Conta alta demais

Vivo tem de indenizar por bloqueio indevido da linha

Autor

11 de janeiro de 2006, 19h46

A Vivo terá de pagar indenização de R$ 15 mil para uma cliente que teve sua linha de telefone celular cortada indevidamente, já que ela não tinha atrasado o pagamento da conta. A decisão unânime é da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

De acordo com a cliente, o serviço foi bloqueado quando o seu marido estava viajando para o Mato Grosso e usava o celular diariamente para se comunicar com familiares e tratar de negócios. Ela alegou também que mantinha todas as faturas em dia.

A Vivo sustentou seu direito de fazer o bloqueio da linha em vista do valor elevado da nota emitida em dezembro de 2002: seis vezes superior a média dos três meses antecedentes. Para a empresa, a sua atitude garante segurança aos clientes e à empresa e é prevista em contrato.

O relator, desembargador Leo Lima, considerou que as cláusulas do termo assinado entre a usuária e a prestadora do serviço deixam explícito que cabe a prestadora estipular limite de valor para as ligações mensais e, por conseqüência, ultrapassados esse limite, suspender o serviço. Porém, para Lima, as cláusulas citadas são abusivas diante do que expressa o Código de Defesa do Consumidor. “Restringe direitos e obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio”, explicou.

O desembargador também destacou que, como não há um valor objetivamente declarado para o máximo de ligações, a empresa também falha no oferecimento de informação precisa e necessária, “ficando a suspensão da linha ao seu inteiro arbítrio”. Para ele, esta situação “coloca em exagerada desvantagem o consumidor, desequilibrando a relação contratual”.

Segundo Lima, “o dano moral advém da própria prestação viciada do serviço, obrigando a autora a suportar uma situação desgastante, vendo-se privada de usufruir o bem para cuja utilização pagou”.

Leia a íntegra da decisão.

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MATERIAL E MORAL. BLOQUEIO INDEVIDO DE LINHA TELEFÔNICA CELULAR.

Agravo retido interposto contra decisão que entendeu desnecessária a oitiva do representante legal da ré não conhecido, porquanto não reiterado no apelo, conforme dispõe o art. 523, § 1º, do CPC.

Restando demonstrado que a autora faltou com seu dever ao deixar de informar, de modo claro e precisp, qual o valor utilizado como limite para o bloqueio da linha telefônica, bem como ao suspender tal linha sem haver qualquer atraso no pagamento das respectivas faturas, deve reparar o dano moral causado. Nas circunstâncias, o dano advém do próprio fornecimento defeituoso do serviço. Nexo causal comprovado. Indenização por dano material e repetição do indébito afastadas. Valor da reparação e da verba honorária mantidos.

Apelação e recurso adesivo desprovidos.

Apelação Cível Quinta Câmara Cível

Nº 70012986964 Comarca de Getúlio Vargas

CELULAR CRT S.A. APELANTE/RECORRIDO ADESIVO

REALDA MARIA PANDOLFI RECORRENTE ADESIVO/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover o apelo e o recurso adesivo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle e Des. Umberto Guaspari Sudbrack.

Porto Alegre, 21 de dezembro de 2005.

DES. LEO LIMA,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Leo Lima (RELATOR)

REALDA MARIA PANDOLFI ajuizou ação contra a CELULAR CRT S/A. Alega ter adquirido da ré, em 05.08.2002, após aprovação cadastral, um aparelho celular no valor de R$ 249,00, passando a ser titular do número 5499823722, em conta pós paga, no plano Movistar Top. Diz que o aparelho foi adquirido para presentear seu marido, bem como para atender as necessidades de comunicação da família. Menciona que, quando mais precisou do telefone, o mesmo foi bloqueado pela operadora, sem que houvesse aviso prévio. Esclarece que o seu marido estava numa viagem de negócios, quando a linha foi bloqueada.

Destaca que o funcionamento do telefone, naquelas circunstâncias, era indispensável para a família. Argumenta que a cidade mais próxima do local em que seu marido se encontrava ficava a 100 quilômetros de distância. Registra que seu deslocamento para tal cidade teve que ser diário, pois o mesmo necessitava manter contato diário com sua família e com as pessoas que ficaram encarregadas de seus negócios.

Observa que a linha foi bloqueada em 04.11.2002, sendo que durante vinte dias de permanência no Mato Grosso, seu marido acabou percorrendo mil quilômetros. Diz que houve inúmeras tentativas de resolver o problema através do serviço 0800. Salienta que a ré se limitou a dizer que o telefone seria desbloqueado somente após o pagamento da fatura que iria vencer no mês seguinte, pois as despesas já tinham atingido o valor de R$ 208,83. Refere que a atendente repetia que, devido à grande inadimplência no Estado, era normal o bloqueio preventivo da linha quando ultrapassada a média de consumo do trimestre.


Esclarece que o telefone foi habilitado em 05.08.2002, sendo que as faturas com vencimento em 03.09.2002, 03.10.2002 e 03.11.2002, mês da viagem, encontravam-se pagas. Frisa ter registrado uma reclamação no PROCON, sendo que a respectiva conciliação, no entanto, foi inexitosa. Menciona que, mesmo pagando a fatura com vencimento em 03.12.2003 antecipadamente, ou seja, em 28.11.2003, o problema não foi resolvido. Observa que, entrando em contato com a ré, foi-lhe exigido que pagasse a quantia de R$ 180,00, a título bônus. Diz que, diante de tal quadro, solicitou a rescisão do contrato, para a qual lhe foi exigido o pagamento de R$ 120,00, além de uma fatura, no valor de R$ 9,72. Informa que, até a presente data, o seu aparelho de telefone permanece bloqueado para outra operadora. Aponta que, pelo deslocamento diário de seu esposo, no Mato Grosso, gastou 200 litros de combustível, o que equivale a R$ 560,00. Registra que, pelo deslocamento em busca de atendimento no PROCON de Erechim, gastou R$ 23,00. Por tais razões, requer a condenação da ré ao pagamento de R$ 262,22, referentes ao que foi pago pelo telefone, R$ 600,59, atinentes ao valor que foi gasto com os deslocamentos no Mato Grosso, R$ 1.038,32, que equivalem a soma de R$ 208,83, valor pago na data do corte do telefone, de R$ 120,00, valor pago sem motivo discriminado e de R$ 180,00, exigidos a título de bônus, além do pagamento de uma indenização por dano moral, em quantia a ser fixada pelo juízo.

A autora emendou a inicial para atribuir o correto valor à causa.

Na contestação, a ré refere que foi disponibilizada à autora, em 05.08.2002, uma linha móvel, cuja rescisão ocorreu em 29.11.2002. Salienta que a autora efetuou o seu primeiro pagamento em 03.09.2002, no valor de R$ 30,90, sendo seguido dos pagamentos de R$ 56,83, em outubro e de R$ 34,46, em novembro. Diz que a fatura com vencimento em dezembro de 2002 foi emitida pelo valor de R$ 208,83, ou seja, superior a seis vezes a média dos valores antecedentes, o que ensejou a aplicação da cláusula 11ª do contrato. Destaca que a autora teve a sua linha bloqueada parcialmente em decorrência do alto uso da mesma em relação ao uso antecedente. Registra que tal prática tem o objetivo de garantir segurança às partes contratantes, não se mostrando ilegal ou abusiva. Refere que tal prática é uma proteção ao usuário do serviço de telefonia móvel, já que, ultrapassado o valor da média mensal de ligações, ainda dentro do mês corrente, o serviço de telefonia é bloqueado e o usuário imediatamente avisado, sendo emitida uma fatura referente ao valor excedido. Argumenta que, de acordo com o art. 160, I, do CC de 1916, não constituem atos ilícitos os praticados no exercício regular de um direito. Esclarece que o sistema permite o desbloqueio mediante apresentação de informações pessoais e pagamento das chamadas já realizadas. Salienta que a autora não comprovou os danos que alega ter sofrido, não havendo falar em responsabilidade civil.

A autora se manifestou sobre a contestação.

Realizada a instrução, foi ouvida uma testemunha, sendo indeferida a oitiva do representante legal da ré.

Inconformada, a ré interpôs agravo retido, sendo mantida a decisão.

As partes apresentaram memoriais.

Lançada a sentença, a ação acabou julgada procedente, em parte, para condenar a ré a pagar a autora o valor de R$ 15.000,00, a título de indenização por dano moral, corrigido monetariamente, pelo IGP-M e acrescido de juros moratórios a contar do evento. Outrossim, a autora foi condenada ao pagamento de 75% das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00, enquanto a ré foi condenada ao pagamento do restante das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Irresignada, a ré apelou, requerendo a improcedência da ação ou, não sendo esse o entendimento, a redução do valor da reparação.

A autora, por sua vez, interpôs recurso adesivo, postulando a majoração do valor da reparação, a condenação da ré ao pagamento da indenização pelos danos materiais e a repetição dos valores pagos, bem como a majoração da verba honorária.

Com as respostas, os autos vieram à apreciação desta Corte.

É o relatório.

VOTOS

Des. Leo Lima (RELATOR)

1. De início e uma vez presente o conteúdo do art. 523, § 1º, do CPC, não conheço do agravo retido interposto pela ré à fl. 124, contra a decisão que entendeu desnecessária a oitiva do representante legal da ré. Tudo, porque tal agravo não foi reiterado no apelo.

2. De resto, não merecem prosperar os recursos.

É certo que, segundo as cláusulas 11.1 e 11.2 do “Contrato de Tomada de Assinatura para Prestação de Serviço Móvel Celular”, a ré poderá estabelecer um limite de valor para a utilização dos serviços a cada mês, sendo que, na hipótese de o assinante ultrapassar o limite estabelecido, a Telefônica Celular poderá suspender o serviço e emitir a fatura respectiva ainda que o período de tal fatura seja inferior ao mensal (fl. 63).


Todavia, tal cláusula, como se pode observar da leitura do art. 51, § 1º, do CDC, não deixa de ser abusiva, pois restringe direitos e obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual.

E nem se diga que a relação entabulada entre as partes não seja de consumo, já que os conceitos de consumidor e fornecedor dos arts. 2º e 3º, do mesmo diploma legal, bem se enquadram nas condições da autora e da ré, respectivamente.

Sendo assim, convém ser ressaltado o disposto no art. 6º, III, do CDC, segundo o qual é direito básico do consumidor a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

Nessas circunstâncias, da leitura das cláusulas 11.1 e 11.2 do contrato firmado entre as partes já se percebe que a ré faltou com seu dever no que tange à correta e clara informação sobre o serviço prestado.

Ora, segundo tais cláusulas, a ré poderá estabelecer limite de valor para a utilização de serviços a cada mês, podendo suspender o serviço, caso ultrapassado tal valor.

Todavia, em nenhum momento a ré especifica qual seria o valor utilizado como limite para os serviços que presta, ficando, a suspensão da linha, ao seu inteiro arbítrio, no momento em que lhe aprouver.

É uma situação que coloca em exagerada desvantagem o consumidor, desequilibrando a relação contratual, o que acaba por provocar a incidência também do art. 51, IV, do CDC.

Por outro lado, dos documentos de fls. 12/14, verifica-se que as faturas correspondentes aos meses de setembro e outubro foram pagas no vencimento, não havendo qualquer razão para a suspensão do serviço.

Então, a responsabilidade da ré reside no fato de faltar com seu dever de informação clara e precisa sobre o serviço disponibilizado, bem como no fato de bloquear a linha telefônica sem a existência de qualquer atraso.

O dano moral, então, advém da própria prestação viciada do serviço, obrigando a autora a suportar uma situação desgastante, vendo-se privada de usufruir o bem para cuja utilização pagou.

Apontada circunstância mais se agrava pela empresa demandada ter bloqueado a linha no momento em que a autora e seu esposo mais precisaram.

Logo, havendo claro nexo de causalidade entre esse dano e a conduta da requerida, emerge o dever de reparação, conforme preceitua o art. 159 do Código Civil de 1916, aplicável ao caso.

Com referência ao dano material e à repetição do indébito, embora alegados, não há nenhum elemento que os comprove, porquanto indenizações dessa ordem pressupõem dados concretos.

Outrossim, andou bem a douta sentença quanto ao valor da reparação.

A propósito, conforme conhecida lição de Caio Mário da Silva Pereira:

“A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso que os integrantes de seu patrimônio devem receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva” (Responsabilidade Civil, nº 49, pág. 60, 4ª edição, 1993).

Diante de tais parâmetros, mostra-se razoável o valor estabelecido pelo nobre julgadora de primeiro grau, dra. Rossana Gelain Silveira Pires, de R$ 15.000,00.

No que tange à verba honorária, nenhum reparo merece a sentença, porquanto fixada nos moldes do art. 20 do CPC.

3. Ante o exposto, nego provimento a ambos os recursos.

Des. Pedro Luiz Rodrigues Bossle (REVISOR) – De acordo.

Des. Umberto Guaspari Sudbrack – De acordo.

Julgador(a) de 1º Grau: ROSSANA GELAIN SILVEIRA PIRES

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!