Corrida ao Supremo

Lula deveria consultar sociedade para indicar ministro ao STF

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18 de janeiro de 2006, 11h59

A Constituição Federal é clara: “Os ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal” (artigo 101, parágrafo único).

Portanto, se ocorrerem sete vagas de ministros do STF durante o mandato do presidente Lula, nada o impede de nomear sete dos 11 ministros. A prerrogativa vale para todos os presidentes, e por nenhuma razão pode ser retirada de Lula. Desde que suas indicações, como ocorreu até agora com os quatro ministros que já nomeou, recebam a aprovação do Senado Federal.

Diante disso, sendo indispensável a sua aprovação, o Senado pode negá-la. Conseqüentemente, a indicação fica prejudicada e o presidente precisará indicar outro nome. Como a Constituição não estabelece limites, mas apenas a regra básica, uma, duas, três ou até mesmo todas as indicações realizadas podem ser recusadas.

Esse desdobramento da leitura do texto constitucional não é um despropósito. Vem a calhar com os registros da imprensa e conseqüentes reações — talvez um tanto precipitadas — sobre o fato de que o Supremo Tribunal Federal pode se partidarizar, se transformando em instância petista e, nessas condições, perder a confiança indispensável à cúpula do Poder Judiciário.

Seria o caso absurdo. Primeiro, porque, queiram ou não, há o “espírito das leis” (por favor, a expressão não contém implicações místicas!), que consegue driblar a semântica e até a eventual gramática claudicante dos legisladores.

Segundo, porque as Constituições, como os dicionários, canibalizam as experiências de outros povos e outros tempos e, além de não repetir erros, criam ferrolhos de segurança à prova de riscos. A nossa Constituição Federal de 1988 não copia outras Constituições, mas consagra os avanços de todas.

Assim, embora possa ser tido como temerário, o artigo 101 da Constituição dificilmente condenará o Supremo a se tornar corte partidária e sectária. Nem deverá ser a Justiça o calcanhar de Aquiles que tornará vulnerável o acordo social que assegura ao povo brasileiro, como nunca tivemos no Brasil, um regime de tão amplas garantias.

A questão, no momento, pela inviabilidade política de qualquer alteração no plano constitucional, é apenas organizar o jogo, sendo essencial que comecemos pelo reconhecimento da atual prerrogativa do presidente da República e do mecanismo — a aprovação do Senado Federal — para que seja efetivada a indicação presidencial.

Aí está a oportunidade, tanto para o presidente Lula quanto para o Senado, de exercer o processo político de designação dos ministros do Supremo.

Outros povos fazem isso magistralmente e, a cada nova designação, fortalecem seus tribunais. É o caso dos Estados Unidos, onde a reação da sociedade, se antecipando ao próprio Senado, obrigou uma ilustre advogada, indicada pelo presidente Bush, a recusar sua indicação. A sociedade civil não tem mesmo que aceitar juízes moralmente comprometidos, diante da exigência constitucional da reputação ilibada. Deve, legitimamente, pedir que sejam recusadas indicações de cidadãos que tenham envolvimento partidário ou preconceitos temáticos.

O STF, mais do que um órgão técnico ou uma instância de promoção para magistrados — ou colégio de sábios —, é a expressão do clamor de justiça da sociedade, que deve se reconhecer nos seus julgamentos.

“Nesses termos, peço deferimento” (desculpem a traição da fórmula, pois, de tanto lê-la, ocorre onde faz sentido) para uma proposta que tem emergido com grande força entre os magistrados brasileiros e que pode vir a ser, após tranqüila e meditada reflexão, nosso novo modelo constitucional: por que o presidente da República — para exercitar seu direito de escolha — não faz sondagens sistemáticas e públicas sobre nomes? Entre os nomes extraídos dessa consulta, encontrar e ungir seu favorito. Ouvir não seria inusitado, pois ninguém chega ao Palácio do Planalto sem penetrar profundamente todos os setores da sociedade.

Bastaria pedir à OAB — Ordem dos Advogados do Brasil, ao Ministério Público e à AMB — Associação dos Magistrados Brasileiros que lhe apresentassem listas — quíntuplas, sêxtuplas, à vontade — nas quais já encontraria seleções profissionais.

Mesmo assim, ainda seria indispensável o amplo debate, que deveria ser estimulado — e a mídia nem precisa de solicitação, pois o faz por vocação — até que o Senado se manifestasse.

Essa é a solução menos traumática e mais democrática, pois não altera as prerrogativas presidenciais — o que, neste momento, além de moralmente inaceitável, é impossível, uma vez que depende de emenda constitucional — e nos garantirá não somente que o presidente Lula exerça plenamente seu mandato mas também que sejamos todos participantes do processo de escolha dos membros do Supremo.

Como exegetas profissionais dos textos legais, e diante da impossibilidade do aperfeiçoamento, agora, do modelo constitucional, quem sabe não encontramos uma boa forma de aplicar o artigo 101 da Constituição?

(Publicado pelo jornal Folha de S. Paulo nesta quarta-feira (18/1)

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