Limites extrapolados

Pão de Açúcar é condenado por rebaixar trabalhador de cargo

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22 de fevereiro de 2006, 12h24

O grupo Pão de Açúcar terá de indenizar um trabalhador em R$ 10,8 mil, por danos morais, por rebaixá-lo do cargo de gerente-geral para estagiário. A decisão é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região(São Paulo). Cabe recurso.

No entendimento dos juízes, os procedimentos de direção e disciplina adotados pelo empregador não podem extrapolar os limites do respeito que deve presidir às relações de trabalho.

Segundo os autos, o ex-funcionário trabalhava como gerente geral de uma das lojas dos Supermercados Sé. Quando a rede foi vendida ao grupo Pão de Açúcar, o autor da ação foi transferido para outra unidade, da marca Barateiro, para “fazer um estágio”.

Depois de ser demitido sem justa causa, ele entrou com processo na 31ª Vara do Trabalho de São Paulo reclamando, entre outras verbas, o pagamento de reparação pelos danos morais sofridos com o “estágio”, que consistia em recolocar mercadorias nas gôndolas, sem o “mínimo de acomodação para trabalhar”. O ex-gerente também perdeu sua sala.

Sustentou que o rebaixamento de cargo lhe trouxe “abalos de ordem moral”, já que foi submetido a “situação extremamente constrangedora”. Em sua defesa, o grupo Pão de Açúcar alegou que o objetivo do estágio era ensinar ao ex-empregado “o funcionamento e as particularidades da loja Barateiro”.

Testemunhas ouvidas na ação informaram que, na transição da propriedade da rede de supermercados, os empregados do Sé teriam sido discriminados e que os funcionários do Pão de Açúcar “diziam que o serviço deles era inútil”.

A primeira instância reconheceu que houve abalo moral e mandou o grupo pagar indenização. A empresa recorreu ao TRT paulista. Insistiu que o ex-empregado não foi rebaixado, apenas submetido a um treinamento.

Para o juiz Valdir Florindo, relator, “fosse realmente verdade que o autor foi transferido para aprender a gerenciar as Lojas Barateiro, o mesmo não teria sido dispensado três meses depois”.

De acordo com o relator, “o Direito do Trabalho conferiu ao empregador certo jus variandi, que tem sido utilizado com excesso, sobretudo na busca de perseguir alguns trabalhadores, resultando em transferências injustificáveis, as quais trazem nítidos prejuízos”.

RO 00498.2004.031.02.00-0

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO N°: 00498.2004.031.02.00-0 6ª TURMA

RECORRENTE: SÉ SUPERMERCADOS LTDA

RECORRIDO: GILDIVAM DE OLIVEIRA SOARES

31ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

EMENTA:

DANO MORAL. ESVAZIAMENTO DE FUNÇÕES. CONFIGURAÇÃO:

O artigo 468 do Texto Consolidado prescreve que nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, trazendo com isso a regra da imutabilidade contratual. Contudo, é consabido de todos que o Direito do Trabalho conferiu ao empregador certo jus variandi, que tem sido utilizado com excesso, sobretudo na busca de perseguir alguns trabalhadores, resultando em transferências injustificáveis, as quais trazem nítidos prejuízos.

Invariavelmente, alguns procedimentos de direção e disciplinamento adotados pelo empregador extrapolam os limites de respeito que deve presidir as relações de trabalho e com isso atingem a dignidade do ser humano trabalhador, como no caso dos autos.

RELATÓRIO

Adoto o relatório do D. Juiz Relator in verbis:

“Contra a sentença que julgou procedente em parte a ação, recorre a ré alegando que a demanda não foi submetida à CCP; que houve negativa de prestação jurisdicional; que ocorreu quitação; que a Justiça do Trabalho é incompetente para apreciar o dano moral; que são indevidas as horas extras; que o autor usufruía de intervalo; que deve ser limitado a 30 minutos a condenação ao intervalo, sendo incabíveis os reflexos e que inexistiu dano moral. Contra-razões às fls. 236/244. O Ministério Público teve vista dos autos.”

V O T O

1. Conheço do recurso ordinário, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Acompanho o posicionamento do Ilustre Juiz Relator abaixo transcrito, à exceção do que tange ao dano moral:

2. Comissão de conciliação prévia:

“O credor não está obrigado a fazer o acordo (CF, 5º, II), nem mesmo a negociá-lo. Ele tem o direito subjetivo de tentar impor ao devedor a integralidade de sua pretensão. O legislador não cominou a falta de tentativa de conciliação prévia e a impossibilidade de acordo ficou ratificada e suprida em Juízo. Adoto a Súmula 02 deste Tribunal.”

3. Negativa de prestação jurisdicional:

“A sentença (fls. 188/191) está motivada (Constituição Federal, art. 93, IX) e fixou os parâmetros para a apuração das horas extras devidas (fls. 189/190). Os embargos de declaração (fls. 193/198) visaram questionar aspectos já definidos na decisão, não apontando omissão, contradição ou obscuridade (fl. 199). Não houve negativa de prestação jurisdicional.”


4. Quitação:

“A quitação é restrita aos valores discriminados no termo de rescisão, no preciso alcance do advérbio apenas constante do art. 477, § 2º, da CLT. Não é de outro sentido a referência que a Súmula 330 do TST faz à eficácia liberatória em relação às parcelas expressamente consignadas no recibo e o destaque que essa Súmula faz no inciso I: A quitação não abrange parcelas não consignadas no recibo de quitação e, conseqüentemente, seus reflexos em outras parcelas, ainda que essas constem desse recibo. O Direito não aceita a quitação por valor que não se tenha realmente pago (Código Civil, art. 320).”

5. Competência da Justiça do Trabalho. Dano moral:

“O autor postula indenização por dano moral sob o fundamento de que foi rebaixado de cargo sem nenhum motivo (fls. 04/06). A competência da Justiça do Trabalho para apreciar a matéria encontra-se estabelecida pelo art. 114, VI, da Constituição Federal, e toma em consideração, como regra fundamental, a existência da lesão inserida na relação de trabalho. Adoto a Súmula 392 do TST.”

6. Horas extras:

“A testemunha Damião Pires da Silva (fls. 172/173) permutou de loja com o autor em março/2003, assumindo suas funções. Afirmou que o autor foi rebaixado do cargo de gerente e passou a exercer as funções de repositor, evidenciando que ele deixou de ocupar função de confiança e com autonomia, fazendo jus às horas extras. O autor (fl. 171) informou horário compatível (06:30/07:00 às 19:00/19:30/20:00) com aquele constante da inicial (07:00 às 19:00 horas – item 17; fl. 07), considerando que se trata de uma média, já que é comum existirem variações nas prorrogações de jornada. A testemunha Digerson José da Silva (fl. 172) confirmou o cumprimento de jornada das 07:00 às 19:00 horas, bem como a irregularidade das anotações nos cartões de ponto. A sentença (fls. 188/191) já fixou os parâmetros para apuração das horas extras, inexistindo nos autos acordo de compensação de horas a ser observado.”

7. Intervalo:

“A testemunha Digerson José da Silva (fl. 172) disse que o autor usufruía de 30 minutos de intervalo. Como o intervalo para refeição caracteriza tempo de repouso, sem remuneração (art. 71, § 2º, da CLT), a frustração desse repouso e o implemento da prestação do trabalho no período, obriga o empregador a pagar pelo trabalho realizado e, pelas circunstâncias em que prestado, o pagamento deve ser feito como horas extras. Aplicação do art. 71, § 4º, da CLT. O cancelamento das Súmulas 76, 94 e 151 do TST resultou da confirmação pela Súmula 376, II, do TST de que as horas extras integram o cálculo dos títulos trabalhistas. Demonstrado que a sonegação do intervalo era parcial, as horas extras ficam limitadas aos 30 minutos faltantes.”

8. Dano moral:

O reclamante informou em sua prefacial que após mudança na diretoria da ré, foi transferido das funções de gerente geral exercidas na unidade Alameda Barros para fazer um estágio na unidade Barão de Limeira, onde somente recolocava mercadorias nas gôndolas da reclamada, não tinha sala e o mínimo de acomodação para trabalhar (fl. 04). Sustentou que referido rebaixamento de cargo lhe trouxe abalos de ordem moral, já que foi colocado em situação extremamente constrangedora.

Muito embora a ré tenha reconhecido a alteração dos misteres anteriormente desenvolvidos pelo reclamante, sustentou que tal fato se deu para que o mesmo aprendesse o funcionamento e as particularidades da Loja Barateiro e que, portanto, não há falar em indenização por danos morais.

Contudo, no decorrer da instrução processual a tese defensiva não restou comprovada. Isso porque a primeira testemunha do autor esclareceu em juízo que quando houve esta transição, todos os funcionários da reclamada passaram a ser discriminados; que quando chegava algum funcionário do PÃO DE AÇÚCAR, este dizia que o serviço deles era inútil (fl. 171).

A segunda testemunha do empregado também asseverou em depoimento prestado à fl. 172, que trabalhou apenas um mês após a compra da reclamada pelo PÃO DE AÇÚCAR; que neste período sentiu rejeição por parte do PÃO DE AÇÚCAR porque todo mundo que chegava queria dar ordens…; que muitas vezes foi à loja que o reclamante trabalhava no período do PÃO DE AÇÚCAR e constatou que o reclamante encontrava-se deprimido.

Da mesma forma assim disse a terceira testemunha, também ouvida em juízo a convite do recorrido: que o reclamante na loja para o qual foi transferido deveria exercer o cargo de encarregado mas trabalhou apenas como repositor; que presenciava o reclamante abastecendo as gondolas porque constantemente ia a esta loja porque pertenceu a ela por muito tempo, inclusive para pegar mercadorias; …que o depoente por conta da permuta também passou a desenvolver trabalho diferente,…que o depoente foi elevado na função e o reclamante rebaixado…que não ficou sabendo de um estágio direcionado para gerentes ou encarregados…(vide fls. 172/173).


Ademais, conforme entendimento já estampado na r. decisão de origem, fosse realmente verdade que o autor foi transferido para aprender a gerenciar as Lojas Barateiro, o mesmo não teria sido dispensado três meses depois.

Ora, o artigo 468 do Texto Consolidado prescreve que nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, trazendo com isso a regra da imutabilidade contratual. Contudo, é consabido de todos que o Direito do Trabalho conferiu ao empregador certo jus variandi, que tem sido utilizado com excesso, sobretudo na busca de perseguir alguns trabalhadores, resultando em transferências injustificáveis, as quais trazem nítidos prejuízos.

O jovem jurista, Siqueira Neto, profundo estudioso do dano moral, admite seu cabimento em transferências abusivas, reconhecendo que os empregadores, por conta de um Sistema de Relações de Trabalho conveniente, possuem excessivos poderes sobre os trabalhadores no relacionamento cotidiano, afirmando ainda que: “Esse poder, contudo, muitas vezes é exercido com inegável autoritarismo e na mais absoluta unilateralidade. Ao contrário dos países desenvolvidos, o Brasil ainda possui um Sistema de Relações de Trabalho bastante favorável aos desmandos patronais. Assim, não raro situações em que o empregador, ao invés de resolver um conflito através do diálogo, utiliza-se das prerrogativas que a legislação trabalhista lhe confere, e passa a perseguir discretamente o seu desafeto. É desta forma que surgem as transferências desnecessárias e abusivas, exclusivamente motivadas no sentido de importunar o trabalhador transferido. Nessas circunstâncias, onde inegavelmente o trabalhador fica exposto a toda sorte de humilhações e degradações, entendemos cabível reparação por danos morais.”

Invariavelmente, alguns procedimentos de direção e disciplinamento adotados pelo empregador extrapolam os limites de respeito que deve presidir as relações de trabalho e com isso atingem a dignidade do ser humano trabalhador, como no caso dos autos.

Certamente, in casu configurou-se o dano moral noticiado na preambular, já que a recorrente impediu o recorrido de continuar exercendo suas funções de gerente geral. No mesmo sentido, aliás, válido transcrever, ainda, a opinião do Ilustre Jurista e Professor João de Lima Teixeira Filho que, ao estudar o assunto sobre este enfoque, afirma que “…em ambos os casos, o propósito de diminuir o empregado, colocá-lo em situação vexatória, revela o ilícito deflagrador da rescisão por via oblíqua do contrato de trabalho (dano material) e a lesão à honra do trabalhador, desencadeadora da compensação pelo dano moral.”

A honra e a dignidade humana são bens juridicamente tutelados, que devem ser preservados e prevalecer sempre, já que a Constituição Federal (artigo 5º, incisos V e X) e a legislação sub-constitucional (artigos 186 e 927 do atual Código Civil) não autorizam esse tipo de agressão e asseguram ao trabalhador que sofrer essas condições vexaminosas, a indenização por danos morais.

No mesmo sentido, Carlos Alberto Bittar em sua obra “A Reparação Civil por Danos Morais”, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., 1994, aumenta o leque de situações, dizendo que “Pode, ademais, sofrer danos em seu estatuto profissional, seja como empregado, seja como contratado, seja como estranho (como, por exemplo, em sanções indevidas, em despedidas imotivadas, em ruptura injusta de contrato, em divulgação de fato ofensivo ou de escrito injurioso, ou de outra qualquer ação lesiva do gênero (fl. 166). Na relação empregatícia, situações como: esvaziamento de funções, desprestigiamento de ocupante de cargo de direção, promoção vazia, são hipóteses elencadas, dentre outras, nos repertórios especializados (fl. 175)”.

Assim, vislumbro a ocorrência de dano moral, razão pela qual mantenho a condenação da reclamada ao pagamento de indenização equivalente a cinco vezes a última remuneração do empregado, que reputo justa e razoável em face da prática perpetrada pelo reclamado. Nada a reformar.

C O N C L U S Ã O

Diante do exposto, admito o apelo ordinário do reclamante e dou-lhe provimento parcial para limitar a trinta minutos as horas extras decorrentes da sonegação parcial do intervalo, nos termos da fundamentação.

Mantenho o valor da condenação arbitrado pelo MM Juízo de origem. bem como excluir a indenização por danos morais.

É como voto.

VALDIR FLORINDO

Juiz Relator Designado

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