenho apresentado já uma proposta. Seria assim: ocorrendo uma vaga no Supremo Tribunal Federal, as faculdades de direito integrantes de universidades, não isoladas, seriam chamadas a escolher cada uma delas dois professores com mais de 20 anos de magistério. Os tribunais superiores cada um deles escolheria dentre os seus juizes, dois nomes. Os tribunais de Justiça, agrupados por regiões — Norte, Nordeste, Centro-oeste, Sudeste, Sul — escolheriam dois. Teríamos dez desembargadores.. Os TRF, idem, escolheriam dois. A Ordem dos Advogados do Brasil escolheria dois advogados O Ministério Público Federal, dois nomes. Os ministérios públicos estaduais, por região, escolheriam dez, portanto. Então, eu falei em tribunais, Ministério Público, OAB, faculdade. São uns 40 nomes que seriam remetidos ao Supremo Tribunal Federal. O STF reduziria aqueles nomes a seis, a uma lista sêxtupla e remeteria essa lista ao presidente da República. O Presidente da República escolheria um nome dentre esses seis e mandaria ao Senado para que o Senado aprovasse ou não. E esses órgãos que fizessem escolha dos candidatos poderiam participar no Senado da sabatina do candidato. Eu penso que, com isso, teríamos uma escolha racional, todos os três Poderes teriam participado e teríamos uma escolha extremamente democrática.

ConJur — O senhor acha que está faltando juiz no STF?

Carlos Velloso — Juiz de carreira mesmo agora é o [Cezar ] Peluso. Não seria adequado eu como presidente do TSE dizer ao presidente da República como ele deve agir, mas se fosse eu, eu pensaria no nome de um magistrado. Não quero, com isso, desmerecer alguns nomes muito bons que tem aparecido, inclusive, das professoras Carmen Lúcia [Antunes Rocha, procuradora da República] e Misabel [Abreu Machado Derzi, chefe da Procuradoria-Geral da prefeitura de Belo Horizonte]de Minas Gerais, as quais são minhas amigas e são pessoas de altíssimo nível.


ConJur — O que o senhor acha de o Supremo ficar só como Corte Constitucional?

Carlos Velloso — Penso que é hora de fazer do Supremo Tribunal Federal a autêntica Corte Constitucional. Mas não nos moldes dos tribunais constitucionais europeus. Porque os Tribunais Constitucionais europeus não fazem controle difuso de constitucionalidade. É só o concentrado. Se um juiz alemão, por exemplo, entende que uma norma é inconstitucional, ele não decide, ele manda para o Corte Constitucional. A Corte então decide e retorna para ele. Vocês já imaginaram se isso fosse no Brasil. Aí é que a Justiça não andaria mesmo. Acredito muito no controle difuso, que temos há mais de cem anos no Brasil. Você imagine que em qualquer rincão deste país há um juiz. Diante de uma violação de um direito constitucional, esse alguém bate as portas desse juiz e esse juiz pode resolver na hora. O controle difuso é absolutamente necessário. Mas, como então fazer do Supremo Tribunal Federal uma autêntica Corte Constitucional sem abrir mão do controle difuso? O Supremo Tribunal Federal ficaria com duas competências apenas. Primeiro, julgar no controle concentrado as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, as Ações Declaratórias de Constitucionalidade e as Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental. E como ficaria o controle difuso? O controle difuso terminaria praticamente nos tribunais Superiores: STJ, TST, TSE, STM. Mas haveria, ainda, a possibilidade do recurso extraordinário ao STF. Apenas em duas hipóteses: se o Tribunal Superior declarasse a inconstitucionalidade de uma lei ou se decidisse contrariamente ao entendimento da Corte Constitucional.

ConJur — O STF teria então sua competência restringida?

Carlos Velloso — O Supremo acaba se transformando em Tribunal de pequenas causas, sucursal de Juizado Especial. Isso não é próprio de Corte Constitucional. Não julgaria, portanto, Habeas Corpus, Mandado de Segurança contra TCU, não julgaria extradição. As ações penais originárias seriam restritas ao chefe de Estado, seus membros. As demais seriam do STJ, que a Constituição diz que conterá no mínimo 33 ministros. Quer dizer, pode crescer o número e especializar por salas como é nas cortes de cassação italiana e francesa. Ficaria a Corte Constitucional com tempo para apreciar as magnas questões constitucionais do país, as políticas públicas que são votadas pelo congresso e que são levadas ao Supremo através das Ações Diretas de Inconstitucionalidade. Então, eu acho que assim teríamos uma verdadeira Corte Constitucional.

ConJur — Nesse tempo que o senhor esteve no Supremo houve uma grande transformação no papel da Corte?

Carlos Velloso — Houve, sem dúvida nenhuma. A Constituição de 1988 ampliou realmente a competência do poder Judiciário. É a mais democrática das Constituições que tivemos. Então, o acesso à Justiça e o acesso ao Supremo Tribunal Federal foi facilitado. A Ação Direta de Inconstitucionalidade, até então, só era promovida pelo procurador-geral da República. A Constituição de 1988 fez do Ministério Público quase um poder, conferiu-lhe independência. O seu chefe, o procurador-geral, promove a Ação Direta de Inconstitucionalidade tendo em vista também a sua ciência e a sua consciência. Mas não ficou só nisso a Constituição. Ela ampliou o leque de autoridades e até entidades privadas que podem promover a ação direta. Pois bem, criou em 1993 a Ação Declaratória de Constitucionalidade, criou a Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental que somente a passou a ter vigência a partir de 1999. Isso quer dizer que as grandes propostas de políticas públicas passam pelo Supremo Tribunal. Além do procurador-geral que tem a maior independência para entrar com Ação Direta de Inconstitucionalidade, também podem fazê-lo os partidos políticos, os governadores de estado, as entidades de classe com caráter nacional, as confederações sindicais. Se uma lei contém uma política pública contrária, por exemplo, aos interesses da confederação nacional da indústria, do comércio ou dos transportes, a entidade entra com a ação.

ConJur — Com isso o Supremo não está assumindo também um papel legislativo?

Carlos Velloso — Não, ele está agindo como Corte Constitucional. Por isso mesmo é preciso retirar aquelas competências que não são da Corte Constitucional: para que ele possa se dedicar a essas magnas questões. Eu queria dar um exemplo, a questão da Cide que vocês me perguntaram. Quem entrou com essa ação? Foi a Confederação Nacional do Transporte, CNT, porque é pertinente. Veja que o raio de ação do controle concentrado foi amplamente ampliado. Por isso as políticas públicas acabam passando pelo Supremo Tribunal Federal e isso é correto, porque é preciso respeitar a Constituição, é preciso fazer com que seja cada vez mais protegida.


ConJur — Ultimamente tem-se falado muito no papel político do Supremo. Há esse papel político?

Carlos Velloso — Exatamente está nisso o papel político. Toda corte que decide da inconstitucionalidade de uma lei que contém, por exemplo, uma política pública, está exercendo papel político. Político no sentido grego da palavra, não no sentido de política partidária — esta há de ficar sempre distante das casas judiciárias, dos tribunais.

ConJur — A comentada candidatura do presidente do Supremo à presidência da República se encaixaria no caso de política partidária?

Carlos Velloso — Não. Primeiro que eu não acredito que isso esteja ocorrendo. Segundo que eu posso dar este depoimento, eu dou este testemunho. O comportamento do ministro Jobim é um comportamento correto, sério, digno. Eu nunca presenciei um fato, uma atitude do ministro Jobim que ficasse em desacordo com o comportamento ético do magistrado. O que acontece com o ministro Jobim é que, tendo ele vindo do parlamento, é mais solto do que, por exemplo, eu, que vim da magistratura. Isso é natural. Esse temperamento mais solto, de falar coisas com mais desenvoltura do que um juiz de carreira, é que tem gerado isso.

ConJur — O senhor avalia que as medidas propostas pelo Tribunal Superior Eleitoral são suficientes para terminar com o clima de bandalheira que estava se instalando na questão eleitoral?

Carlos Velloso — Caixa 2 é coisa de malfeitor. Nós estamos fazendo tudo para coibir esta prática. A portaria conjunta que assinamos com a Receita Federal, a requisição que estamos fazendo de servidores do Tribunal de Contas da União, tudo isso vai nos ajudar. Os termos dessa resolução que o Tribunal deve votar e deve aprovar, salvo o voto vencido do ministro Marco Aurélio. — perdão! Vencido, não. Não sei como é que o Tribunal vai decidir — mas que já deve contar com o voto contrário do meu colega. Isso tudo estamos fazendo para afastar, na medida do possível, a possibilidade da ocorrência desses atos de corrupção. A resolução que será votada pelo Tribunal apresenta uma série de medidas. Eu espero que o Tribunal aprove — eu já não estarei aqui, mas até o último dia estarei lutando pela adoção de medidas que tornem cada vez mais limpas as eleições. Porque essas atitudes geram desequilíbrio. O candidato honesto fica prejudicado. Quer dizer, viola-se com essas atitudes criminosas o principio de igualdade, o principio isonômico.

ConJur — Em favor do desonesto.

Carlos Velloso — Em favor do desonesto. Eu não sei se essas medidas eliminarão esse mal. Só sei que essas medidas vão dificultar ao máximo a prática dessas atitudes de criminosos.

ConJur — O senhor falou também que queria começar a pensar na questão da propaganda eleitoral.

Carlos Velloso — Pedi propostas a alguns membros da comissão. Essa comissão é presidida por um ministro do Tribunal Superior Eleitoral (o ministro Fernando Neves). Uma comissão, como falei, de alto nível com professores universitários do melhor nível, ex-ministros da casa, advogados militantes…

ConJur — … um ex-secretário da Receita.

Carlos Velloso — … o professor Everardo Maciel tem nos dado uma grande ajuda, porque ele é um homem realmente que conhece os problemas nacionais. O professor René Ariel Dotti do Paraná, homens do melhor nível. Quem sabe nos poderemos extrair da legislação vigente algo que possa, por exemplo, impor limite de gastos? Quem sabe poderemos fixar, por exemplo, que a campanha de deputado federal não pode ultrapassar R$ 200 mil, de deputado estadual R$ 150 mil, de presidente da República R$ 2 ou R$ 3 milhões? Poderíamos extrair da lei que temos a interpretação no sentido de coibir o showmicio. Os artistas cobram caro. Eles causam inclusive a ocorrência do caixa 2. “Se eu não fizer esse showmicio, eu vou perder votos”, pensam os candidatos. E aí, ele vai atrás da contribuição clandestina. De modo que vamos tentar.

ConJur — O senhor é a favor do financiamento público da campanha eleitoral?

Carlos Velloso — O financiamento público já ocorre em grande parte, que é o horário eleitoral gratuito: gratuito para o partido político, para o candidato, mas não para a União. Imaginem vocês, se não tivéssemos o horário gratuito, quem iria para a televisão? Somente o ricaço. Quantos e quantos estariam, portanto, em situação de total desequilíbrio. Então, já existe essa participação do poder público no financiamento das campanhas políticas. Agora, jogar dinheiro vivo na campanha para financiar, eu acho que não é possível. Nós temos inúmeras outras prioridades. O financiamento de uma campanha não ficaria por menos de um bilhão de reais. Quantas casa populares poderiam ser construídas com um bilhão de reais? Quantas favelas poderiam ser urbanizadas? Quantas crianças poderiam ser retiradas das ruas, da escola do banditismo? Quantos deixariam de morrer nas filas do SUS?


ConJur — Financiamento público seria um luxo então nesse sentido?

Carlos Velloso — Luxíssimo.

ConJur — Coisa de país rico.

Carlos Velloso — Coisa de país que tem milhares de poços de petróleo funcionando.

ConJur — Recentemente, o Supremo decidiu que o governo deve dar aos recursos da Cide o destino para o qual ela foi criada e consta que a decisão do STF não está sendo cumprida.

Carlos Velloso — Olha, eu até votei nesse sentido. Realmente a característica da contribuição está na finalidade da arrecadação. A contribuição sempre é fixada pela lei ordinária ou pela lei complementar para atender a uma certa finalidade. A Cide é uma contribuição para intervenção no domínio econômico. Ela tem por finalidade atender despesas com a conservação e a construção de estradas públicas. Houve uma ação no Supremo Tribunal Federal porque se alegava que o governo não estava dando à contribuição sua finalidade. O tribunal entendeu que é inconstitucional o ato normativo que desviava a arrecadação da Cide de sua finalidade. Se isso está ocorrendo ainda hoje, está-se descumprindo uma decisão judicial.

ConJur — E aí, ironicamente, o governo sai em uma operação tapa-buraco.

Carlos Velloso — Certo é que a teia rodoviária está tão estragada que precisa ser realmente consertada, e com urgência. Eu morro de pena dos caminhoneiros. Gosto de dirigir. E você pára na estrada e todos eles, os caminhoneiros, estão comentando que o carro está quebrado, quebrou a suspensão, entortou a roda. Isto aumenta o custo de vida, porque o frete aumenta, as passagens de ônibus têm que ser mais caras. Por que permitir que isso aconteça no Brasil? De outro lado, eu sou favorável à privatização dessas estradas. Você entra em uma estrada privatizada é aquela beleza. De tantos em tantos quilômetros tem um telefone, a gente pode se comunicar com o posto, se isso ocorre, vem logo o socorro. Quer dizer, as estradas são conservadas.

ConJur — Como o senhor avalia a situação tributária do país?

Carlos Velloso — A carga tributária no Brasil é muito alta. Está entre as maiores do mundo. Você tem uma carga tributária muito alta na Suécia, por exemplo, mas você tem serviços de primeira qualidade prestados pelo Estado. Se tivéssemos excelentes serviços prestados, na área da saúde, rodovias, educação, eu não criticaria a carga tributária. Mas, você tem uma carga tributária de país de primeiro mundo e serviços de quarto mundo. Pessoas morrendo na fila do SUS, greve de cem dias nas universidades federais. Professores pessimamente remunerados. Isso não tem cabimento.

ConJur — A estrutura tributária do Brasil é a mais adequada?

Carlos Velloso — A teoria geral do direito tributário brasileira é muito boa. Só que a carga tributária que tem sido imposta ultimamente é exagerada. Nós temos um sistema constitucional tributário cujas linhas maiores são diretrizes para qualquer país do mundo, mas ele tem também seus problemas, seus defeitos. O defeito maior hoje está nas contribuições. O professor Geraldo Ataliba, um grande jurista, um grande tributarista, dizia que, no sistema constitucional tributário brasileiro, existe uma avenida sem sinais: a avenida das contribuições. Elas precisam ter limites na Constituição. Eu diria que o Congresso deveria debruçar-se sobre isso. Os estados membros reclamam porque, na partilha da receita tributária das contribuições, não entram os estados. Então, os impostos não sobem, porque teriam que ser partilhados e as contribuições, que não têm que ser partilhadas, sobem.

ConJur — É a centralização.

Carlos Velloso — Exatamente. Isso não deixa de atentar também contra o próprio pacto federativo. Essa avenida sem semáforos, que temos no sistema constitucional tributário brasileiro, são as contribuições.

ConJur — Um julgamento que o senhor não vai participar, que gostaria de participar e qual seria o seu voto?

Carlos Velloso — Eu te digo que eu gostaria de participar, por exemplo, do julgamento do mandado de segurança impetrado pelos ministros aposentados do Supremo Tribunal Federal. Porque, em 1971, eu era juiz em Minas e o presidente da República era o Médici. E eu concedi um mandado de segurança sustentando a tese que uma emenda constitucional tem que respeitar direitos adquiridos. O que é direito adquirido? É um direito que o cidadão adquire com base em uma lei, portanto legitimamente, uma lei concede isso, em razão da realização de um certo fato. O direito nasce do fato. Não é possível que isso seja retirado. Na Europa, o direito adquirido não tem status constitucional. Aqui temos. Pois bem, onde ele não tem status constitucional não há desrespeito, porque leis retroativas somente escravos cumprem. A segurança jurídica recomenda: reforma se faz com efeito ex nunc, daí para frente, não pode retroagir para atingir direitos.

ConJur — O que significa ter 70 anos?

Carlos Velloso — Eu diria, às vésperas de completar 70 anos, que eu não acredito que esteja completando 70 anos, porque continuo praticando o meu esporte, jogando ardorosamente meu tênis.

ConJur — Com quem o senhor joga?

Carlos Velloso — Eu jogo no Clube Naval e em residências de alguns amigos que têm quadra de tênis. Por exemplo, o Geraldo Amorim, eu jogo há muitos anos lá. O advogado José Alberto Couto Maciel, também.

ConJur — Tem outros ministro que também jogam tênis?

Carlos Velloso — Olha, no STM têm alguns, no STJ também. O ministro Marco Aurélio, inclusive, tem quadra em casa.

ConJur — O senhor já jogou alguma partida contra o ministro Marco Aurélio?

Carlos Velloso — Não, contra ele não, porque eu acho que ele é mais iniciante, então ele nunca me convidou para enfrentá-lo. Eu acho que ele está com algum receio de perder na cancha de tênis.

ConJur — O senhor abandonará o posto de síndico do seu prédio?

Carlos Velloso — Isso eu vou passar para frente.

ConJur — É mais difícil ser ministro ou ser sindico?

Carlos Velloso — Aquele prédio não dá trabalho. É por isso que eu já sou sindico lá sabe há quanto tempo? Dez anos. Quando eu falo em sair, o ministro Pertence não me deixa. Diz: “Não, isso aí já é monarquia”. Estou convocando a reunião para o mês de fevereiro. Vou dizer: “Agora isso aqui tem que ser republicano. Vamos fazer eleição”. Mas, não tem problemas ali não. É um prédio com 12 apartamentos, pessoas de muito bom nível. Os colegas nunca criaram problemas. E os estranhos ao Supremo que estão chegando lá, são todos boa gente.

ConJur — E a sucessão no condomínio vai ser mais complicada que aqui no TSE?

Carlos Velloso — Não, vai ser fácil. Eu vou chegar e dizer: “Vamos eleger fulano”.

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