Foro privilegiado

Decisão do STF pode arquivar ações por improbidade

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14 de janeiro de 2006, 8h44

A informação de que o Supremo Tribunal Federal deverá arquivar um número considerável de inquéritos e ações por improbidade administrativa causou incômodo entre juízes e, principalmente, integrantes do Ministério Público.

De acordo com o blog do jornalista Josias de Souza, a decisão será tomada em março, com a conclusão do julgamento da Reclamação 2.138. Nessa reclamação, ajuizada em 2002 — durante o governo de Fernando Henrique Cardoso — contra decisão de juiz federal em desfavor do ex-ministro da Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardenberg, discute-se se os agentes políticos estão submetidos à lei de improbidade (Lei 8.429/92) ou se deveriam estar sujeitos aos chamados crimes de responsabilidade (Lei 1.079/50).

A soma ventilada, que eleva o volume de procedimentos à casa dos milhares, padece de overdose contábil, explica um especialista. Na realidade, o que o STF discute é se devem submeter-se ao regime da Lei de Improbidade ministros de estado, presidente, governador e secretários. O motivo é que esses agentes políticos já respondem perante o tribunal por crime de responsabilidade, ações civis públicas, ações populares e ações penais. Podem responder também perante o Senado se o delito imputado for em co-autoria com o presidente da República.

Continuam sujeitos à Lei de Improbidade prefeitos — estes sim, no pólo passivo de milhares de ações —, deputados e senadores.

No dia 14 de dezembro do ano passado, um voto do ministro Cezar Peluso formou a maioria em favor da tese de que os agentes políticos citados não estão sujeitos à lei de improbidade. A tese foi iniciada pelo presidente da Corte, ministro Nelson Jobim, que é o relator da Reclamação.

O julgamento está suspenso, em razão de pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. O único voto contrário à tese foi de Carlos Velloso. A situação só poderia se reverter se um dos ministros mudasse o voto. Dois deles — Maurício Corrêa e Ilmar Galvão — não podem: aposentaram-se. Dificilmente Gilmar Mendes e Ellen Gracie recuariam de suas posições, assim como Peluso, cujo voto é recente.

O Ministério Público lamenta. “Estamos tentando fazer contato com a imprensa, mas parece que a força da declaração do ministro Velloso, dizendo que a fatura está liquidada, é que deu um pouco mais de visibilidade à discussão. É uma situação que nos preocupa muito”, diz o procurador da República no Distrito Federal Luciano Rolim.

Ele foi o responsável pelo ajuizamento de uma ação de improbidade contra o ex-deputado federal José Dirceu, seu filho, Zeca Dirceu, e Waldomiro Diniz, ex-assessor do parlamentar na Casa Civil. “Ficamos preocupados porque, mantida a decisão, teremos que usar outros instrumentos, como a ação civil pública de ressarcimento, que não têm o poder de uma ação de improbidade”, avalia. A ação de improbidade possibilita a cassação dos direitos políticos do acusado, o que os ministros do STF consideram inadequado para uma autoridade que gastou mal o dinheiro público.

Para o procurador da República, a lei de improbidade atendeu ao espírito da Constituição da República, que não excepciona nenhum agente público dos rigores em caso de improbidade administrativa.

Assim como Rolim, o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Rodrigo Colaço, não acha que a fatura está liquidada. Para Colaço, a decisão na Reclamação 2.138 pode não se manter diante de uma alteração na composição do Supremo. Como se sabe, em pouco tempo deverão deixar a corte os ministros Sepúlveda Pertence e Nelson Jobim, sem falar em Carlos Velloso, que se aposenta no próximo dia 19.

Não participaram do julgamento os ministros Carlos Britto e Eros Grau, em razão de terem assumido vagas de ministros que já votaram — Maurício Corrêa e Ilmar Galvão.

“Acontecendo a decisão, vai ser lamentável. E ela ocorre no pior momento possível, quando o país assiste, estarrecido, uma série de acontecimentos envolvendo autoridades públicas. Mas, se o caminho judicial está esgotado, ainda temos duas opções”, avalia Colaço. “Vamos tentar reinserir essa questão na reforma do Judiciário. Ou vamos tentar provocar nova discussão quando da nova composição da corte”, diz o juiz.

“O julgamento não foi concluído, mas acho pouco provável a reversão”, diz o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Nicolau Dino. “A decisão traz um prejuízo monumental. Desde 1992, todos os agentes públicos estão sujeitos às suas sanções. Ao retirar os agentes políticos, isso produz um efeito extremamente negativo. Veja o caso do patrimônio público, onde há grandes ralos nos quais escoam boa parte do dinheiro, principalmente na administração municipal. Agora, esses agentes políticos municipais não seriam mais alcançados pela lei”, avalia Dino.

A reportagem da ConJur procurou a Procuradoria-Geral da República. No momento, o procurador-geral, Antonio Fernando de Souza, está de férias. Mas a assessoria da instituição informou que a PGR não comentará o caso até que haja a decisão final. Além disso, disseram que o entendimento adotado no âmbito do órgão da PGR é que decisão tomada pelo Judiciário não deve ser discutida, mas, sim, cumprida.

Todavia, o caminho adotado no âmbito do Ministério Público Federal no caso das ações de improbidade tem sido opinar pelo envio dos processos à primeira instância, em razão de não reconhecerem o foro especial para qualquer autoridade nesses casos. A prevalecer a distinção sobre os agentes políticos, o procedimento será alterado.

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