PCC na mira

MP paulista denuncia oito por transferência ilegal de presos

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16 de janeiro de 2006, 16h49

O promotor Vilson Baumgärtner, do Ministério Público de São Paulo, ofereceu denúncia contra oito pessoas acusadas de fazer parte da organização criminosa PCC — o Primeiro Comando da Capital. Entre os denunciados está o ex-coordenador dos presídios da capital paulista, João Batista Paschoal.

Ele é acusado de transferência ilegal de presos, ao preço de R$ 7 mil per capita, entre agosto e dezembro de 2005. Os presos foram transferidos entre unidades prisionais das cidades de Casa Branca, Mococa, Ita, Hortolândia, Sorocaba, Itapetininga, Guareí e Campinas.

A advogada Suzana Volpini, sustenta a denúncia, passou a fazer parte do PCC, cobrando R$ 7 mil por transferência de presos e ficando com R$ 3 mil dessa quantia.

Leia a denúncia

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da 3a. Vara Criminal.

050.06.001901-8.

1. Consta dos inclusos autos de inquérito policial que ULISSES AZEVEDO SOARES, qualificado à fl. 217, MANOEL CRUZ DA SILVA, qualificado à fl. 223, JOÃO BATISTA PACHOAL, qualificado à fl. 229, SUZANA VOLPINI MICHELLI, qualificada à fl. 239, OSVALDO MOURA, IVONALDO XAVIER ADELINO, CRISTIANO RICARDO RAMOS ÁLVARES, CARLOS ADRIANO DE SOUZA, qualificados a fls. 641/642, e outros, não identificados, de agosto a dezembro de 2.005, nas Unidades Prisionais da Região Central do Estado de São Paulo, que compreende as cidades de Casa Branca, Mococa, Itirapina,, Hortolândia, Sorocaba, Itapetininga, Guareí e Campinas, associaram-se em bando para o fim de cometer crimes, consoante a seguir historiado.

É dos autos que os denunciados Osvaldo Moura, Ivonaldo Xavier Adelino, Cristiano Ricardo Ramos Álvares e Carlos Adriano de Souza já integravam a organização criminosa conhecida como “PCC”. Estando recolhidos, acabaram agregando a eles os demais denunciados, mas desta feita para a prática de toda sorte de infrações, na seqüência melhor historiadas, com o objetivo final de lhes propiciar a fuga, bem assim a de outros detentos. Assim agindo, foram inseridas informações falsas em documentos públicos, que permitiu à denunciada Suzana acesso ao interior de penitenciária e ali contactar os detentos, com eles ajustando planos, com informações falsas, com o propósito de obtenção de remoção para outras penitenciárias, sempre com o objetivo final de propiciar a fuga. O denunciado João Batista Paschoal, como secretário da administração penitenciária, sabendo que remoções de presos sob sua coordenação estavam sendo realizadas de forma espúria, a seguir melhor historiadas, deixou de praticar atos de ofício e permitiu que os presos fossem transferidos, com infração de dever funcional, cedendo a pedido e influência dos demais acusados, mormente do acusado Manoel Cruz da Silva, velho conhecido do sistema penitenciário, onde cumpriu penas há anos, algumas vezes sob a coordenação de Paschoal, que, ao que consta, passou a lhe dever “favores”. Como retribuição, passou a fazer “vistas grossas” para as remoções indevidas intermediadas por Manoel.

E foi nesse contexto que a Polícia, investigando a facção criminosa conhecida como “PCC”, acabou se defrontando com os nomes das advogadas Suzana Volpini Michelli e Ariane dos Anjos como possíveis integrantes da facção. Investigações direcionadas a essas duas pessoas passaram a ser realizadas.

Apurou-se, então, que a acusada Suzana Volpini Michelli, na condição de advogada, passou a trabalhar para a facção criminosa, o que passou a ficar evidente nas constantes visitas realizadas por ela aos seguintes presos, reconhecidamente integrantes do “PCC”: Ivonaldo Xavier Adelino, conhecido como “boi branco”, que é também amante de Suzana; Fábio Soares Nepomuceno, o “binho”, Abdiel Pinto Rabelo; Ângelo Matos Canuto da Silva; Wallace da Silva, o “baianinho do vietnã”, Abel Pacheco de Andrade, o “vida louca”, Aguinaldo Souza Santos, o “baianão”; LRZ, o “turco”; Carlos Adriano de Souza, o “gordão”; Rogério Jeremias de Simone, o “gegê do mangue”; Valdeci Alves dos Santos, o “colorido”; Carlos Antônio da Silva, o “balengo”, além de outros tantos, consoante relacionado na inclusa investigação.

E a suspeita tomou mais vulto quando se constatou que a denunciada Suzana, na maioria dos casos, nunca fora advogada constituída desses presos.

A partir daí e interceptadas linhas telefônicas usadas por Suzana, obteve-se a confirmação de que ela, efetivamente, passara a integrar a organização criminosa mencionada. E foi assim que a primeira conversa telefônica interceptada de Suzana revelou telefonema por ela realizado para Carlos Adriano de Souza, o “gordão”, na época internado no Presídio de Americana. Nessa conversa, a denunciada Suzana foi tratada como “prima”, em momento algum sendo tratada como advogada (cf. fls. 102/104 do anexo I e fls. 167/168, 187, 200/202 e 261 do anexo II ).


E investigações policiais apuraram que os integrantes da facção criminosa “PCC” denominam de forma especial os chamados “batizados”, auto-denominando-se como “irmãos”; que os colaboradores, no caso de Suzana, são chamados de “primos”. Enquanto amásias e esposas são chamadas de “cunhadas”.

Nesse mesmo telefonema, demonstrando estar mesmo bem enfronhada na facção criminosa, Suzana solicitou ao interlocutor um “chip” telefônico fraudulento. Apreensão posterior de agenda na casa de Suzana revelou a existência de números telefônicos por ela utilizados, relacionados à operadora Vivo e os respectivos identificadores ( EXA), os quais, programados em determinado aparelho, possibilitam a criação de protocolos de uso exclusivo da provedora, que podem ser utilizados em chamadas feitas e recebidas, produzindo, a partir dessa fraude, prejuízo à operadora ( cf. fls. 43/53 do anexo I ).

Investigações posteriores revelaram que Suzana, na condição de advogada e propalando ter forte influência na administração penitenciária, cooptou os reclusos Osvaldo Moura e Carlos Adriano de Souza e passou, por eles, a divulgar que detinha o poder para interferir na administração carcerária da região de Campinas, a fim de realizar a remoção de interessados, seja para onde fosse, por quantias em torno de R$ 7.000,00 a R$ 8.000,00, sendo o montante repartido entre todos aqueles que, direta ou indiretamente, participassem da dita remoção ( cf. fls. 12/14, 36/42 e 127/133 do anexo I ).

Realizada a propaganda, e conquanto vários fossem os interessados e várias remoções fossem assim realizadas, as investigações da Polícia, até agora, revelaram que pelo menos dois detentos pagaram pelos “serviços” prestados por Suzana e seus agregados. Trata-se dos presos Cristiano Ricardo Ramos Álvares, que foi transferido do Presídio de Riolândia para o de Itirapina e Carlos Adriano, que foi transferido do Presídio de Riolândia para o de Araraquara ( cf. fls. 110, 141 e 478, bem assim 15/29, 78/82, 105/107, 122/124, 137/139, do anexo I e 258/261, 268/270, 273/275, 280/288 e 293, do anexo II ). Na remoção de Cristiano atuou, como intermediário, ainda, o recluso e ora denunciado Osvaldo de Moura, o “nenê”, um dos encarregados por Suzana para propalar seus serviços ( cf. fls. 12/14, 133/136, do anexo I e 151, do anexo II ). Veja-se, ainda, que esse último preso, na verdade, pretendia ser transferido para São Vicente, o que torna ainda mais evidente a falta de qualquer critério para a remoção dos presos, sob coordenação do denunciado João Batista Paschoal, que atuava na função de coordenador das unidades prisionais acima indicadas.

De fato, consoante apurado, as transferências eram realizadas por simples telefonemas: os presos interessados entravam em contato com Suzana e com ela acertavam o pagamento para a concretização da remoção. Suzana entrava em contato com os denunciados Ulisses Azevedo Soares e Manoel Cruz da Silva, que, na condição de ex-detentos e de conhecedores do sistema penitenciário, entravam em contato com o denunciado João Batista Paschoal, tanto pessoalmente como pelo telefone 19-3282-3322 que, como coordenador das unidades prisionais, providenciava a remoção dos interessados, prescindindo de quaisquer formalidades.

Veja-se que na remoção de Cristiano Ricardo se observou que se pretendia propiciar aproximação familiar. Apurou-se, entretanto, que a mulher do recluso está também presa e que o restante de seus familiares reside no Rio de Janeiro, de onde, aliás, é procedente. Evidente, assim, que a remoção desse detento foi realizada com o objetivo único de favorecer interesse pessoal desse preso, mormente porque Paschoal sabia que Manoel era pago para encaminhar essas transferências ( cf. fls. 86/88, do anexo I e fls. 239/244, 478/479 250/332 ).

Telefonemas de Manoel a Paschoal revelam que aquele pretendia adquirir guincho com o dinheiro obtido com as intermediações para remoção de presos. E evidente que Paschoal estava ciente da atividade ilícita de Manoel; este chegou a reclamar da falta de remoções em certo mês e que por isto, naquele mês, nada ganharia.

Pelo que se apurou, a acusada Suzana Volpini Michelli cobrava, para a realização da remoção, cerca de R$ 7.000,00 a R$ 8.000,00 ( cf. fls. 133/136 do anexo I e 151/152 do anexo II ). Desse valor, retinha cerca de R$ 3.000,00, por seus serviços. O restante era entregue a Ulisses e Manoel que, tratando diretamente a transferência com o denunciado Paschoal, que os recebia em seu gabinete, com ele ou repartiam o dinheiro ou retribuíam o “favor” da transferência com prestação de outros serviços, mormente porque Paschoal sabia que Ulisses e Manoel recebiam dinheiro pela remoção dos detentos. Há forte indicação nos autos, ainda, de que a denunciada Suzana, conquanto não o tivesse admitido, chegou a entregar quantias diretamente ao denunciado Paschoal, sendo encontrado em sua agenda anotação de que a ele entregou R$ 100,00 ( fl. 259 ), ignorando-se se a cifra era mesmo esta ou representação de código ( cf. , ainda, fls. 85/88, do anexo I ).


É dos autos, ainda, que a transferência do recluso Cristiano, o “carioca”, deu-se porque, em Riolândia, estava com dificuldades para obter celulares e dar andamento a tráfico de entorpecentes, atividade que comandava conquanto preso. Mesmo sabendo disso, a denunciada Suzana, depois de inteirada por “nenê”, o denunciado Osvaldo Moura, passou a tratar da transferência diretamente com “carioca” ( cf. fls. 106/107 e 122 do anexo I ), ao final paga na quantia de R$ 5.000,00.

A transferência de Carlos Adriano foi quitada por sua mulher, conhecida como “Harumi” ( cf. fls. 58/59, 65,69,78/82 e 85/88, do anexo I e 273/275 e 280/288, do anexo II ). Como houve equívoco nessa transferência, como acima já observado, tal foi mesmo objeto de reunião entre os denunciados Suzana, Manoel e Paschoal ( cf. interrogatórios deles o admitindo ).

A investigação impediu que outros crimes fossem realizados pelo bando. De fato, apurou-se que o denunciado Carlos Adriano chegou a contatar Suzana para que seu processo administrativo, instaurado por mau comportamento na prisão, fosse adulterado ( cf. fls. 38/43 e 49/53, do anexo II ). Não consta que Suzana tivesse executado o trabalho, havendo notícia nos autos que um outro advogado, de nome Eduardo, em face de quem as investigações continuam, teria falsificado documentos em benefício de integrantes do “PCC” ( cf. fls. 59/60, do anexo I ).

Os autos revelam, ainda, que os valores relativos ao pagamento dos “honorários” não provinham apenas de familiares dos interessados, mas de fundo criado pela organização criminosa. Contatos feitos pela denunciada Suzana com detento até agora apenas identificado como “Igor” não deixam dúvidas disso. Nesses contatos, vê-se que “Igor” contratara Suzana para que esta conseguisse liberar do castigo o denunciado Carlos Antônio da Silva, vulgo “balengo”, submetido a regime disciplinar diferenciado ( RDD ). Nas conversas, cobrados os serviços, “Igor” afirma não poder honrar os pagamentos porque o caixa da organização está no vermelho ( cf. fls. 109/122, 124/125 e 139/141, do anexo I ). Em conversas com esse detento, a denunciada Suzana chegou mesmo a propor fosse paga mensalmente pelo “PCC”, argumentando que tal procedimento seria benéfico à organização, que estaria desonerada de acertar por trabalho individualmente realizado.

2. A denunciada Suzana, de tal forma agregada ao bando ora denunciado e cooptada pela facção criminosa “PCC”, em 24 de maio de 2.005, compareceu na Penitenciária de Iaras e ali cadastrou-se com o nome de Suzana Miller Volpini, dizendo-se solteira e amásia de Antônio Rodrigues Antonopoulos, ali recolhido. Assim agindo, passou a visitar, entretanto, seu amante, o denunciado Ivonaldo, ali também recolhido ( cf. o segundo interrogatório de Suzana, onde admite a relação com Ivonaldo e fls. 243/250, do anexo II ).

A denunciada Suzana, pois, assim agindo, por estar casada há mais de dez anos com Alberto Michelli e passado a usar o nome de casada, Suzana Volpini Michelli, inseriu em documento público, o cadastro para visitação de presos, declaração falsa, com o fim de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, o que lhe permitiu acesso ao presídio, contato com os detentos em geral e, em particular, com seu amante Ivonaldo ( cf. fl. 79 e 83 ), também agregado à organização criminosa e que, em constante contato com Suzana, permitia que a atuação do grupo fosse facilitada, a ela passando informações e solicitações de outros presos, mormente a partir de celulares irregularmente obtidos.

É dos autos, ainda, que os detentos procuravam a ação dos denunciados, ansiando pela remoção, na tentativa de serem abrigados por estabelecimentos menos rigorosos, onde pudessem mais facilmente comandar suas ações criminosas, levadas a efeito por comparsas fora da prisão; a remoção também buscava melhores oportunidades de fuga ( cf. expediente relativo à fuga de Jean Francisco Iotti, que obteve remoção em outra instância e o que é objeto de outra investigação – fls. 532 e ss ). Finalmente, as remoções buscavam juízes mais benevolentes, mormente no que concerne à possibilidade de progressão de regime para infratores de crimes hediondos ( cf. interrogatório de. Ulisses à fl. 218 ).

Assim descritas as condutas dos denunciados, bem se vê que estavam associados, cada um com sua fração de cooperação, para o fim de cometer crimes, com o objetivo final de propiciar a fuga de reclusos. Na formação dessa sociedade criminosa, à denunciada Suzana coube a desenvoltura de advogada, oferecendo aos detentos a possibilidade de remoção mediante pagamento, que seria rateado entre os integrantes do bando. À consecução de seus objetivos, não hesitou em cometer o delito de falsidade ideológica, cadastrando-se em penitenciária como amásia de detento ali recolhido. João Batista Paschoal, na condição de coordenador das unidades prisionais, foi cooptado pelo bando e deixou de praticar os atos de ofício na remoção dos presos, com infração de dever funcional, cedendo a pedidos e influências dos detentos Manoel e Ulisses, que atuavam agregados aos demais denunciados.

Do exposto, denuncio:

1. João Batista Paschoal como incurso nos arts. 288, “caput” e 317, par. 2o., c/c os arts. 29 e 69, do Código Penal;

2. Suzana Volpini Michelli como incursa nos arts. 288, “caput” e 299, “caput”, c/c os arts. 29 e 69, do Código Penal; e

3. Manoel Cruz da Silva, Ulisses Azevedo Soares, Cristiano Ricardo Ramos Álvares, Osvaldo Moura, Ivonaldo Xavier Adelino e Carlos Adriano de Souza como incursos no artigo 288, “caput”, do Código Penal.

Requeiro que, recebida esta ( observando-se acerca de João Batista Paschoal o disposto no art. 514, do CPP ), sejam citados e processados, condenando-se os, ao final, e decretando-se a perda do cargo para João Batista Paschoal, por violação de dever para com a administração pública, ouvindo-se:

1. Antônio Rodrigues Anonopoulos – fl. 87;

2. Harumi “de tal” – familiar do detento Carlos Adriano;

3. Test. Ouvida à fl. 344 ( Prov. 32/00 );

4. Mário Correa – fl. 347;

São Paulo, 11 de janeiro de 2.006.

Vilson Baumgärtner

3º Promotor de Justiça Criminal

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