Invasão de privacidade

Abordagem constrangedora em supermercado gera dano moral

Autor

5 de janeiro de 2006, 17h01

O Supermercado Sulmissões, de Santo Ângelo (RS), foi condenado a pagar indenização de 60 salários mínimos por danos morais a uma cliente que foi abordada por suspeita de furto. A segurança do supermercado chegou a levar a mulher a um local reservado e a obrigar a tirar a roupa. A decisão, unânime, é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Cabe recurso.

Segundo os autos, um rapaz abordou a cliente na saída do supermercado. Ele pediu que a consumidora o acompanhasse até o escritório, sem lhe informar o motivo. Ao chegar ao local, o funcionário colocou a mão na altura do seu peito e perguntou o que ela tinha escondido ali. Foi pedido que tirasse a roupa, o que ela se negou a fazer. Ainda assim, a cliente teve de levantar a blusa.

Inconformada com a atitude, a mulher ingressou com ação reparatória. A primeira instância acolheu o pedido e a empresa recorreu ao TJ gaúcho. Alegou que a sentença incentiva a “indústria de indenização”, além de afirmar que não ocorreu qualquer situação constrangedora ou degradante, como mencionado pela cliente.

O supermercado também disse que foi negado o direito da ampla defesa, quando examinadas as declarações dos funcionários do supermercado.

A relatora do caso no Tribunal de Justiça, juíza convocada Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, concluiu que o fato impôs a cliente injusto constrangimento, dando motivo à indenização. Asseverou que o simples fato da suspeita em si e a necessidade de examinar reservadamente já revelam o constrangimento submetido.

Para a juíza “não há necessidade de análise de danos ou conseqüências resultantes do fato. A simples exposição da cliente a tal situação é suficiente para compensar o dano moral causado”. O fato ocorrido, acrescentou, atenta contra o direito à intimidade, à integridade física e moral.

Votaram de acordo com a relatora a desembargadora Marilene Bonzanini Bernardi e o desembargador Luís Augusto Coelho Braga.

Leia a íntegra da decisão

Ação de indenização. danos morais. abordagem constrangedora em supermercado. suspeita de furto. dano moral in re ipsa. quantificação. prequestionamento.

Constitui inegável constrangimento a condução de pessoa a recinto reservado do supermercado, por suspeita de furto, obrigando-se a ofendida a praticamente despir-se, no afã de lograr-se descobrir algo que teria escondido sob as roupas. Dano moral in re ipsa, caracterizado pela violação da dignidade e intimidade do indivíduo.

QUANTIFICAÇÃO. Malgrado a dificuldade sempre enfrentada na dosimetria das indenizações por danos morais, considerando a gravidade da lesão e a necessidade de acirrar-se o aspecto punitivo/pedagógico, razoável a indenização fixada, gravitando em torno dos 60 salários mínimos.

PREQUESTIONAMENTO. Quanto ao prequestionamento, o acórdão não está obrigado a enfrentar todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes, cumprindo-lhe resolver a controvérsia típica da lide, como feito.

SENTENÇA MANTIDA. APELO DESPROVIDO.

Apelação Cível Nona Câmara Cível – Regime de Exceção

Nº 70010767168 Comarca de Santo Ângelo

SUPERMERCADO SULMISSõES APELANTE

EVA ELINIR DA LUZ NOGUEIRA APELADA

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Nona Câmara Cível – Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em desprover o apelo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Luís Augusto Coelho Braga (Presidente) e Desa. Marilene Bonzanini Bernardi (RevisorA).

Porto Alegre, 30 de novembro de 2005.

DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA,

Relatora.

RELATÓRIO

Dra. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira (RELATORA)

Trata-se de apelação interposta por SUPERMERCADO SULMISSÕES, inconformado com a sentença que julgou parcialmente procedente a ação indenizatória ajuizada por Eva Elinir da Luz Nogueira contra o ora apelante, para o efeito de condenar o réu ao pagamento de indenização por danos morais à autora no valor equivalente a 50 salários mínimos, valor esse vigente na data da sentença e que deverá ser corrigido pelo IGP-M até a data do pagamento com acréscimo de juros de 6% ao ano a partir da citação. Foi acometido ao réu o pagamento das custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da autora, fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Alega o apelante que a sentença apelada apenas incentiva aquilo que se chama de “indústria da indenização”, uma vez que não relevou as gritantes contradições na prova e julgou procedente a demanda, quando não ocorreu qualquer situação constrangedora ou degradante patrocinada pela ré. Sustenta que a Magistrada prolatora da sentença negou o direito da ampla defesa, quando examinou com cautela as declarações dos funcionários da apelante. Pugna o provimento do recurso, julgando-se improcedente a ação. Prequestiona, para o efeito de lograr acesso aos Tribunais Superiores, o princípio constitucional da ampla defesa.

Em contra-razões, a autora pugnou a manutenção do decisum.

Vieram-me por redistribuição em virtude de regime de exceção.

É o relatório.

VOTOS

Dra. Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira (RELATORA)

Eminentes Colegas.

O fato não é controvertido.

O réu, na contestação, confirma que, quando saía do seu estabelecimento comercial, na data indigitada, a autora, sob suspeita de ter escondido uma mercadoria da seção de perfumaria, “foi convidada” a passar a um recinto reservado do supermercado (fl. 22, item 10).

Ingenuidade pensar que tal “convite” não deflagre qualquer perturbação no ânimo do indivíduo. O simples fato da suspeita em si e a necessidade de ser examinada reservadamente já revelam o constrangimento negado pelo apelante.

Não se atina que alguém, sob suspeita de furto, seja convidado a passar a recinto reservado simplesmente para debater o fato do furto em si. Obviamente que tal “convite” nada mais era do que a imposição de uma revista.

Portanto, não impressiona o fato de ter a apelada se alterado com a situação. Qualquer um, cônscio de sua inocência, não apenas reagiria a essa obstrução de expectativas, como, provavelmente, ficaria alterado.

O inverso é que causaria perplexidade. Alguém vai ao supermercado, paga pelo que comprou, é alvo de suspeitas e termina “convidado” para ser inspecionado na sala da gerência, não esboçando qualquer reação.

Ora, é de pasmar a defesa do réu.

Portanto, já me convenço, mesmo sem a análise da prova oral, do constrangimento perpetrado. A suspeita imotivada de furto, não negada pelo réu, já causa o abalo psicológico descrito.

No que tange à prova oral, merece especial destaque.

A autora, em seu depoimento, relata ter sido abordada, sem que soubesse o porquê. Está no depoimento da autora, fl. 58:

“… no momento em que a depoente já havia passado no caixa e se dirigia a sair do supermercado, um rapaz a parou e pediu para que acompanhasse até o escritório……… Não sabia o motivo pela qual o rapaz pediu para ir ao escritório, até porque não lhe foi informado. Deixou as sacolas das compras que havia feito com Aparício, seu vizinho, que também estava fazendo compras e ficou lhe esperando. Chegando no escritório com este rapaz ele lhe disse: ‘o que é que tu tem aqui’ colocando a mão na altura do seu peito. A depoente respondeu que não tinha nada, então ele lhe disse que a depoente devia tirar a roupa. Respondeu que não tiraria a roupa para ele, mas levantou a parte de cima da sua roupa…”.

Aparício Padão Samuel, ouvido na fl. 59, confirmou a versão da autora, relatando ter ficado com as compras que ela havia feito enquanto atendia o chamado da gerência.

Alaídes de Souza Silva, fl. 59 v, ouviu um tumulto no supermercado, pensando que se tratava de um assalto, informando que “viu quando dois senhores levando a autora para uma sala. Ouviu neste momento eles dizendo que eles achavam que ela tinha alguma coisa na roupa, tendo Eva dito que não”.

Maristela Kleinibing, fl. 60, declarou que “A autora foi levada por um senhor e um rapaz, mas não sabe o nome dele. Um deles segurou a autora pelo braço quando o outro a acompanhou até a saleta. Neste momento Eva só dizia para chamar a polícia, os outros dois nada disseram. Eva falava meio alto. A porta estava entreaberta, o fato a chamou sua atenção. Depois que a autora e os dois homens entraram na sala viu uma mulher morena e magrinha foi chamada e entrou na sala. Ninguém mais entrou na sala. Viu esta mulher fazendo a revista na autora que tirou a blusa e a calça……. A autora estava bastante nervosa”.

Maria Fátima Lugo, fl. 60 v, arrolada pelo réu, depôs no mesmo sentido. A testemunha trabalha no supermercado como faturista, sendo fiscal de caixa. Relatou que “A autora estava dizendo que não tinha pego nada e os rapazes estavam dizendo que tinha sido um engano. A depoente entrou na sala para acalmá-la porque estava alterada… Havia uma suspeita que a autora tivesse pego alguma coisa da perfumaria, o que foi constatado por um funcionário da loja”.

Aládio Paz da Oliveira, fl. 61, confirmou que a autora estava alterada, discutindo com sua colega Fátima, que tentava acalmá-la.

Ora, não há dúvidas de que o contexto probatório é uníssono na confirmação dos fatos alegados na inicial.

A prova foi minuciosa e criteriosamente sopesada pela julgadora, convencendo de que o fato impôs à apelada injusto constrangimento, dando azo à indenização pleiteada.

Conforme sintetizou a culta sentenciante, Dra, Nadja Mara Zanella, “Não há necessidade de análise de danos ou de conseqüências resultantes do fato. A simples exposição do cliente a tal situação é suficiente para ensejar a compensação pelo dano moral causado. Como destacado no início desta sentença, o fato ocorrido atenta contra o direito à intimidade, à integridade física e moral. Trata-se de situação vexatória e constrangedora, que dispensa a produção de prova dos danos morais, porque é lógica a vergonha sofrida por quem é submetido à mesma”.

Colorida a figura do dano moral puro, resta o capítulo da indenização.

Embora a dificuldade sempre enfrentada na tarefa da medição da lesão, uma vez que as operadoras nessa dosimetria são, no mais das vezes, de ordem subjetiva e comparativa, jamais se alcançando o efetivo abalo experimentado pela vítima; e por mais que se tente fugir do tarifamento, tão criticado por aqueles que vêem na consagração do dano moral a imperativa necessidade de avaliar-se caso a caso, assim evitando-se a massificação dos julgamentos, também imperativo coibir-se a aleatoriedade dos julgados, razão por que prudente o paradigma.

A quantia estabelecida na sentença, calculada a partir dos vetores indicados, representa, na atualidade, aproximadamente R$ 19.207,41 (dezenove mil duzentos e sete reais e quarenta e um centavos), o que significa pouco mais do que 60 (sessenta) salários mínimos, montante esse que não discrepa da média praticada por este Colegiado em hipóteses parelhas, considerando a gravidade da lesão, sua repercussão no âmbito psicológico da ofendida, bem como a necessidade de exacerbar-se o aspecto punitivo/pedagógico da condenação.

Portanto, igualmente no que concerne ao valor, não há reparos ao veredicto.

Por fim, quanto ao prequestionamento, resta sublinhar que o acórdão não está obrigado a enfrentar todas as teses e dispositivos legais invocados pelas partes, cumprindo-lhe resolver a controvérsia típica da lide, como feito.

Nestes termos, desprovejo o recurso e mantenho a r. sentença.

É o voto.

Desa. Marilene Bonzanini Bernardi (REVISORA) – De acordo.

Des. Luís Augusto Coelho Braga (PRESIDENTE) – De acordo.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA – Presidente –

Apelação Cível nº 70010767168, Comarca de Santo Ângelo:

“NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: NADJA MARA ZANELLA

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!