Retrospectiva 2005

Em 2005, STF enfrentou Executivo, Legislativo e imprensa

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4 de janeiro de 2006, 9h42

Ele enfrentou o Executivo, o Legislativo e a imprensa. Mostrou autonomia e independência que chegaram a irritar a opinião pública. Como guardião da Constituição, defendeu que o clamor público não pode sustentar uma condenação. Não no meio jurídico. Trabalhou pelo respeito ao devido processo legal e ao direito à defesa. Exatamente por isso, foi alvo de duras críticas, acusado de defender os interesses do governo e de fazer política partidária.

Durante o ano de 2005, o Supremo Tribunal Federal não se curvou nem mesmo à sua própria jurisprudência. Quebrou antigos paradigmas e reformou entendimentos impulsionados pela nova composição da Casa. Para evitar flagrantes violações de direito, a Corte abrandou a Súmula 691 em pelo menos quatro oportunidades, por exemplo ao conceder liberdade provisória para Paulo Maluf e seu filho, Flávio Maluf.

Pela regra, o STF não deve analisar pedido de Habeas Corpus contra decisão em caráter liminar de tribunal superior que rejeitou o mesmo pedido. Contudo, o entendimento que prevaleceu no Supremo foi o de que, quando há ilegalidade no decreto de prisão ou mesmo quando a negativa do tribunal superior fere a Constituição, a questão deve ser analisada, ainda que contrarie a Súmula.

No entanto, a jurisprudência deve ser mantida como uma das ferramentas para diminuir o número de processos no STF que, em muitos casos, acaba assumindo o lugar de quarta instância. Em 2005, o tribunal recebeu por mês mais de nove mil processos. Em 2004, a média mensal era de sete mil.

Com esse volume estrondoso de ações na Corte Suprema, são bem-vindas todas as propostas para reduzir o número de processos e, conseqüentemente, agilizar a solução de cada um (o mesmo vale para os outros tribunais brasileiros). E foi em 2005 que um desses instrumentos de racionalização de processos no STF foi consolidado: o instituto da ADPF — Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

Controle de Constitucionalidade

A ADPF foi instituída em 1999 pela Lei 9.882, mas apenas em dezembro de 2005 é que foi julgado o mérito da primeira ADPF. A ferramenta foi criada para suprir a lacuna da ADI — Ação Direta de Inconstitucionalidade, que não pode ser proposta contra normas editadas antes da Constituição de 1988.

A consolidação do uso da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental somou-se às ferramentas do Supremo para fazer o controle da constitucionalidade. O instrumento tem efeito vinculante, o que impede sentenças contrárias nas instâncias inferiores. O resultado disso são menos recursos e menos processos. Foi, sem dúvida, uma grande conquista para a Justiça brasileira. Para este ano, outras duas ADPFs devem ser julgadas: a possibilidade de aborto de fetos anencéfalos e a discussão sobre a manutenção do monopólio postal dos Correios.

As Argüições de Descumprimento de Preceito Fundamental, assim como as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, permitem decisões liminares, também com caráter vinculante. A possibilidade é favorável para autorizar práticas que podem estar prejudicadas quando o mérito for julgado (no caso dos abortos, por exemplo) ou até para suspender processos em andamento até o julgamento final da ação, o que evita trabalho desnecessário das instâncias inferiores.

O ano de 2005 também mostrou que o uso de liminar em ADI deve ser cada vez mais substituído pela antecipação do julgamento do mérito. O mesmo deve valer para a ADPF. O Supremo terminou o ano reconhecendo que, quando há pedido de liminar em ADI, mais vale avaliar direto o mérito da questão do que ter de votá-la duas vezes. A medida dá um caráter mais definitivo às decisões. Descomplica para as partes, não confunde a população (muitas vezes perdida nesse cai-não-cai de liminares) e simplifica o trabalho dos ministros, que só têm de analisar uma vez o caso.

Nessa proposta de reduzir o exorbitante número de processos no STF, um ponto importante deixou de ser colocado em prática. A publicação da Reforma do Judiciário, em 31 de dezembro de 2004, permitiu a edição de súmulas vinculantes. Contudo, até agora, o Supremo não aprovou nenhuma súmula com esse caráter.

Especula-se entre as fronteiras de Brasília que a crise política influenciou o tribunal de tal maneira que impediu a edição da súmula. Ao longo do ano, o tribunal teve de interromper diversas vezes sua pauta ordinária para separar brigas políticas. A expectativa é de que até o meio do ano que vem seja aprovada a primeira súmula com efeito vinculante. Isso se a crise e os preparativos para a eleição deixarem.

Discussão política

Durante a crise política, o STF foi acusado de fazer política partidária por causa das especulações sobre uma possível candidatura do presidente do tribunal, ministro Nelson Jobim, para a Presidência da República ou para vice de Lula. Por enquanto, o regresso de Jobim à carreira política não foi confirmado. Mas, o ex-ministro da Justiça e ex-deputado federal por dois mandatos já avisou que deixa o Supremo em março. Se quiser concorrer às eleições em outubro, tem até o início de abril para se filiar a algum partido político.

Pesou sobre o Supremo também a acusação de ferir a independência entre os três Poderes com a sua atuação perante as diversas CPIs — com destaque para a dos Correios e dos Bingos. De fato, o STF teve uma atuação marcante no andamento das Comissões Parlamentares de Inquérito. A CPI dos Bingos, por exemplo, só foi criada por determinação do Supremo, que reconheceu o direito das minorias no Senado.

Foi a Corte, também, a responsável por fazer com que os deputados e senadores investigassem os acusados observando o devido processo legal. Para isso, foram necessárias enxurradas de Habeas Corpus e Mandados de Segurança para evitar que acusados depusessem como testemunhas e, portanto, pudessem ser presos, e para suspender quebras não fundamentadas de sigilos fiscal, telefônico e bancário.

Um dos casos notórios da atuação do STF na defesa dos direitos dos investigados pelas CPIs foi do deputado cassado José Dirceu. Depois de um racha no Plenário do tribunal, os ministros decidiram que o interrogatório de uma das testemunhas de acusação deveria ser suprimido do relatório final porque não foi respeitada a ordem de depoimentos. Pela norma, a última palavra é sempre da defesa.

Durante o ano, o Supremo também bateu de frente com o Ministério Público. Denúncias não fundamentadas foram rejeitadas pelo tribunal. Um desses casos aconteceu no julgamento do pedido de Habeas Corpus do juiz federal Ali Mazloum, investigado pela Operação Anaconda. O tribunal determinou a extinção do processo penal por considerar a denúncia inepta.

O Supremo consolidou sua posição de corte constitucional que não julga pessoas, mas princípios. Para 2006, essa é a mentalidade que deve prevalecer em outras questões polêmicas, como a possibilidade de progressão de regime para condenados por crimes hediondos, a constitucionalidade ou não das pesquisas com células-tronco embrionárias e do comércio de alimentos transgênicos.

Mas, com a mudança nos quadros da instituição que deve ocorrer este ano, não é ousadia demais dizer que pode haver uma reviravolta na Corte. Pelo menos um ministro será nomeado integrante do STF para substituir Carlos Velloso, que se aposenta compulsoriamente este mês.

Se for confirmada a saída de Nelson Jobim e do ministro Sepúlveda Pertence, conforme noticiado pelo jornal Valor Econômico, outros dois chegarão ao Supremo por indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A marca é histórica: um presidente terá indicado, em apenas um mandato, sete ministros para a Corte. Por enquanto, independentemente de política, as perspectivas para o STF são as melhores.

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