Responsabilidade do Estado

União terá de pagar pensão à viúva de chinês morto na cadeia

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4 de janeiro de 2006, 15h19

A União terá de pagar pensão mensal de três salários mínimos à viúva do comerciante chinês Chan Kim Chang, torturado até a morte na prisão. A decisão é da 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Cabe recurso.

Segundo os autos, Chan Kim Chang veio para o Brasil em 1980. O chinês foi detido em 25 de agosto de 2003, no aeroporto internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro, pelo crime de evasão de divisas ao tentar embarcar para os Estados Unidos com mais de US$ 30 mil não declarados à Receita Federal. A defesa do empresário alegou que o dinheiro seria usado para comprar uma casa em San Diego, na Califórnia, onde morava a família do chinês.

O comerciante morreu em 4 de setembro do mesmo ano, aos 46 anos de idade, no Hospital Salgado Filho, no bairro do Méier. Chan foi levado da prisão para o hospital com diversos edemas, isquemia, lesões do lado direito da cabeça, além de várias escoriações pelo corpo. Depois de oito dias em coma, morreu em decorrência de traumatismo de crânio com lesão de encéfalo, hemorragia da meninge e pneumonia bilateral consecutiva.

Relatório elaborado com base em perícias médicas e assinado pelo Centro de Justiça Global, pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do estado do Rio de Janeiro e pelo Conselho da Comunidade da comarca do Rio constatou que as lesões no corpo do chinês foram conseqüência de pelo menos duas sessões de tortura executadas por diversas pessoas ao mesmo tempo, enquanto ele esteve preso.

O relatório foi encaminhado ao Centro de Direitos Humanos das Nações Unidas em Genebra, na Suíça. O ex-diretor do presídio Ary Franco, do bairro de Água Santa, e os agentes carcerários apontados como culpados alegaram que o comerciante teria sofrido um surto e se ferido, arrastando-se pelo chão até bater com a cabeça na quina de um arquivo.

Inconformada, a viúva do chinês ingressou com ação. Alegou que desde a morte de seu marido passa por sérias dificuldades financeiras para manter os filhos. A primeira instância acolheu o pedido e a União recorreu ao TRF-2.

Para se defender, a União alegou que não poderia ser responsabilizada porque os fatos teriam ocorrido em um presídio administrado pelo estado do Rio de Janeiro. Além disso, não haveria elementos nos autos que comprovassem a suposta dependência econômica dos autores da causa com a vítima, para justificar o pedido de pensão mensal.

Por fim, a União defendeu que, se a Antecipação de Tutela fosse concedida, os cofres públicos sofreriam um prejuízo irreparável, já que seria difícil cobrar a restituição dos valores pagos, caso, no mérito, a Justiça decidisse pela improcedência do pedido.

A relatora do processo, desembargadora federal Vera Lúcia Lima, concluiu que, embora o crime tenha sido praticado por servidores estaduais, a União tinha o dever de zelar pela integridade física do chinês, já que a custódia era da Polícia Federal.

“Tal dever, decerto, visa a resguardar um direito fundamental da pessoa humana, previsto no artigo 5º da Carta Política (a Constituição Federal), por meio da qual é ‘assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral’”. A relatora lembrou que a União utiliza presídios estaduais pelo fato de não possuir casas de custódia próprias.

A desembargadora entendeu também que as alegações de que não estaria comprovada a dependência econômica dos autores da ação foram analisadas cuidadosamente pelo juiz de primeira instância, que por estar mais próximo das partes envolvidas e dos fatos, pôde com segurança concluir pela existência dos requisitos legais para a concessão da antecipação de tutela.

Vera Lúcia Lima destacou que, ainda que houvesse o risco de não se poder restituir ao erário os valores pagos à família de Chang, na eventualidade de a sentença de mérito lhes ser desfavorável, deve prevalecer, nesse caso específico, o interesse dos autores da causa, “notadamente pela circunstância de a pensão consubstanciar-se em verba de natureza alimentar”.

Processo 2005.02.01.007021-1

Leia a íntegra da decisão

RELATOR: DESEMBARGADORA FEDERAL VERA LÚCIA LIMA

AGRAVANTE: UNIAO FEDERAL

AGRAVADO: WONG BI CHAN E OUTROS

ADVOGADO: JOSE DAVID LOPES E OUTRO

ORIGEM: DÉCIMA QUARTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (200451010065067)

EMBARGANTE: UNIÃO FEDERAL

EMBARGADO: O V. ACÓRDÃO DE FLS. 96/98

R E L A T Ó R I O

A Desembargadora Federal VERA LÚCIA LIMA DA SILVA (Relatora): Trata-se de Embargos de Declaração, opostos pela UNIÃO FEDERAL, de acórdão que negou provimento ao agravo de instrumento e julgou prejudicado o agravo interno.

Alega a embargante, às fls. 101/103, omissão no julgado, motivo pelo qual opõe os presentes embargos.

É o relatório.

V O T O

A Desembargadora Federal VERA LÚCIA LIMA DA SILVA (Relatora): Depreende-se, de imediato, que a embargante não persegue, na verdade, objetivo compatível com a índole do recurso, ou seja, não almeja suprir omissão, contradição ou obscuridade porventura existentes no acórdão que ora impugna, mas sim, pretende, novamente, em vez disso, o reexame em substância da matéria já julgada.

Os embargos de declaração somente são cabíveis quando na decisão houver obscuridade, contradição ou quando o órgão judicial se houver omitido quanto a algum ponto sobre o qual deveria se pronunciar (previsão inserta no art. 535 do Estatuto Processual Civil).

Em não ocorrendo nenhuma destas hipóteses elencadas, como in casu, não há como acolhê-los.

Isto posto, rejeito os embargos declaratórios.

É como voto.

E M E N T A

PROCESSO CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA DAS HIPÓTESES ELENCADAS NO ARTIGO 535 DO ESTATUTO PROCESSUAL CIVIL.

– Os embargos de declaração somente são cabíveis quando na decisão houver obscuridade, contradição ou quando o órgão judicial se houver omitido quanto a algum ponto sobre o qual deveria se pronunciar (previsão inserta no art. 535 do Estatuto Processual Civil).

– Em não ocorrendo nenhuma destas hipóteses elencadas, como in casu, não há como acolhê-los.

– Embargos declaratórios rejeitados.

A C Ó R D Ã O

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas:

Decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, rejeitar os embargos declaratórios, nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, 29 de novembro de 2005 (data do julgamento)

Desembargadora Federal VERA LUCIA LIMA

Relatora

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