Pagamento em dobro

Hospital que atende SUS não pode compensar cheque caução

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16 de janeiro de 2006, 17h18

Cheque emitido como garantia de atendimento médico, em situação de emergência, deve ser sustado nos casos em que o SUS autoriza a internação. O entendimento é da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Para os desembargadores, compensar o cheque significa receber duas vezes pelo mesmo atendimento.

O TJ gaúcho negou recurso do Hospital Pompéia, de Caxias do Sul, confirmando a decisão da Justiça de Veranópolis (RS). No TJ, o hospital alegou que o SUS não repassou a quantia representada no cheque de R$ 1,5 mil, além de sustentar que não se tratava de cheque caução, mas sim da remuneração das despesas hospitalares.

O paciente contestou os argumentos do hospital e sustentou que cheque caução só pode ser compensado caso o atendimento seja realizado no sistema particular. Além disso, de acordo com o paciente, o Hospital Pompéia não demonstrou que o pagamento foi decorrente de despesas hospitalares.

O desembargador Vicente Barroco de Vasconcellos, relator da matéria, constatou que, no caso, foi utilizada Autorização de Internação Hospitalar pelo Hospital Pompéia para a cobertura do tratamento do paciente. O juiz acrescentou que “tendo havido a emissão da AIH deve a instituição de saúde receber o valor de atendimento pelo SUS e, assim, não pode pleitear outros valores da parte, sob pena e recebimento em duplicidade”.

Votaram de acordo com o relator os desembargadores Otávio Augusto de Freitas Barcellos e Ângelo Maraninchi Giannakos.

Processo 7001279955-7

Leia a íntegra da decisão

AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE. DESPESAS HOSPITALARES. SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA. POSTERIOR AUTORIZAÇÃO DO SUS. CASO CONCRETO. MATÉRIA DE FATO. Demonstrado na espécie que a internação ocorreu pelo SUS, embora com autorização da previdência social obtida em momento posterior, não é devido o valor constante do cheque, emitido em situação de urgência, sob pena de dupla remuneração. Apelo desprovido.

APELAÇÃO CÍVEL: DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL

Nº 70012799557: COMARCA DE VERANÓPOLIS

PIO SODALÍCIO DAMAS DE CARIDADE-HOSPITAL POMPÉIA: APELANTE

HELIO PEDRO CICONETT: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS E DES. ANGELO MARANINCHI GIANNAKOS.

Porto Alegre, 28 de setembro de 2005.

DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS,

Relator.

RELATÓRIO

DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por PIO SODALÍCIO DAMAS DE CARIDADE – HOSPITAL POMPÉIA, na ação monitória ajuizada por ela contra HELIO PEDRO CICONETT, da sentença (fls. 77/79) que julgou improcedente a ação.

Em suas razões (fls. 83/86), alega a apelante: a) o SUS não repassou a quantia representada pelo cheque incluso nos autos; b) o cheque não foi emitido como caução, mas sim como pagamento das despesas hospitalares; c) os encargos incidentes estão absolutamente alinhados com o entendimento vigente.

Com preparo e contra-razões, subiram os autos.

É o relatório.

VOTOS

DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS (RELATOR)

As razões de apelo investem sem êxito contra os fundamentos da sentença, da lavra do Dr. Paulo Meneghetti, MM Juiz de Direito, que não merece reparo, pois bem apreciou a espécie, aplicando o melhor direito, cujos fundamentos, até para evitar fastidiosa tautologia, adoto como razões de decidir, ao expressar, “verbis”:

“Tratando-se de cheque dado em caução por ocasião de atendimento hospitalar de urgência, decorrente de acidente de trânsito, o seu valor somente é devido caso demonstrado que o atendimento foi efetuado no sistema particular. Aliás, não foi demonstrado que o valor seria decorrente de atendimento de despesas hospitalares, já que não foi anexado nenhum documento nesse sentido, seja na inicial, seja na impugnação.

“No caso, foi autorizada a utilização de AIH pelo Hospital Pompéia, ora autor, conforme documento da fl. 41 e laudo médico para emissão de AIH da fl. 42 para a “cobertura da internação hospitalar do paciente Jorge Eder Ciconetto”.

“O efetivo recebimento dos valore junto ao SUS é relação que não poderia intervir o réu, posto que não lhe pertence o direito de crédito.

“Tendo havido a emissão da AIH deve a autora receber o valor de atendimento pelo SUS e assim, não pode pleitear outros valores da parte, sob pena e recebimento em duplicidade.

“Nesse sentido foi a r. decisão proferida pela e. 16ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Rel. Desa. Helena Ruppenthal Cunha, em caso envolvendo o mesmo acidente de trânsito, porém quanto aos honorários do médico que atendeu o filho do ora réu, tendo o acórdão consignado a seguinte ementa, fl. 57:

“”AÇÃO DE COBRANÇA. HONORÁRIOS MÉDICOS. CHEQUE. SITUAÇÃO DE URGÊNCIA. POSTERIOR AUTORIZAÇÃO DO SUS. Não há de ser entendido devido o pagamento a título de honorários médicos quanto demonstrado que a internação ocorreu pelo SUS, embora lograda autorização pela previdência social em momento posterior, sob pena de dupla remuneração. Consideração da situação fática de urgência e prova dos autos. Sentença reformada. Apelo provido” (AC 598416063).

“O caso dos autos é idêntico ao julgado pelo e. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, sendo correto dar o mesmo entendimento, já que não demonstrado o atendimento particular.”

Acrescento que no corpo do v. acórdão referido na r. sentença lê-se:

“Cumpre esclarecer os fatos. O filho do apelante sofreu acidente de trânsito, quando trafegava em motocicleta, no dia 20/01/96, sábado, vindo a ser atendido primeiramente no hospital Nossa Senhora de Lourdes da cidade de Veranópolis; precisando de maiores cuidados e tratamento mais especializado, foi transportado de ambulância ao hospital Pompéia da cidade de Caxias do Sul. Ao ser realizada a baixa no hospital, foram exigidos alguns valores, a título de caução, sendo assinados pêlos pais alguns cheques, entre eles o de R$ 1.500,00 que instrui a inicial de cobrança. No intuito de ver o seu filho atendido, foram atendidas as exigências do hospital e, quando já internado, foram solicitados novos valores. Posteriormente, as despesas com internação, procedimentos médicos e demais encargos foram cobertas pelo SUS – Sistema Único de Saúde. Então, face à informação de que não eram devidas quaisquer cobranças diretamente do paciente e familiares, foram sustados os cheques emitidos, pois configurariam a duplicidade da cobrança.

“Tenho que razão assiste ao apelante.

“Diante da tragédia, perfeitamente explicável a assinatura de papéis e cheques, que viabilizaram, então, o atendimento necessário face ao grave quadro de saúde. Pleiteada posteriormente a autorização para internamento hospitalar pelo SUS, foi concedida. Esta circunstância é extremamente relevante e está demonstrada. O fato de ter sido buscada posteriormente a cobertura do SUS é justificada pela urgência em relação às providencias iniciais. Em situação crítica, num final de semana, difícil e inexigível a autorização do SUS, o que, aliás, está prevista no regulamento do próprio Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, fl. 20, que autoriza o internamento, no caso de urgência/emergência, independentemente de autorização prévia. Não poderia ser diferente.

“O argumento de que o atendimento hospitalar teria sido inicialmente de forma particular e daí o cabimento da cobrança resta esvaziado diante da situação fática porque esta era a única forma, então, de atendimento médico no momento inicial, conforme restou claro da prova produzida.

“Relevante, à espécie, a versão de Alides Sasso, devidamente compromissada, que, em relação ao cheque emitido ao médico, disse:

“”Não foi combinado nada com a parte autora, foi a enfermeira que chamou o médico. Estavam desesperados. Ninguém falou que era particular, apenas falaram que para a baixa era necessário apresentar o cheque…” (fl. 43 verso).

“O cheque, assim, na verdade representou caução porque posteriormente foi autorizada a cobertura pelo SUS, o que modificou a situação inicial. A ação, visando o pagamento dos serviços médicos, só teria êxito se não tivesse sido autorizada a cobertura. Do contrário, estar-se-ia chancelando o duplo pagamento.

“Além do ensinamento jurisprudencial citado pelo apelante, que conforta a tese que aqui se adota, valho-me também de precedente mais recente, assim ementado:

“”CHEQUE EMITIDO PARA PAGAMENTO DE DESPESAS MÉDICAS. DISCUSSÃO DO NEGÓCIO CAUSAL. Restando assente que o cheque em execução foi emitido em face de despesas médicas que não deviam ser pagas, haja vista que podiam ser satisfeitas pelo Sistema Único de Saúde, cumpre seja declarada extinção da execução” (AC 197185150, 4ª Câmara Civil do então TARGS, julgada em 23.04.98, Rel. Cezar Tasso Gomes).”

Já se decidiu: “TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. O cheque emitido sob forte emoção, em momento dramático, visando ao atendimento emergência de parente atingida por arma de fogo, quando a entidade hospitalar era conveniada do SUS, circunstância omitida do emitente, nem foi ministrado atendimento diferenciado a acidentada, não pode ser tido como título de crédito extrajudicial validamente constituído. Apelo improvido. Sentença de procedência dos embargos mantida” (AC 196104921/Des. Caminha, extinto TARS).

Por tais razões, nego provimento ao apelo.

DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS (REVISOR) – De acordo.

DES. ANGELO MARANINCHI GIANNAKOS – De acordo.

DES. VICENTE BARROCO DE VASCONCELLOS – Presidente – Apelação Cível nº 70012799557, Comarca de Veranópolis: “POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO.”

Julgador(a) de 1º Grau: PAULO MENEGHETTI

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