Transfer pricing

Legislação sobre cálculo de preços de transferência é deficitária

Autor

28 de fevereiro de 2006, 7h00

Muitas empresas multinacionais têm, nos últimos anos, sofrido diversas autuações fiscais visando o ajuste de importações ou exportações entre partes vinculadas. Sabemos, de igual maneira, que atualmente a Secretaria da Receita Federal está modernizando sua equipe de fiscalização na esfera de preços de transferência (transfer pricing), com a criação de delegacias especializadas sobre o assunto, e treinamento exclusivo de auditores fiscais.

Entretanto, os esforços dos contribuintes em aperfeiçoar os critérios de margens de lucro nestas operações e a destreza de nossas autoridades em identificar eventuais distribuições disfarçadas de lucros de nada adiantarão se a legislação sobre o assunto também não for modernizada.

Esse panorama tributário mostrou sinais de desenvolvimento quando o governo Fernando Henrique sentiu a necessidade de um instrumento regulatório sobre os monopólios internacionais, em que empresas remetiam lucros para o exterior por meio de importações superfaturadas e realizavam operações de exportação subfaturadas. Partiu-se então para uma análise sobre os aspectos tributários de países importantes no cenário mundial e suas respectivas regras de transfer pricing.

Isto se acelerou com a pressão sobre os laboratórios farmacêuticos, com a quebra de patentes e a comercialização dos chamados genéricos. Com o lobby farmacêutico montado para impedir a quebra de patentes, a Secretaria da Receita Federal atuou como um instrumento governamental para impor pesadíssimas penalidades sobre as importações efetuadas pelas indústrias de fármacos.

Em vigor desde o ano-calendário de 1997, a legislação sobre preços de transferência trouxe um regime misto de tributação, em que as empresas brasileiras comparam os custos de importação/exportação com os praticados no exterior ou internamente por seus concorrentes ou ainda em operações semelhantes de suas partes relacionadas.

Não obstante, vale ressaltar que, no momento de criação destas regras, os juristas analisaram a legislação de diversos países, e tentaram moldar o melhor de cada um deles para poder aplicar no Brasil a mais perfeita regra jamais criada.

Nunca houve tanta decepção por parte dos contribuintes. O que ficou claro de anos e anos de estudo foi o despreparo das autoridades, pois, ao invés de criar uma regra de fácil aplicação e fiscalização, como a utilizada nos Estados Unidos (Arms Lenght Principle), o que sobreveio foi uma enxurrada de métodos complicados e de difícil utilização na vida prática das empresas.

Um exemplo disso é o método denominado CPL (custo de produção mais lucro), aplicável para as importações, que exige da empresa brasileira a obtenção dos custos do fabricante estrangeiro para, após uma série de cálculos, comparar com os preços efetivamente importados pelo contribuinte brasileiro. Apenas o fato de se impor uma regra em que seja necessária a abertura de custos por parte de empresas estrangeiras a um país em desenvolvimento, caso do Brasil, dificulta a aplicação dessa regra, em função da quebra de sigilos e segredos industriais, tornando-se letra morta a legislação pela falta de aplicação dos seus dispositivos.

Abaixo, citamos ementa da Solução de Consulta 11/2004 da Coordenação Geral de Tributação da SRF:

“EMENTA: PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA. MÉTODO CPL. BENS IMPORTADOS SOB A FORMA DE KITS . A legislação tributária sobre preços de transferência não prevê restrição ao uso do método Custo de Produção mais Lucro (CPL) para avaliação do preço parâmetro de bens importados sob a forma de kits . Para a utilização do método CPL, o contribuinte deverá demonstrar que sua documentação comprobatória está adequada aos preceitos estabelecidos na legislação pertinente à matéria. Se no curso de fiscalização pela Secretaria da Receita Federal a empresa não indicar o método por ela adotado, ou deixar de apresentar a documentação por ela utilizada como suporte para determinação do preço praticado e as respectivas memórias de cálculo para apuração do preço parâmetro e, inclusive, para as dispensas de comprovação, ou, ainda, se for constatado que os documentos são insuficientes ou imprestáveis para formar a convicção quanto ao preço, os Auditores-Fiscais da Receita Feder al encarregados da verificação poderão determiná-lo com base em outros documentos de que dispuserem, aplicando um dos métodos referidos na legislação pertinente e, se necessário, alterar o cálculo do preço parâmetro por item.”

O entendimento da própria Receita Federal impede o contribuinte de propor novas alterações à engessada legislação em vigor, fixando regras que são raramente possíveis de serem aplicadas aos casos concretos de cada contribuinte. Isso significa dizer que, na hipótese do fisco não aceitar a documentação que o contribuinte possui para o cálculo do CPL, deverá a autoridade fiscal arbitrar o preço de transferência.

Outra falha da legislação que pode ser citada foi a falta de uma alternativa ao método CPL para os anos-calendário de 1997 a 1999, para as hipóteses de importação de matérias-primas que fizessem parte de um processo de industrialização. Bem se sabe que as demais alternativas não permitiam uma apuração justa do preço de transferência, casos do PIC — Preços Independentes Comparados, o que, em determinadas situações de singularidade no mercado local, em que não haviam produtos para serem comparados, obrigava os contribuintes à escolha injusta do método CPL, que, ao final, acabava por não ser mais aplicado.

Após muitos estudos, o governo federal apresentou a Lei 9.959, de 27 de janeiro de 2000, incluindo um método chamado de PRL 60 — Preço de Revenda Menos Lucro de 60%, para as importações que iriam compor um processo de industrialização, mas com uma margem de lucro “engessada” de 60% sobre o custo do produto final, com a finalidade de decompor o custo original do produto importado.

Em tempos de uma economia estável, fica cristalino que as empresas que tanto almejam margens de lucro significativas em seus projetos não conseguem superar as margens fixadas pela Receita Federal. Aliás, poucos são os casos em que um contribuinte consegue obter essa vantagem, o que, mais uma vez, demonstra o apetite voraz do fisco, pois muito embora exista agora uma alternativa concreta ao CPL, casos reais demonstram que sempre existirão ajustes a serem efetuados na apuração do lucro real e da contribuição social sobre o lucro líquido.

O resultado é bastante simples. Muito se fez mas, até o presente momento, não foram obtidos resultados positivos sobre essa matéria tributária, chegando ao ponto de muitos contribuintes não se preocuparem em apurar um cálculo de preço de transferência que refletisse a realidade de suas empresas. Desta forma, o que se pretende buscar é um princípio justo de cálculo de transfer pricing, talvez baseado no setor produtivo de cada atividade, em que as margens de lucro para as exportações e, principalmente as importações, pudessem ser amplamente discutidas pelos órgãos setoriais, evitando uma imposição tirana sobre os contribuintes.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!