Personagens infantis

Pão de Açúcar é condenado por uso indevido de personagens

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17 de janeiro de 2006, 9h26

A rede de supermercados Pão de Açúcar foi condenada a pagar indenização de 300 salários mínimos por danos morais a José Carlos de Almeida, por se apropriar indevidamente de dois personagens infantis criados por ele: o Pãozinho e a Açuquinha.

A decisão é do juiz Carlos Eduardo Xavier Brito, da 27ª Vara de São Paulo. O grupo Pão de Açúcar, conhecido por sua razão social como Companhia Brasileira de Distribuição, também terá de divulgar a propriedade da obra em todos os meios de comunicação que as utilizou. Os danos materiais serão apurados na fase de liquidação da sentença. Cabe recurso da decisão.

Segundo os autos, José Carlos de Almeida criou em maio de 1997 uma revista em quadrinhos para um projeto chamado “Clubinho Pão de Açúcar”. O objetivo da campanha era arrecadar doações para crianças carentes. Nesta ocasião, os personagens Pãozinho e Açuquinha levavam a assinatura do autor.

Mais tarde, a rede utilizou os personagens em outros produtos, como sites infantis, bonecos de pelúcia, ovos de páscoa, panetones, propagandas na TV, entre outros, sem a prévia autorização do criador, mudando os nomes e a composição gráfica dos bonecos.

José Carlos de Almeida entrou com ação de indenização por danos morais e materiais por utilização indevida de sua criação. Alegou que o grupo Pão de Açúcar utilizou seus personagens, fazendo adaptações para descaracterizar a obra original.

Para se defender, a Companhia Brasileira de Distribuição sustentou que os personagens não pertenciam a José Carlos, mas sim a uma empresa chamada OZ Design. E sustentou que não houve qualquer negócio entre o autor e o grupo.

O juiz Carlos Eduardo Xavier Brito não acolheu os argumentos e reconheceu José Carlos de Almeida como autor das obras. Entendeu que os documentos juntados no processo comprovam as alegações.

Assim, de acordo com o juiz, o fato de não ter havido relação direta entre a empresa e ao autor, não muda a situação do processo. “Demonstrado ser o autor o proprietário do direito autoral e seu uso indevido, a indenização se impõe”, afirmou.

“Demonstra-se que a ré utilizou o material assinado pelo autor, não podendo, assim, alegar que o desconhece ou que com ele não se estabeleceu qualquer relação, utilizando-se de obra de autoria de terceiro, sua responsabilidade emerge de modo constante”, considerou o juiz.

A revista Consultor Jurídico tentou falar com os advogados do Pão de Açúcar, mas eles não responderam aos recados.

Processo 507.310/03

Leia a íntegra da decisão

Vistos

JOSE CARLOS DE ALMEIDA, qualificado nos autos, moveu a presente ação ORDINÁRIA de indenização por danos morais e materiais contra CIA – BRASILEIRA DE DISTRIBUIÇÃO LTDA, qualificada nos autos, alegando, em síntese que durante o mês de maio do ano de 1997, criou uma revista em quadrinhos, nela incluindo textos, desenhos e formatos para o projeto denominado “Clubinho Pão de Açúcar”, campanha promocional de fim educativo e de fomento da cidadania preparada pela requerida, para sua rede de Supermercados Pão de Açúcar. Assevera que não lhe foram dadas quaisquer informações, quanto à planos, direção, sugestão, colaboração ou modelos, sendo sua obra, manifestação de espírito primeira, obra de produção livre (ou independente).

Sustenta, outrossim, que sua obra consiste em criação intelectual autônoma, independente e original, que acresceu a realidade fática os personagens até então inexistentes, mediante conceito pessoal de animação da logomarca originalmente inanimada, tendo sido acrescida a ela o sexo, características físicas e psicológicas distintivas, em síntese antropomórfica, (humanização) e solução gráfica originais.

Narra ainda o autor, que em 13 de agosto foi deflagrada campanha “Clubinho Pão de Açúcar – Gincana Ajude Brincando” de fim sócio educativo, distribuindo 25000, vinte e cinco mil, revistas em instituições de ensino público e particular de São Paulo a alunos da 1ª. A 6ª. série do primeiro grau, destacando o autor que em tais revistas consta sua assinatura na capa, J.C. Almeida e teria havido reconhecido expresso de titularidade autoral ao fazer a ré divulgar a identidade do criador, junto à utilização de suas criações.

Afirma também, que a ré utilizou sua criação, personagens Pãozinho e Açuquinha, sem sua prévia e expressa autorização de formas múltiplas e variadas, consignado que a requerida introduziu nos personagens criados modificações gráficas e de nome.

Por fim, afirma ter sofrido danos morais e materiais, pedindo a respectiva indenização pelos danos causados pela requerida e que se obrigue a ré a divulgar, nos mesmos meios de comunicação e horário a autoria da obra; invocou a legislação, jurisprudência e doutrina pertinentes ao caso.


Citação a fls. 109.

A ré contestou a fls. 119/124, alegando em preliminar, parte ilegítima da causa, afirmando ter a empresa OZ design S/C assumido a responsabilidade por qualquer reivindicação de terceiros que fosse oposta contra o grupo Pão de Açúcar relativamente à criação/adaptação de obras de ilustração dos personagens (frutas e legumes), utilizados pelo referido Grupo. Denunciou a empresa à lide, em caso de não acolhimento da preliminar. No mérito, bateu-se pela improcedência, sustentando que não houve qualquer negócio entabulado entre autor e ré. Alega que em verdade contratou MR Marketing & Promoções e que o autor trabalhava com esta empresa e que as figuras tiveram sua inspiração em logomarca da ré. Afirma que a ré vem usando os personagens Pãozinho e Açuquinha de forma correta, pugnou pela improcedência juntando documentos.

Sobreveio impugnação a contestação de fls. 132 a 142.

Saneador a fls. 189, afastando a preliminar de ilegitimidade passiva tendo em visto que o fundamento da pretensão não envolvia responsabilidade contratual e sim extracontratual. Foi deferida a produção de prova oral e testemunhal.

Agravo interposto a fls. 198, cuja decisão confirmou a decisão de inadmissibilidade da denunciação e não preclusão da prova pericial.

Perícia apresentada, fls. 568/604.

O autor criticou o laudo por meio de seus advogados e não apresentou críticas de assistente técnico.

O perito prestou esclarecimento a partir de fls. 679 e fls. 715 e fls. 771.

Audiência realizada a fls. 842, a qual restou infrutífera, tendo sido fixados os pontos controvertidos, o qual refere-se ao cabimento de indenização ao autor em razão do trabalho que produziu e que teria sido utilizado pela ré.

Nova audiência a fls. 905, na qual foram ouvidas duas testemunhas do autor e duas testemunhas da ré.

Foram convertidos os debates em memoriais, os quais vieram ao autos nas fls. 921/944.

É o relatório.

DECIDO.

Trata-se de ação de indenização por danos materiais e morais em que o autor objetiva ser indenizado em razão de utilização indevida de sua obra de natureza autoral. Alega que a ré usou sem licença ou autorização seus personagens “Pãozinho e Açuquinha”, fazendo neles adaptações para os descaracterizar como obra original do autor.

A ação é parcialmente procedente.

Por primeiro e pressuposto das demais alegações, é mister verificar se o autor é ou não titular dos personagens que alega ter criado para depois verificar o uso indevido de sua obra.

Pois bem, Consoante se dessume de documento de fls. 41, o nome do autor se liga à obra de forma indiscutível, assinando no rodapé da revista, próximo aos pés dos personagens o nome J.C. Almeida, na Revista da própria ré “Clubinho Pão de Açúcar”.

Também no documento de fls. 46, verifica-se que o autor teve o cuidado de registrar na Fundação Biblioteca Nacional os personagens PAOZINHO & AÇUQUINHA em 1º de julho de 1997.

Ainda leva-se em conta o documento do Ministério da Cultura, Fundação Nacional de Arte, (Funarte), pelo qual se afirma em colejo as obras do autor e aquela em que se alega ter feito as modificações são apenas de caráter de adequação ao design e linguagem gráfica de apresentação de nova campanha, não causando modificações no desenho, mas apenas no seu tratamento.

Sustenta também o crítico de arte, Jose Peixoto da Silveira, fls. 50/52: “que a solução gráfica e a síntese antropomórfica são as mesmas completando-se pelas mesmas características gráficas absolutas, mesma fatura, mesma palheta (textura plástica e tratamento de cor)” e conclui: “Com o seu trabalho criativo, o autor dos personagens introduziu uma nova obra na realidade plástica, em solução gráfica plenamente original. Seu conceito de síntese antropomórfica deu vida as montanhas do Pão de Açúcar, somando engenho artístico e originalidade intelectual, tornando-as então diferentes de como estavam inanimadas, na logomarca dos supermercados.

Ademais, a própria ré não contesta que os personagens supra-referidos sejam criação original do autor, derivando daí os efeitos da revelia.

Não foi de outro sentir o experto do Juízo, segundo quem a fls. 588, na conclusão de sue trabalho:

“o autor desenvolveu a criação dos personagens “Pãozinho e Açuquinha” em meados do ano de 1997 materializando-os com estilo próprio retratado no certificado de Registro nº 132.215.”

“tecnicamente, deve ser classificada como uma obra derivada daquela criada pelo autor, necessitando, portanto, da autorização deste último” (grifei).

“As duas outras formas (itens 2.2/3.2 – “segunda forma” e itens 2.3/3.3 – “terceira Forma) apresentam estilo semelhante ao das criações do Autor, constituindo assim, contrafações da obra original” (grifei).


Como bem destacado pelo Sr. perito; não se trata de proteção de idéia, pois esta não objeto de proteção de direitos autorais. Trata-se de proteção de criação original do autor que introduziu uma nova obra na realidade plástica, em solução gráfica plenamente original. Seu conceito de síntese antropomórfica deu vida as montanhas do Pão e Açúcar, somando engenho artístico e originalidade intelectual, tornando-as então diferentes de como estavam inanimadas, na logomarca dos supermercados.

É verdade que o só registro não é atributivo de propriedade e sim a própria criação. A paternidade pertence a quem criou, restando o registro como meio seguro de se verificar tal circunstância, consoante se vê demonstrados de forma documental nos autos:

Por segundo, alegando o autor o uso indevido de sua obra, competia ao réu demonstrar a licença ou autorização para a utilização da obra dele, o que não sobreveio aos autos.

A tentativa de tentar demonstrar após os efeitos da revelia, que já havia obra anterior à do autor, não lhe aproveita.

A uma, pelos efeitos da revelia. A duas, pelo que ainda que desconsiderássemos tais efeitos, vê-se da documentação acostada, fls. 860, que o contrato com a empresa Colucci foi celebrado somente em 28 de outubro de 1997 e o registro do autor data de 01 de julho de 1997, assim, anterior o registro em relação ao contrato.

Da prova testemunhal colhida não assiste melhor sorte ao réu, pois a testemunha arrolada, fls. 912, sr. José Carlos, Diretor de Planejamento da Agencia Colucci, afirma que no final de 1995 apresentou os personagens que fariam parte da propaganda do supermercado. Afirma também que ainda em 1995 os personagens já eram utilizados na rede de supermercados.

É de se perguntar: se houve a utilização dos bonecos em 1995, porque somente em outubro de 1997, mais de dois anos, foi celebrado o contrato com a Colucci?

Mas tais considerações não se levam em conta, posto que diante dos efeitos da revelia o autor confessou fictamente ser o autor o titular do direito de paternidade da obra “Pãozinho e Açuquinha”.

O réu ainda alega não ter havido relação direta entre este e o autor, tal fato é desimportante, pois os limites que aqui se põem são da paternidade da obra e seu uso sem licença. Assim, demonstrando ser o autor o proprietário do direito autoral objeto da presente e seu uso indevido, a indenização se impõe.

Vê-se que a ré alega também que estabeleceu relação com a empresa MR Marketing & Promoções e que o autor teria trabalhado para esta na qualidade de autônomo. Ora! ainda que admitíssemos tais fatos, demonstra-se que a ré utilizou o material assinado pelo autor, não podendo, assim, alegar que o desconhece ou que com ele não se estabeleceu qualquer relação, utilizando-se de obra de autoria de terceiro, sua responsabilidade emerge de modo inconteste.

O art. 24 da Lei de direito autorais dispõe:

“São direitos morais do autor:

II – o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra;

IV – o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudica-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra;

A cumulatividade entre indenização de danos morais e materiais oriundas do mesmo fato, vem assentada na súmula 37 do E. STJ.

Demonstrados a paternidade da obra e seu uso sem autorização os danos morais são procedentes. É dessa linha torrencial jurisprudência, senão vejamos:

DIREITO AUTORAL – Obra fotográfica – Utilização em anúncio publicitário – Omissão do nome do autor – Dano moral verificado – indenização devida – Embargos rejeitados. A titularidade nos direitos patrimoniais pertence ao empregador, mas o fotógrafo mantém os direitos morais sobre a própria obra, porque são elas inalienáveis e irrenunciáveis. (Embargos rejeitados n.º 199.429-1 – São Paulo – Relator: ALEXANDRE GERMANO – CCIV 1 – M.V. – 21.02.95).

INDENIZAÇÃO – Direito autoral – Projeto arquitetônico – Uso indevido – Caracterização – Utilização pelos apelantes de estudos realizados pelo apelido, na construção de edifício – verba devida acrescida de remuneração que cabia ao autor na execução desse projeto – Ação procedente – Recurso não provido. (Apelação Cível n.º 236.268-1 – Marília – Relator: OSVALDO CARON – CCIV8 – V.U. – 16.12.94)

“DIREITO AUTORAL – Desenhos utilizados sem a devida autorização e sem referência ao nome de que os concebeu – Indenização que não incorporou multa – Valor insuficiente – Inocorrência – Valor da condenação expressivo e engloba todas as verbas da condenação expressivo e engloba todas as verbas – Embargos rejeitados. (Relator: José Osório – Embargos Infringentes n.º 174.602-1 – São Paulo – 23.02.94).

Pelos danos morais levando-se em consideração as condições econômicas das partes; a violação do direito, que foram perpetradas inúmeras vezes; as peculiaridades concretas do caso, fixo o dano moral em 300 (trezentos) salários mínimos. Deixo de acolher o pedido do autor, na fixação de futura apuração dos danos morais na mesma proporção dos danos materiais, porque estes não se confundem e um não se presta a batizar o outro.

Em ralação aos danos patrimoniais, surgem como conseqüência lógica de tudo o que o autor deixou de auferir com a conduta da ré que obteve lucros, por certo, com várias campanhas publicitárias e promocionais a custo da obra do autor, utilizando-se de obra contrafeita, devendo o autor, utilizando-se de obra contrafeita, devendo o autor liquidá-las na forma do art. 603 e segs. do Código de Processo Civil.

Deixo de acolher o pedido de divulgação da identidade do autor em veículos que não sejam periódicos, como as próprias revistas internas da rede de supermercados lançadas me caráter esporádico e inclusive aquela na qual já consta a titularidade da obra do autor. Fica obrigada a ré, entretanto, a divulgar a identidade e propriedade do autor em relação a sua obra, nos demais veículos pelos quais circulou propaganda com as obras contrafeitas, nos mesmos horários e duração ou páginas em que publicadas, com o mesmo destaque ou dimensões.

Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, para o fim de condenar a ré, COMPANHIA BRASILEIRA DE DISTRIBUÇÃO LTDA. a pagar ao autor JOSE CARLOS DE ALMEIDA:

a) indenização a título de danos morais, no valor de 300 (trezentos) salários mínimos, sujeitando-se as variações deste índice até efetivo pagamento.

b) danos materiais, os quais serão apurados em liquidação de sentença, levando-se em conta as propagandas levadas a cabo pela ré na qual tenha se utilizado das obras contrafeitas, com de juros de mora e correção monetária a partir da citação na forma da lei. Condeno ainda a ré a divulgar a propriedade da obra do autor em todos os veículos de comunicação nas quais tenha se utilizado da obra contrafeita, sob pena de multa diária de R$ 1000,00 (mil reais). Em razão da sucumbência recíproca, cada parte arcará com os honorários advocatícios de seu respectivo patrono, repartidas as custas e despesas processuais, consoante o disposto no artigo 21 “caput” do Código de Processo Civil, ressalvada a gratuidade ao autor deferida.

P.R.I.C

De Ourinhos para São Paulo, em 10 de outubro de 2005.

CARLOS EDUARDO XAVIER BRITO

JUIZ SUBSTITUTO

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