Justiça insegura

Temas sobre o poder investigatório do Ministério Público

Autor

11 de janeiro de 2006, 15h56

A Constituição de 1988 reforçou o poder investigatório da Polícia Judiciária e a função acusatória do Ministério Público. Acabou com o Procedimento Sumário da Lei 4.611/65 e atribuiu estatura constitucional a função investigatória. Foi rechaçado poder investigatório judicial da Lei 9.034/95 e com Lei de Falência 11.101/2005 (artigo 187). A LC 75/93, sob a égide da CF de 88, não renovou o artigo 15 da LC 41/81 que autorizava o MP a exercer atividade de polícia judiciária na ausência do delegado de polícia, exatamente porque é atividade típica da polícia.

A nossa tradição e cultura jurídica delimitam bem as funções de investigar e julgar, de polícia e judicatura. Do descobrimento até 1827 a polícia executava a atividade de investigação, neste ano, tal atribuição foi conferida ao Juiz de Paz, passando pelo Código de Processo Criminal de 1832, entretanto, em 1841, com a Lei 261, as atividades investigatórias retornaram às autoridades policiais, portanto, durou apenas 14 anos, sendo que em 1871, surgiu a Lei 2.033 e o Decreto 4.824 reafirmando às autoridades policiais as funções de investigação criminal, quando surgiu o Inquérito Policial, o mesmo ocorreu com o atual CPP de 1941 e subseqüentes projetos de reforma processual de Francisco de Assis Toledo, de José Frederico Marques, assim como o recente Projeto 4.209/2001, elaborado pela Comissão liderada por Ada Pellegrini Grinover.

O Regulamento 120 de 1842 (Lei 261/1841) já estabelecia competência a PJ de proceder a exame de corpo de delito e julgar crimes que não esteja imposta pena maior que multa ate 10.000$00, ou prisão, degredo, desterro ate 6 meses, portanto, a nossa cultura e a nossa tradição conferem competência investigatória somente à polícia, além da competência para julgar pequenos crimes.

A autoridade policial incumbia processar e julgar infrações civis contra os símbolos nacionais, conforme Lei nº 5.700 de 01.09.71, alterando-se para contravenções penais através da Lei 6.913 de 27.05.81.

Até 1988 a Polícia Judiciária processava as contravenções penais, nos Processos Judicialiformes da Lei 4.611/65 e artigo 531 ss CPP. A CF de 1988 preconiza o interrogatório policial no artigo 5o, LXIV, e fala em inquérito no artigo 109, parágrafo 5º (EC 45) e, inquérito policial no artigo 129, VIII, o que corrobora a estatura constitucional do Inquérito Policial e sua titularidade pela polícia.

Todas Emendas que visavam conferir atribuições de investigação criminal ao MP, na Constituinte de 1988, foram rejeitadas: 424, 945, 1025 etc, apesar do esforço do Constituinte Plínio Arruda Sampaio, Relator da Subcomissão de Reforma do Judiciário e Ministério Público, que também é oriundo do Ministério Publico de São Paulo.

O poder investigatório do MP está regulamentado em nosso sistema jurídico: artigos 128 e 129 da CF/1988, LC 75/93, Lei 8.625/93, Lei 7.347/85, Lei 8.429/92, Lei 8.069/90, Lei 8.078/90, Estatuto do Idoso etc, mas não contemplam atribuições de investigação criminal, somente investigações civis.

Na França, berço do MP, a investigação e controle da fase pré-processual são executas pelo juiz de instrução. Na Itália a polícia judiciária não depende do Ministério Publico, mas, da autoridade judiciária, já na Espanha a função de investigação criminal cabe a polícia judiciária, com vinculação ao juiz e ao MP, ensina José Afonso da Silva.

Na Inglaterra a própria Polícia acusa, somente em 1985 foi criado o Prossecution of Offences Act dirigido pelo Attorney General, que é um membro do Parlamento e do Governo.

As interpretações atribuídas por Procuradores e Promotores não encontram respaldo seja na antiga ou na atual hermenêutica, e, não ha como restabelecer por via de interpretação aquilo que foi rejeitado pelo Constituinte.

A investigação irrestrita pelo MPF nos Procedimentos de Investigações Criminais, representa a quebra da constituição, pois pretende-se:

1. A presidência da investigação;

2. Disposição material e jurídica da investigação;

3. Requisição geral de diligências;

4. A assistência e acompanhamento da investigação;

5. A avocação da investigação;

6. A organização técnica, estratégica e logística.

O MP não pode intimar, interrogar, fazer buscas pessoais e domiciliares, lavrar Auto de Prisão em Flagrante Delito, pois são atos típicos da polícia.

O poder investigatório do MP está adstrito a requisitar Inquérito Policial e Termo Circunstanciado, requisitar diligências depois de relatado o feito, requisitar diretamente novos documentos, acompanhar o Inquérito Policial, dissecar e avaliar o resultado da investigação. Porque o MP não coloca em prática o artigo 47 do CPP? Para Rogério Lauria Tucci é possível ao MP: a) requisitar diligências investigatórias e a instauração de Inquérito Policial; b) acompanhar a tramitação do inquérito realizado pelo delegado; c) exercer o controle externo da atividade policial.

O poder investigatório do MP está associado ao utilitarismo judicial, empregado geralmente em momentos de crises, onde os fins justificam os meios, em que a criminalidade deve ser combatida a qualquer custo, mesmo que os meios sejam abusivos, com franco atropelo às regras e formas. Exemplo: mãos limpas, com 50 cartas rogatórias, 20.000 interrogatórios, com abuso de autoridade, perseguição política, estigmatização, prepotência e apresentando um verdadeiro Estado de Polícia, citado por Aury Lopes Jr., inclusive ocasionou o afastamento do Procurador Pietro e outros da Sicília. Precisa-se de uma sociedade forte, democrática e justa, que assuma sua própria defesa, através de organismos e instrumentos não-estatais, ao invés de uma polícia arbitrária, ou, de um MP hipertrofiado.

Em matéria de competência constitucional, não há poderes implícitos, estes, são empregados como medidas excepcionais, durante emergências institucionais, através da cláusula dos poderes de guerra (EUA), ou, cláusula de ditadura, ou, direito de necessidade, ou, de exceção.

O MP é parte, portanto não é imparcial, não consegue ser fiscal da lei e acusador ao mesmo tempo, esconde as provas de descarga e supervaloriza a prova de carga, há o risco de busca orientada da prova. No sistema acusatório, vigente entre nós, o MP é parte, e a imparcialidade é necessariamente atributo do juiz, conforme Carlos Velloso no RE 215.301-CE. Contraria a lógica uma parte investigar, acusar e defender posições do acusado.

A titularidade da investigação pelo MP provoca uma desigualdade de armas, pois o MP filtrará somente as provas favoráveis à acusação, restando apenas ao acusado a solicitação durante a fase processual, com isso, ensejará erros judiciários, afetará o status dignitatis do cidadão, o direito de defesa e a balança da Justiça penderá para um lado. Há uma hipertrofia do MP.

Conforme pesquisa do Instituto Max-Plank, mesmo onde há o promotor-investigador, este pratica muito pouco a investigação, a polícia judiciária que efetiva as investigações, pois possui mais desenvoltura, assinala Aury Lopes Jr.. Então, a normatização da titularidade da investigação para o MP, poderá piorar a investigação policial e o sistema processual penal.

O teste revelador da eficiência do MPF reside na ausência de ilícitos de sua alçada, e não na manifestação visual da atuação ministerial contra estes ilícitos.

O MP tem conseguido proteger satisfatoriamente os bens jurídicos tutelados por ele? Como andam os serviços de relevância publica? As violações ao patrimônio público, social, cultural, ao meio ambiente, ao direito do consumidor, à saúde, o transporte público, aos interesses indígenas, estão sob controle? Com a hipertrofia do MP na CF de 88 aumentaram ou diminuíram os atos de improbidade administrativa, a corrupção nos órgãos públicos federais, estaduais e municipais, o tráfico de influência, a corrupção política? O Código Eleitoral, não recepcionado no tocante a apuração pré-processual alijou a polícia judiciária desta fase, isso, propiciou o controle da corrupção eleitoral? Como anda a fiscalização e repressão de ilícitos relacionados ao custeio das campanhas eleitorais?

Mais importante para a pureza do sistema processual penal e balanceamento do direito a investigação com a observância da dignidade da pessoa humana, não é atribuir ilimitada atribuição investigatória ao MP, mas, introduzir no nosso sistema processual a fase intermediária de pré-admissibilidade da acusação, que permita avaliar e filtrar ações penais infundadas ou temerárias, com efetivo controle judicial pela defesa.

Busca-se de modo incessante alterar e estigmatizar conceitos e construções teóricas que propiciem um esvaziamento e menoscabo ao Inquérito Policial: investigação criminal não é atributo da polícia judiciária; as polícias federal e civis têm exclusividade na polícia judiciária, mas não da investigação pré-processual; Inquérito Policial não é o principal instrumento da investigação criminal, mas apenas um dos instrumentos; Inquérito Policial não é sinônimo de investigação criminal.

Polícia Judiciária é a que procura as provas das infrações penais, bem como seus autores, conforme definição tradicional empregada pelo direito administrativo, citando-se José Cretella Jr., mas, agora se pretende restringir o conceito de Polícia Judiciária unicamente como responsável pela execução de ordens emanadas do Poder Judiciário no âmbito do processo penal, na forma do artigo 13 do CPP: cumprimento de mandado de prisão, busca e apreensão, requisição pericial, diligência etc.

Investigação é o ato de pesquisar ou indagar, de investigar, de inquirir, permitindo chegar à verdade ou a um conhecimento. Investigação criminal é a pesquisa da verdade e a formação de meios de provas com vistas à tomada de uma decisão, no sistema processual penal, se divide em:

investigação criminal típica ou substancial: é a busca do esclarecimento da verdade material dos fatos, através da pesquisa dos vestígios deixados pela infração, traduzidas numa instrução preliminar, desencadeada pela polícia judiciária e;

investigação criminal atípica ou acidental: são as investigações não criminais produzidas por órgãos públicos, mas, durante as apurações, acidentalmente, deparam com crimes e por dever de ofício estão obrigados a comunicá-los as autoridades persecutórias, vg.: juízes criminais e não criminais, CPI, Coaf, Banco Central, INSS, SRF, Lei de Falência, procedimentos administrativos disciplinares, também, inclui-se as diligências de cunho investigatórios do MP, visando complementar a investigação policial e instruir a ação penal, na instrução definitiva.

Porque o MP rejeita o monopólio da investigação pela polícia, mas defende intransigentemente o monopólio da ação penal? Se a universalidade da titularidade da investigação criminal é boa prática, não o será também a universalidade da ação penal?

Porque o MP imputa defeito ao Inquérito Policial de ser inquisitivo, tentando atrelá-lo ele a Inquisição, mas, tem praticado uma inquisitividade e sigilo a seus procedimentos, justamente as principais notas do processo inquisitório, sendo que o nosso sistema é acusatório?

Concluímos com Paulo Lucio Nogueira, que o Inquérito Policial precisa sofrer algumas alterações, mas, não é o responsável pela Justiça insegura ou tardia, pois não são as leis que tornam os homens melhores, mas sim os homens que devem fazer melhores leis e zelar pelo seu file cumprimento.

Notas Bibliográficas

LOPES Junior, Aury. Investigação preliminar no processo penal. 2a ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.

SILVA, José Afonso da. Em face da Constituição Federal de 1988, o Ministério Público pode realizar e/ou presidir investigação criminal, diretamente? [Parecer] Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, vol. 12, fascículo 49, julho-agosto/2004, p. 368-388.

RODRIGUES, Anabela Miranda. A fase preparatória do processo penal – tendências na Europa. O caso português. Revista de Ciências Criminais. São Paulo: IBCCRIM, fasc. 39, ano 10, jul-set/2002, p. 9-27.

CRETELLA JUNIOR, José. O poder de policia. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso completo de processo penal. São Paulo: Saraiva, 1999.

TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!