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Não cabe indenização se exame de HIV não é conclusivo

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10 de janeiro de 2006, 13h55

Resultado de exame de HIV que não deixa claro se o paciente é portador ou não do vírus da Aids não gera dever de indenizar. Com este entendimento, a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul livrou o hospital Dom João Becker de pagar indenização a um paciente, diagnosticado como HIV “fracamente reagente”. Cabe recurso.

O autor da ação buscou receber reparação por abalos psicológicos e danos às relações familiares depois de ter sido informado pelo hospital de que era portador do vírus HIV. O paciente fez dois exames e ambos apresentaram como resultado “fracamente reagente ao HIV”.

O paciente foi encaminhado ao Centro de Ações Coletivas Municipais e a um psicólogo. No processo, alegou que esta situação o deixou desorientado. Também afirmou que chegou a acusar sua mulher, grávida, de ter lhe transmitido o vírus.

A primeira instância fixou a indenização por danos morais em 100 salários mínimos, além de condenar o hospital a pagar as despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% do valor da condenação.

O hospital recorreu. A relatora do caso, desembargadora Íris Helena Medeiros Nogueira, considerou que em momento algum foi informado ao paciente, por escrito ou verbalmente, que era portador do vírus da Aids. Além disso, o paciente foi informado que o resultado era duvidoso.

A relatora esclareceu que o Ministério da Saúde explica em portaria que “o exame para a detecção do vírus HIV é falível, podendo apresentar os resultados de: reagente (positivo); não-reagente (negativo); ou fracamente reagente que são os chamados falso-positivos ou falso-negativos”.

Assim, é necessário que sejam realizados simultaneamente dois testes — HIV 1 e HIV 2. Se houver positividade ou resultado indeterminado, é obrigatória nova coleta e a reedição de todo o procedimento.

“O hospital procedeu corretamente quando, recebendo o primeiro resultado de fracamente reagente, chamou o autor para nova coleta de sangue e, verificando novo resultado de fracamente reagente, o encaminhou ao CEAC, ressaltando que havia probabilidade de ser portador do vírus, mas nenhuma certeza”, destacou a desembargadora. “Não há ilicitude no agir da instituição hospitalar, não havendo o dever de indenizar”, concluiu.

Processo 70013238449

Leia a íntegra da decisão

APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXAME DE HIV. RESULTADO “FRACAMENTE REAGENTE”. FALSO-POSITIVO. CONDUTA LÍCITA ADOTADA PELO HOSPITAL – RÉU – E PELO HEMOCENTRO – DENUNCIADO DA LIDE -. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR.

1. O autor realizou dois exames de HIV junto ao hospital réu, tendo ambos apresentado como resultado “fracamente reagente ao HIV”.

2. A teor da Portaria n° 488, de 17 de junho de 1998, emanada do Ministério da Saúde, o exame para detectação do vírus HIV é falível, podendo apresentar os resultados de: reagente – positivo -; não reagente – negativo -; ou fracamente reagente, que são os chamados duvidosos, falso-positivos ou falso-negativos. Sendo concreta a possibilidade de o exame não apresentar, em um primeiro momento, resultado absolutamente confiável, determina a Portaria que sejam realizados simultaneamente dois testes – HIV 1 e HIV 2 – e, havendo positividade ou resultado indeterminado, é obrigatória nova coleta e a reedição de todo o procedimento. Tal procedimento foi adotado, na íntegra, pela denunciada da lide.

3. Pelo que se extrai da documentação acostada aos autos, o demandante não recebeu nenhum resultado de exame referindo que era portador do vírus, tanto que somente acostou os resultados de não reagente seus e de sua esposa

4. Por outro lado, o demandado procedeu corretamente quando, recebendo o primeiro resultado de fracamente reagente, chamou o autor para nova coleta de sangue e, verificando novo resultado de fracamente reagente, o encaminhou à Secretaria de Saúde do Município, ressaltando que havia probabilidade de ser portador do vírus, mas nenhuma certeza.

5. A denunciada da lide, por sua vez, realizou corretamente os exames, e não liberou nenhum resultado ao autor. Tanto é assim que, como se vê dos relatórios de exames hematológicos, consta “resultado não liberado”.

6. Não configurada a atuação ilícita do réu e da denunciada da lide, em que pese a situação narrada nos autos seja, por si só, causadora de abalo psicológico, não há dever de indenizar.

DERAM PROVIMENTO AOS APELOS, PARA JULGAR IMPROCEDENTES A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO E A DENUNCIAÇÃO DA LIDE.

APELAÇÃO CÍVEL: NONA CÂMARA CÍVEL

Nº 70013238449: COMARCA DE GRAVATAÍ

FEPPS- FUNDACAO ESTADUAL EDUCACAO E PESQUISA EM SAUDE: APELANTE

SOCIEDADE EDUCACAO E CARIDADE DOM JOAO BECKER: APELANTE

BENEDITO MIGUEL DA SILVA FILHO: APELADO


ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, deram provimento a ambos os apelos, para julgar improcedentes a ação de indenização e a denunciação da lide.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE) E DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI.

Porto Alegre, 30 de novembro de 2005.

DESA. ÍRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA,

Relatora.

RELATÓRIO

DESA. ÍRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (RELATORA)

Trata-se de apelos interpostos por FEPPS – FUNDAÇÃO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO E PESQUISA EM SAÚDE e SOCIEDADE EDUCAÇÃO E CARIDADE DOM JOÃO BECKER, este na qualidade de réu e aquela na qualidade de denunciada da lide, na ação de indenização movida por BENEDITO MIGUEL DA SILA FILHO, contra sentença que julgou procedente o pedido.

Relatou o autor, na inicial, que, em 14.10.1999, foi até o hospital requerido para doar sangue. Passados oito dias, foi chamado com urgência ao hospital para nova coleta, já que havia suspeita de ser portador do vírus HIV. Referiu que, depois de mais trinta dias, foi novamente chamado ao hospital, que lhe informou que o segundo exame também tinha resultado positivo e lhe sugeriu que procurasse o CEAC – Centro de Ações Coletivas Municipais, sendo encaminhado, ainda, a um psicólogo. Aduziu que ficou desorientado, e que acusou a esposa, grávida, de ter-lhe transmitido o vírus, imputando-a, ainda, de infiel. Em 13.01.2000, 25.01.2000 e 23.11.2000 fez novos exames em outros laboratórios, bem como sua esposa, em 14.09.2000, cujos resultados, para ambos, deu negativo. Argumentou ter sofrido dano psicológico e dano às relações familiares. Pediu a condenação da ré ao pagamento de indenização, no valor equivalente a trezentos salários mínimos. Acostou procuração (fl. 09) e documentos (fls. 10-16).

Concedido ao autor o benefício da gratuidade da justiça (fl. 18).

A ré apresentou contestação (fls. 20-26), argüindo, preliminarmente, ilegitimidade passiva. Disse que o hospital não possui banco de sangue, de tal modo que realiza apenas a coleta, sendo responsável pela realização dos exames o hemocentro. Esclareceu que o hospital, quando necessita de sangue, o solicita ao hemocentro, encarregando-se da reposição. Referiu que é o hemocentro que formula o mapa de sorologia e diagnostica os problemas, cabendo ao hospital somente diligenciar junto ao doador. Pediu, assim, a denunciação da lide ou o chamamento ao processo do hemocentro. No mérito, ressaltou que o autor fez dois exames, que apontavam que o sangue era fracamente reagente ao HIV. Nunca disseram ao autor que ele tinha AIDS, tanto que, para buscar confirmação e evitar resultados errados, encaminharam-no ao serviço de infectologia do Município. Aduziu que, como os resultados apontavam ser fracamente reagente, sempre foi o demandante encaminhado a novos exames, sem qualquer resultado definitivo. Apontou o entendimento jurisprudencial no sentido de não haver dever de indenizar nos casos de resultados não confirmados. Impugnou o valor de indenização postulado. Buscou a improcedência. Pediu o benefício da Assistência Judiciária Gratuita, por tratar-se de entidade filantrópica. Acostou procuração (fl. 27) e documentos (fls. 28-39).

Houve réplica (fls. 41-44).

Concedido o benefício da Assistência Judiciária Gratuita à ré (fl. 52).

Deferida a denunciação da lide ao hemocentro (fl. 48).

A FEPPS – Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde, pessoa jurídica à qual pertence o hemocentro, na qualidade de denunciada da lide contestou o feito. Impugnou a denunciação, ressaltando não ter o dever de ressarcir o demandado no caso de haver condenação. Disse que inocorreu erro de diagnóstico, e que os resultados apresentados, no sentido de ser o sangue do autor fracamente reagente ao HIV, não eram definitivos nem significavam positividade. Apontou a inexistência de equívoco na realização dos exames, uma vez que os testes foram corretamente feitos e o resultado apresentado foi correto. Sustentou que, se algum erro houve, foi na veiculação dos resultados, o que é dever do réu, sendo ele o único responsável por eventuais danos. Esclareceu que os testes de HIV podem apresentar três resultados, quais sejam, reagente (positivo), fracamente reagente (duvidoso) e não reagente (negativo), e que, sendo tais testes de alta sensibilidade, é possível a ocorrência de falsos positivos. Asseverou ter agido licitamente, bem como impugnou o valor objetivado pelo demandante. Pediu a improcedência da denunciação e da ação principal. Acostou documentos (fls. 60-100).

O autor replicou (fls. 102-104).

Realizada audiência de instrução e julgamento (fl. 135), foram ouvidas quatro testemunhas (fls. 136-139), e outras três depuseram por meio de carta precatória (fls. 144-147).


As partes apresentaram memoriais (fls. 152-154 pelo autor e fls. 155-161 pela denunciada da lide).

Sobreveio sentença (fls. 163-172) que julgou procedente a ação de indenização, condenando o réu a pagar ao autor o montante equivalente a cem salários mínimos, a título de dano moral, além das despesas processuais e honorários advocatícios, fixados em 15% do valor da condenação. Ainda, julgou procedente a denunciação da lide, condenando a denunciada ao pagamento das despesas decorrentes da intervenção e honorários em favor do procurador do denunciante, fixados em R$ 800,00.

A Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde opôs embargos de declaração (fl. 175), que foram acolhidos (fl. 183).

Inconformada, a denunciada da lide Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde apelou (fls. 176-181). Reeditou os argumentos de defesa, buscando a improcedência da denunciação ou a redução do quantum indenizatório.

O autor contra-arrazoou (fls. 185-187).

O réu, irresignado, também recorreu (fls. 190-200). Repisou sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da demanda. Reeditou o pedido de Assistência Judiciária Gratuita, por ser entidade filantrópica. Quanto aos honorários advocatícios, apontou diferença entre o que foi condenado a pagar (15% da condenação) e o que receberá da denunciada (R$ 800,00). Pediu o reconhecimento de sua ilegitimidade passiva; a improcedência da ação de indenização pela ausência de nexo causal; a majoração dos honorários advocatícios que lhe são devidos pela denunciada e o deferimento do benefício da gratuidade da justiça.

Contra-razões pelo autor às fls. 207-210.

O Ministério Público, por meio da DD. Procuradora de Justiça que atua junto a esta Câmara, apresentou parecer (fls. 213-221), opinando pelo desprovimento dos recursos.

Vieram os autos a mim conclusos, para julgamento, em 07.11.2005 (fl. 222).

É o relatório.

VOTOS

DESA. ÍRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA (RELATORA)

Eminentes Desembargadores.

Destaco, inicialmente, que deixo de conhecer do agravo retido de fl. 138, interposto pelo réu na audiência de instrução e julgamento contra decisão da magistrada que deixou de compromissar a testemunha Floriano Castilhos Cunha Torres.

O recurso de agravo na forma retida, para ser conhecido pela instância superior, deve preencher o requisito imposto pelo artigo 523, caput e § 1°, do Código de Processo Civil, qual seja, que o agravante requeira expressamente, nas razões ou contra-razões do apelo, seu exame.

In casu, requerido, em suas razões recursais, nada mencionou, sequer implicitamente, acerca do agravo retido, daí por que não o conheço.

O autor busca ser indenizado pelos danos morais sofridos em razão de ter sido informado pelo réu, após a realização de dois exames, de que era portador do vírus HIV. O réu, instituição hospitalar, disse ser parte ilegítima para figurar no pólo passivo da lide, uma vez que procede tão somente à coleta do sangue, sendo os exames resultados de responsabilidade do hemocentro. Nesse diapasão, a FEPPS – Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde, pessoa jurídica à qual pertence o hemocentro, foi denunciada da lide, e esclareceu que inocorreu qualquer equívoco na realização do exame nem erro de diagnóstico.

Sublinho, ainda antes de adentrar no exame das apelações, que, por meio das razões recursais tanto do requerido como da denunciada, toda a matéria discutida na lide teve sua análise devolvida a esta Corte.

O hospital demandado traz à baila a preliminar de ilegitimidade passiva, ante a responsabilidade da fundação denunciada pelos eventuais danos perpetrados ao autor, o que não merece prosperar.

Se foi na instituição ré que o autor coletou sangue e por meio dela recebeu os resultados, desimporta para a relação havida entre autor e réu quem efetivamente realizou a análise do material, porquanto, conforme melhor explicarei em seguida, é necessário examinar, também, como a notícia do resultado do exame chegou ao demandante, o que era de responsabilidade do requerido. Daí que não há falar em ilegitimidade passiva.

Passo, assim, ao mérito da causa.

Conforme anunciado pelo autor, na inicial, e confirmado pela prova dos autos, este realizou dois exames de HIV junto ao réu, tendo ambos apresentado como resultado “fracamente reagente ao HIV”.

Compreende-se do teor da Portaria n° 4881, de 17 de junho de 1998, emanada do Ministério da Saúde (cuja cópia consta à fl. 83), que o exame para detectação do vírus HIV é falível, podendo apresentar os resultados de: reagente – positivo -; não reagente – negativo -; ou fracamente reagente, que são os chamados duvidosos, falso-positivos ou falso-negativos.

Sendo concreta a possibilidade de o exame não apresentar, em um primeiro momento, resultado absolutamente confiável, determina a Portaria que sejam realizados simultaneamente dois testes – HIV 1 e HIV 2 – e, havendo positividade ou resultado indeterminado, é obrigatória nova coleta e a reedição de todo o procedimento.


Concluindo-se, desse modo, que, quando o resultado é fracamente reagente ao HIV, de resultado definitivo não se trata.

No caso dos autos, o autor coletou sangue junto ao hospital demandado em duas ocasiões, sendo ambas as amostras encaminhadas para exame no hemocentro (órgão integrante da denunciada FEPPS) e, em ambas as vezes, o resultado foi de fracamente reagente ao HIV 1 e ao HIV 2.

Pela documentação acostada aos autos, o demandante não recebeu nenhum resultado de exame referindo que era portador do vírus, tanto que somente acostou os resultados de não reagente seus e de sua esposa (fls. 11-14). Há, ainda, um documento da Secretaria de Saúde do Município de Gravataí, sem data, que refere como entidades encaminhadoras o banco de sangue e o hospital Dom João Becker e possui o seguinte teor:

“Encaminhamento para a especialidade: infectologia.

Descrição: Em doação de sangue, em data de 14.10.99 foi constatado soro fracamente reagente a HIV 1/HIV 2, confirmado em segunda amostra. Não procurou nenhum serviço de saúde na ocasião.”

Entendo, pois, que em momento algum foi informado ao requerente, por escrito ou verbalmente, que possuía AIDS. Ficou ciente, entretanto, dos resultados duvidosos, sendo encaminhado, como ele próprio refere (fl. 03), ao CEAC – Centro de Ações Coletivas da Secretaria de Saúde do Município de Gravataí.

A prova testemunhal, por sua vez, opera, em sua maioria, no sentido de demonstrar o abalo psicológico do autor diante da notícia da possibilidade – ressalto – de ser portador do vírus. Observo que foi o autor informado da “suspeita de HIV” (conforme depoimento da testemunha Floriano Castilhos Cunha Torres, à fl. 138, médico que deu a notícia ao requerente e o encaminhou ao CEAC), sem lhe ser dada certeza do diagnóstico.

Nesse diapasão, em que pese a situação seja, por si só, causadora de forte abalo psicológico, tenho que nem o réu nem a denunciada da lide agiram ilicitamente.

O demandado procedeu corretamente quando, recebendo o primeiro resultado de fracamente reagente, chamou o autor para nova coleta de sangue e, verificando novo resultado de fracamente reagente, o encaminhou ao CEAC, ressaltando que havia probabilidade de ser portador do vírus, mas nenhuma certeza. Sublinho que, mesmo diante de tal encaminhamento, o requerente, conforme consta à fl. 10, não procurou nenhum serviço de saúde na ocasião, tanto que somente procedeu a novos exames no ano de 2000.

A denunciada da lide, por sua vez, realizou corretamente os exames, e não liberou nenhum resultado ao autor. Tanto é assim que, como se vê dos relatórios de exames hematológicos de fls. 36 e 38, datados de 15.10.2005, consta “resultado não liberado”.

O fato de o informante Floriano Castilhos Cunha Torres (fl. 138) ter referido a existência de problemas na data de vencimento e qualidade dos reagentes utilizados pelo hemocentro não tem o condão de fazer presumir atuação ilícita da denunciada. A uma porque é referência isolada no processo, não sendo o depoente sequer compromissado, e a duas porque tal alegação necessita de prova técnica pericial a atestar sua veracidade.

Dessarte, não vislumbrando ilicitude no agir do demandado e da denunciada, dever de indenizar não há.

É esse, inclusive, o posicionamento firmado por este Tribunal em casos semelhantes.

Trago à colação o acórdão proferido por este Órgão Fracionário na apelação cível n° 70010778313, julgada em 22.06.2005, de relatoria da Drª Marta Borges Ortiz, que foi acompanhada por mim e pelo eminente colega Des. Luís Augusto Coelho Braga, verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. EXAME PARA TESTE HIV. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA POR PARTE DE LABORATÓRIO. OBRIGAÇÃO DE MEIO. Tendo o laboratório demandado tomado as devidas precauções técnicas e providências investigativas em razão do falso-resultado positivo de teste de HIV no apelante realizado, não há falar em conduta culposa por parte do estabelecimento, tanto mais diante da possibilidade de falibilidade do teste. Assim, não há ilicitude no procedimento adotado pelo demandado, com o que vai mantido o decisum , por seus próprios fundamentos. APELO IMPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70010778314, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marta Borges Ortiz, Julgado em 22/06/2005) (grifei)

E, no corpo do acórdão:

“A sentença debatida, de lavra do Dr. Paulo Afonso Robalos Caetano, bem apreendeu a questão capital da lide, razão por que, visando a evitar a sempre enfadonha tautologia, adoto os fundamentos pelo Magistrado utilizados, quando assim delimita:

Os exames realizados perante o demandado em 26.11.2002, afirmaram resultado reagente HIV1 + HIV2. Mas o documento emitido expressamente afirmou: “Este resultado pode não ser definitivo, devendo ser correlacionado com dados clínicos e na presença do médico. (fls. 20/21). O exame realizado, também perante o demandado, em 02.01.2003 firmou resultado não reagente (fl.24). Este último resultado foi confirmado nos exames de 02.06.2003 (fl. 25) e de 04.06.2003 (fl. 26), realizados em outros laboratórios. De se observar que esses dois outros laboratórios voltaram a advertir, expressamente, que o “exame pode apresentar, embora raramente, resultados falso-positivo e falso-negativo, que é uma característica do método.” (…)

Ora, é evidente que o demandado, dentro do que lhe cabia fazer, tomou todas as precauções técnicas e providências investigativas, inclusive arcando com despesas que não estava obrigado a realizar.

Não hás qualquer conduta ilícita, ou culposa. Foi diligente quando lhe cabia dar o encaminhamento devido do resultado. Agiu de acordo com a técnica recomendável, esclarecendo sobre a necessidade de o médico avaliar o caso. Orientou sobre falibilidade do teste. Não deixou de continuar a investigação quando procurado pelo paciente.

Se o resultado pode ser falso-positivo, e felizmente no caso do demandante o era, é porque há situações de redução drástica das defesas imunológicas em que o caso pode se caracterizar a imunodeficiência típica do HIV, como se tratar de outro tipo de carência de defesas. É o caso do demandante, onde o primeiro resultado apresentou-se positivo, estava nessa fronteira cinzenta, provavelmente.


Desse feitio, impõe-se ao laboratório uma obrigação de meio, do mesmo modo como resta configurada a responsabilidade do médico quando fornece um diagnóstico equivocado.

O doutrinador Rui Stoco2 assim discorre em relação ao erro de diagnóstico:

Nenhuma responsabilidade se poderá imputar ao médico se em razão de diagnóstico errôneo e equivocado dano algum provir.

Se, porém, em razão desse equívoco o paciente sofrer dano, ou porque não fazendo o correto tratamento e deixando de atacar o verdadeiro mal teve sua situação agravada, ou se, em razão do diagnóstico, submeteu-se a tratamento inócuo ou maléfico, haverá, então, de se perquirir se nas circunstâncias poder-se-ia dele exigir opinião correta e precisa.

Assim, embora o erro no diagnóstico seja em relação àquele proferido pelo profissional da saúde, pode-se, aqui, no caso concreto, utilizar-se das palavras do doutrinador, porquanto que na inexistência de dano não se deve atribuir responsabilidade civil à instituição ré, tendo em vista que agiu com diligência e tomou as devidas precauções técnicas e procedências investigativas a fim de verificar se o autor era ou não, efetivamente, portador do vírus HIV.

Nesse sentido é o escólio desta Corte:

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ALEGAÇÃO DE ERRO LABORATORIAL. EM PESQUISA DE HIV. Indemonstrada culpa do laboratório, descabe responsabilizá-lo pelo apontado erro, cuja margem de ocorrência é previsível, exigindo contraprova, que, no caso, foi pelo menos recomendada. Provimento da apelação da ré para julgar improcedente a ação, prejudicado o recurso dos autores. (Apelação Cível nº 599204229, Quinta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Des. Sérgio Pilla da Silva, julgado em 01/06/1999)

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ERRO DE DIAGNÓSTICO. LABORATÓRIO. Em havendo prova nos autos de que o laboratório cumpriu com o seu dever de informação, ao orientar a paciente da necessidade de realização de outro exame para comprovação do resultado, não pode ser este responsabilizado pelos danos morais alegados sofridos pela autora. Sentença de improcedência mantida. Apelo improvido. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 70005005707, DÉCIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: PAULO ANTÔNIO KRETZMANN, JULGADO EM 02/10/2003)

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. RESULTADO DE EXAME LABORATORIAL. INDEMONSTRADA CULPA DO LABORATÓRIO, NÃO HA FALAR EM INDENIZAÇÃO. APELAÇÃO IMPROVIDA. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 598458289, NONA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: REJANE MARIA DIAS DE CASTRO BINS, JULGADO EM 15/12/1998)

Logo, não se pode olvidar que os laboratórios, bem como os médicos, não possuem precisão de 100% em seus diagnósticos. Dessa forma, tendo sido diligente o laboratório e tomando as precauções devidas, não há falar em responsabilidade do mesmo, uma vez que esclareceu ao apelante sobre a necessidade de uma avaliação médica posterior bem como orientou sobre a falibilidade do teste.

Não duvido tenha o recorrente efetivamente experimentado mais do que um dissabor ordinário em relação ao contexto fático nos autos desenhado. Todavia, não se divisa agir culposo do laboratório recorrido de modo a emergir o dever indenizatório, porque, repito, não evidenciada conduta ilícita do mesmo.

Assim, diante do acima exposto, estou desprovendo o presente recurso, mantendo hígido o comando sentencial, por seus próprios fundamentos.

É, pois, como voto.”

Ainda, para ilustrar, colaciono o acórdão proferido na apelação cível n° 70009685041, julgada em 23.02.2005 pela Sexta Câmara Cível deste Tribunal e relatada pelo Des. Cacildo de Andrade Xavier:

“No caso em apreço, a autora direciona a ação contra o local no qual lhe foi prestado o atendimento médico, aduzindo que, internada para a realização de parto no Hospital Fêmina, foi submetida a exame de sangue, no qual foi atestada a presença do vírus HIV. Questiona, de modo indireto, o procedimento adotado pelos médicos e a maneira como foi tratada pelos funcionários.

Com efeito, diante de todas as provas carreadas aos autos, não vejo como se possa responsabilizar a ré pelo ocorrido.

Para o surgimento da responsabilidade civil, não basta a existência da conduta, do nexo de causalidade e do dano, mas é necessário que a conduta praticada seja antijurídica, uma vez o principal objetivo da ordem jurídica é proteger o lícito e reprimir o ilícito e, ao mesmo tempo em que se empenha em tutelar a atividade do homem que age em consonância com o ordenamento jurídico, reprime o agir daquele que o contraria.

Para a melhor solução da questão em apreço, faz-se necessária a análise da Portaria nº. 488/1998, editada pelo Ministério da Saúde, que assim dispõe:

“A Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, no uso de suas atribuições, e considerando que:

A possibilidade de ocorrência de resultados falso positivos ou falso negativos nos testes utilizados para a detecção de anticorpos anti-HIV, em indivíduos com idade acima de 02 anos:

Artigo 2 (…)

Parágrafo único: Para a detecção de anticorpos HIV serão adotados obrigatoriamente, os procedimentos seqüenciados estabelecidos no Anexo 1, de acordo com a natureza das situações nele explicitadas.

Artigo – 3

Os laboratórios de análises clínica, públicos e privados, ficam obrigados a cumprir as etapas do conjunto de Procedimentos Seqüenciados na conformidade do estabelecido no Anexo I. (…).

Artigo 4º (…)

4.2. Informação; o diagnóstico Sorológico da infecção pelo HIV somente poderá ser confirmado após a análise de no mínimo 02 (duas) amostras de sangue coletadas em momentos diferentes.

Anexo I

Procedimentos Seqüenciados para detecção de anticorpos anti HIV em indivíduos com idade acima de 2 anos.

A fim de maximizar o grau de confiabilidade na emissão de laudos, com vistas à detecção de anticorpos anti HIV é exigido o cumprimento rigoroso dos procedimentos abaixo seqüenciados, agrupando-os em três etapas:

Etapa I – Triagem Sorológica

Etapa-II – Confirmação Sorológica pelo teste de Imunofluorescência para HIV.

Etapa III – Confirmação Sorológica pelo teste Western Blot para HIV -1.


Como se vê, a Portaria reproduzida determina que o diagnóstico da infecção pelo HIV somente poderá ser confirmado após a análise de, no mínimo, duas amostras de sangue, coletadas em momentos diferentes e mediante a utilização de procedimentos diversos.

No presente caso, compulsando os autos, observa-se que o procedimento previsto foi regularmente cumprido, ou seja, foram realizados dois exames de sangue, em tempos diferentes, o primeiro ocorreu quando a autora deu entrada na casa de saúde para a realização do parto e o segundo, já atestando que a mesma não possuía AIDS.

A questão torna-se mais compreensiva quando os aspectos técnicos são elucidados, como fez a testemunha Antonio do Amaral Batista, farmacêutico. Embora ouvido sem compromisso, afirmou o seguinte (fls. 213/214):

“(…) A necessidade da realização desse teste em gestantes, quando a gestante não faz o pré-natal e chega no momento do parto e há necessidade de saber a sorologia dela, o estado sorológico dela, então por isso que ele é de grande validade porque em poucos minutos se sabe o estado sorológico da gestante. Sendo positivo se entra com uma medicação na gestante e no bebê, logo após o nascimento a amamentação fica contra indicada e esses três procedimentos minimizam a percentuais bem baixos a possibilidade de transmissão do vírus da mãe para o bebê. É de grande valia essa testagem rápida no pré-parto.

(…)

No Brasil não existe nenhum teste rápido com 100% de sensibilidade e 100% de especificidade, isto é, que não existira falso positivo, existem em outros do primeiro mundo testes rápidos mais caros que trabalham com essa margem não existir nenhum falso positivo. Como no Brasil não existe, nós corremos esse risco, e o teste que a gente trabalha é o teste da Abot ele tem 100% de sensibilidade, 98% de especificidade, tem de 0,12 a 0,20% de possibilidade de falso positivo, dá o teste rápido positivo, depois na confirmação dá negativo, é um percentual muito baixo, nos de abril de 2000 até hoje realizamos cerca de 6.400 testes rápidos em gestantes em pré-parto, desses 6.400 testes rápidos, 96 até hoje deram positivo e foram confirmados com as metodologias, no Conceição, como positivos realmente, essas gestantes receberam essa medicação e esses bebês todos foram livres da transmissão via materno-infantil do vírus. Nesses 6.400 testes rápidos realizados nesse período 13 gestantes tiveram resultados não confirmados depois, isso é 0,20% deram falso positivo. Desses 13, nós já tivemos acho que 4 processos contra o hospital e isso era esperado, porque a gestante se sente enganada, receber essa notícia depois não se confirmar, mas o que se faz, o Fêmina é um centro capacitador de outros hospitais e eu faço parte de uma consultoria do Ministério da Saúde, de capacitar multiplicadores para trabalhar com gestantes soropositvas. E o que se pensa é no benefício do bebê de não receber o vírus. Como no Brasil não existe teste rápido sem possibilidade de falso positivo nós temos que trabalhar com essa pequena margem que é de 0,15, 0,20%.”

Realmente, é somente após a realização do teste de confirmação que se pode afirmar, de modo categórico, que alguém é portador do vírus HIV, porquanto o exame inicial é apenas uma “triagem”, como o próprio nome já diz, sendo capaz de apresentar resultado “falso positivo” em relação ao HIV, por outras circunstâncias clínicas.

É o segundo exame denominado de definitivo que caracteriza alguém como soropositivo.

A conduta praticada pelo Hospital demandado, ao invés de negligente, foi extremamente zelosa, porquanto colheu nova amostra de sangue da autora, submeteu-a a análise e comunicou o resultado negativo à demandante.

O fato de ter sido medicada, juntamente com o seu bebê, com AZT, foi justamente para que este não corresse o risco de contrair o vírus HIV.

É cediço que, em muitos casos em que a mãe é portadora do vírus HIV, quanto antes o recém nascido for submetido ao tratamento AZT, mais chance tem de não contrair a moléstia.

No caso, havendo suspeitas de que a gestante fosse portadora do vírus HIV, revela-se correto o procedimento médico adotado, o qual objetivava proteger o recém nascido. É óbvio que a criança sofreu durante o período em que a medicação contra a AIDS lhe foi ministrada, mas há que se ponderar que tal ocorreu para a sua própria preservação e segurança.

Assim, não vislumbro, por este fato a prática de qualquer ilícito.

(…)”

Ainda:

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. DIAGNÓSTICO FALSO POSITIVO PARA O VÍRUS HIV. CONDUTA. O resultado positivo atestando ser a apelante portadora de HIV não conduz de plano ao dano moral, sendo necessário avaliar a conduta posterior da apelada correção dos procedimentos adotados que afastam o postulado na inicial negaram provimento à apelação unânime. (Apelação Cível Nº 70009511585, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 16/09/2004)

No que concerne à denunciação da lide, é cabível, na forma do artigo 70, inciso III, do Código de Processo Civil, uma vez que há convênio celebrado entre o denunciante e a denunciada, o que se extrai dos documentos de fls. 34-35 e 65-100.

Por todo o exposto, dou provimento a ambas as apelações, para:

a) julgar improcedente a ação de indenização, condenando o autor ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios ao procurador do réu, que fixo em R$ 1.000,00, em concerto com os vetores do artigo 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil. Suspendo a exigibilidade de tal condenação, em virtude do benefício da Assistência Judiciária Gratuita deferido ao demandante;

b) julgar improcedente a denunciação da lide, condenando o denunciante ao pagamento das despesas da intervenção e honorários advocatícios ao procurador da denunciada, que vão fixados em R$ 1.000,00.

Considerando que o requerido é entidade filantrópica (fls. 202/203), defiro-lhe o benefício da gratuidade da justiça, com o que suspendo a exigibilidade da condenação supra.

É o voto.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (REVISORA) – De acordo.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA (PRESIDENTE) – De acordo.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA – Presidente – Apelação Cível nº 70013238449, Comarca de Gravataí: “DERAM PROVIMENTO AOS APELOS, E JULGARAM IMPROCEDENTES A AÇÃO DE INDENIZAÇÃO E A DENUNCIAÇÃO DA LIDE. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: MARLUCE DA ROSA ALVES

Notas de rodapé

1- A justificativa oficial de edição da Portaria Ministerial de n° 488 é a seguinte: “A Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, no uso de suas atribuições, e considerando a possibilidade da ocorrência de resultados falso-positivos ou falso-negativos nos testes utilizados para a detectação de anticorpos anti-HIV em indivíduos com idade acima de dois anos; a necessidade de padronizar, nos serviços de saúde, o conjunto de procedimentos seqüenciados, com vistas a maximizar o grau de confiabilidade destes testes; (…)”. (fl. 83).

2- STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial: doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 296/297.

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