Nova direção

Ministro Gilmar Mendes toma posse como presidente do TSE

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22 de fevereiro de 2006, 10h59

O ministro Gilmar Mendes, empossado nesta terça-feira (21/2) no cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ressaltou, em discurso, que as recentes crises éticas e políticas que atingiram o sistema político partidário brasileiro tornaram evidente para todos, e, para a Justiça Eleitoral em especial, a necessidade de um novo sistema de controle do financiamento dos partidos e de gastos no processo eleitoral.

“O desafio da atualização e modernização do sistema político-partidário impõe novas reflexões e novas práticas”, ressaltou o ministro, destacando a importância da implementação de reformas institucionais capazes de superar deficiências que podem comprometer o histórico processo democrático vivido sob a Constituição de 1988.

“Se, da perspectiva da Justiça Eleitoral, afigura-se necessário proceder à adequada fiscalização do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e dar continuidade ao aprimoramento contra o abuso do poder político e econômico, sob as mais diversas formas, não se pode olvidar, igualmente, a necessidade de que se implementem as reformas institucionais capazes de superar as deficiências há muito detectadas no sistema político-eleitoral”, afirmou Gilmar Mendes.

Segundo o presidente do TSE, essa é uma tarefa de todos e é fundamental que a reforma política caminhe no sentido de fortalecer as instituições democráticas e reforçar a importância do exercício da cidadania e a legitimidade dos mandatos conquistados pelo voto.

Gilmar Mendes também destacou que o processo de informatização eleitoral tem consolidado um sistema seguro e garantidor da correção e legitimidade dos pleitos eleitorais, reafirmando a posição de vanguarda da Justiça Eleitoral brasileira no aperfeiçoamento da democracia. “O processo eletrônico de votação está consolidado e constitui um signo de modernidade da nossa democracia”, afirmou o presidente, acrescentando que o novo titulo de eleitor que será adotado pela Justiça Eleitoral acabará com a última possibilidade de fraude no processo eleitoral.

Em seu discurso de posse, Gilmar Mendes fez uma homenagem especial ao ex-presidente do TSE Carlos Velloso, que, para ele, teve um papel determinante no aperfeiçoamento da Justiça Eleitoral e nos avanços observados no processo político-eleitoral brasileiro na última década. “Há mais de dez anos Carlos Velloso já antevia a crise ética e política por que passaria nosso país caso as reformas não fossem implementadas. Isso demonstra sua ampla visão de futuro, típica de um grande homem público, à frente de seu tempo”.

Na mesma cerimônia, o ministro Marco Aurélio Mello foi empossado no cargo de vice-presidente da Corte, e o ministro Gerardo Grossi tomou posse como membro efetivo do Tribunal Superior Eleitoral. Pela primeira vez, uma solenidade de posse do Tribunal Superior Eleitoral foi transmitida ao vivo pela Internet.

Se confirmada a aposentadoria antecipada do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nélson Jobim, ao final do mês de março, caberá a Gilmar Mendes ocupar a vice-presidência da corte, dividindo o comando da casa com a presidente, ministra Ellen Gracie. Neste caso cederá a presidência do TSE para o ministro Marco Aurélio, a quem tocará dirigir a campanha e as eleições de outubro.

Falando em nome dos ministros do TSE, o ministro Gomes de Barros, em seu discurso de saudação ao novo presidente da Corte, afirmou que com o ministro Gilmar Mendes na presidência do TSE e o ministro Marco Aurélio na vice-presidência, a democracia brasileira está em boas mãos. Gomes de Barros definiu o ministro Gilmar Mendes como “um magnífico magistrado, juiz firme e justo, submisso única e exclusivamente à Constituição e à Lei”.

Em nome da Procuradoria-Geral Eleitoral, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, ressaltou que o ministro Gilmar Mendes, agora na presidência do TSE, emprestará seus serviços e seus conhecimentos para manter a lisura de nossas eleições e fortalecer a democracia brasileira.

Representando a Ordem dos Advogados do Brasil, Roberto Busato afirmou que os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio possuem todos os elementos indispensáveis à condução e ao sucesso da chefia da Justiça Eleitoral. “Não temos dúvida de que estão plenamente capacitados para mais este desafio. São profissionais vitoriosos, que já demonstraram dispor dos meios morais e intelectuais para cumprir missão de tal envergadura”, afirmou em seu discurso.

Várias autoridades, ministros de tribunais superiores, ministros de Estado, governadores e parlamentares participaram da sessão solene de posse, entre eles o vice-presidente da República, José Alencar; os presidentes do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim; do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal; do Tribunal Superior do Trabalho, Vantuil Abdala; do Superior Tribunal Militar, Max Hoertel; do Tribunal de Contas da União, Adilson Mota e o ministro da Justiça, Márcio Thomas Bastos.


Leia a íntegra do discurso de Gilmar Mendes:

“Como já se consolidou na tradição deste Tribunal Superior Eleitoral, o momento de sucessão presidencial é talvez o mais oportuno para prestar a devida homenagem àqueles que, ao deixarem o cargo, fecham um ciclo de plena dedicação ao desenvolvimento de nossa Justiça Eleitoral e, dessa forma, ao aperfeiçoamento da democracia brasileira. Aproveito a oportunidade para tecer a merecida homenagem ao Ministro Carlos Velloso, a quem sucedo na Presidência desta Casa, e o faço também a todos os ex-presidentes.

O ex-Ministro Carlos Velloso, duas vezes Presidente desta Casa, teve um papel determinante no aperfeiçoamento de nossa Justiça Eleitoral e, dessa forma, nos avanços observados no processo político-eleitoral brasileiro na última década.

Em seu primeiro mandato, entre 1994 e 1996, o Ministro Carlos Velloso deu início ao projeto da informatização do voto, certamente um dos mais audaciosos no contexto de nossa história político-eleitoral, e que pôs a Justiça Eleitoral brasileira em posição de vanguarda no desenvolvimento da democracia no mundo contemporâneo.

Velloso também teve o descortino de convocar a chamada “comissão de notáveis”, composta por cientistas políticos, professores e técnicos em informática, encarregada de elaborar propostas para o aperfeiçoamento da legislação eleitoral e partidária. Tais estudos resultaram em um conjunto de propostas de reforma político-eleitoral, com fulcro no problema do financiamento das campanhas e dos partidos políticos. Na época, Velloso já afirmava que seria preciso refletir sobre uma maior participação do Estado nesses financiamentos. Esse fato demonstrou sua ampla visão de futuro, típica de um grande homem público, à frente de seu tempo.

Há mais de dez anos Velloso já antevia a crise ética e política por que passaria nosso país, caso as reformas não fossem implementadas. O projeto produzido pela “comissão de notáveis” acabou ficando esquecido no Congresso Nacional; e os problemas vieram à tona com a crise política de 2005.

Nesse ano, novamente como presidente deste Tribunal, Velloso voltou a convocar juristas para elaborar propostas de modernização e aperfeiçoamento do sistema de prestação de contas pelos partidos políticos e candidatos. A comissão produziu um conjunto de sugestões relativas a projetos de lei complementar e de lei ordinária — que se encontram em tramitação no Congresso Nacional — com o propósito de aperfeiçoar o processo eleitoral e robustecer o exercício das instituições democráticas.

Tais reformas encontram-se pendentes e conformam um novo desafio para a Justiça Eleitoral. Não obstante, é certo que os avanços conquistados em matéria político-eleitoral são também resultado de uma contínua e profícua gestão administrativa do Tribunal Superior Eleitoral, levada a efeito por todos seus ex-Presidentes, aos quais devemos merecida homenagem. O trabalho realizado desde a Constituição de 1988 tem consolidado um dos mais longos períodos de normalidade eleitoral e de estabilidade democrática de nossa história republicana.

Sabe-se que, antes do advento da Constituição de 1988, o desenvolvimento institucional do país passou por instabilidades e turbulências que, não raras vezes, obstaram a prática democrática.

No período republicano, iniciado em 1889, a experiência democrática brasileira sofreu sucessivas interrupções. A Velha República foi marcada por significativos fatores de desestabilização política. A “política dos governadores”, o “coronelismo” e “as degolas” – que singularizaram esta época na história brasileira-, foram determinantes para que o processo eleitoral sofresse inúmeras contestações. A Constituição de 1891 teve sua vigência cessada com a chamada Revolução de 1930, que tinha como princípios a correção e a moralização do sistema eleitoral. As reivindicações resultaram na promulgação do Código Eleitoral de 1932, que trouxe significativas inovações, como o voto feminino, o voto secreto, a representação proporcional e, principalmente, a criação da Justiça Eleitoral, contemplados posteriormente pela Carta Magna de 1934.

Essa Constituição foi superada já em 1937, pela Carta outorgada pelo Presidente da República, inspirada na Constituição polonesa do General Pilsudski (de 23 de abril de 1935). No Estado Novo, a Justiça Eleitoral foi extinta, as eleições livres suspensas e os partidos políticos abolidos.

O governo ditatorial duraria até 1945, ano em que Vargas, acuado pelo clima de redemocratização, baixou a Lei Constitucional n°9, que previa eleições diretas para Presidente da República, Governadores de Estado e para o Congresso Nacional. Os senadores e deputados eleitos fariam parte da Assembléia Nacional Constituinte de 1946, encarregada de elaborar o Estatuto Político da nova ordem constitucional que estava a se formar. Neste mesmo ano (1945), precisamente no dia 28 de maio, promulgava-se o novo Código Eleitoral, instituído pelo Decreto-Lei n°7.586, que fazia renascer a Justiça Eleitoral e criava o Tribunal Superior Eleitoral.


Observe-se que foi desta Corte a decisão fundamental e histórica que reconheceu poderes constituintes ao Parlamento eleito em 2 de dezembro de 1945 (Resolução nº 215).

O restabelecimento da normalidade institucional sofreria significativas alterações já em meados da década de 1950 e início dos anos 60. Com os tumultos institucionais que antecederam a posse de Juscelino na Presidência (1955), a ordem constitucional de 1946 conseguiu regular nossa vida institucional até 1961, quando adveio a renúncia do Presidente Jânio Quadros.

A posse do vice-presidente foi antecedida por alteração na nossa forma de Governo (do presidencialismo para o parlamentarismo). Em seguida, nova mudança, decorrente de um plebiscito: do parlamentarismo ao presidencialismo, em 1963, com a aprovação de 82,25% da população.

Com todas as distorções, essa ordem teve sua vigência cessada em 1964, com o advento do Governo Militar. O regime autoritário estendeu-se até 1985. O período foi marcado pela sucessão de atos institucionais e decretos-lei, que adequaram o processo eleitoral às diretrizes do Regime Militar.

Na fase de retorno do país aos paradigmas do Estado Democrático de Direito, o Tribunal Superior Eleitoral teve papel decisivo nas eleições indiretas de 1985. Por meio da Resolução n°11.180, de 1982, o Tribunal decidiu que a incorporação de um partido político por outro não estaria sujeita à prévia manifestação de todas as convenções regionais e municipais, o que viabilizou a incorporação do Partido Popular – PP, de Tancredo Neves, pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB.

Na Resolução n° 12.017, de 1984, o Tribunal considerou que as disposições normativas relativas à fidelidade partidária não valeriam para o Colégio Eleitoral. Ambas as decisões viabilizaram a vitória de Tancredo Neves nas eleições para Presidente da República.

A Constituição de 1988, aprovada num contexto econômico e social difícil, faz uma clara opção pela democracia e uma sonora declaração em favor da superação das desigualdades sociais e regionais. No plano eleitoral, além de uma ampla liberdade na criação de partidos, amplia-se o direito ao voto, que passa a ser exercido, facultativamente, pelo analfabeto e pelo jovem maior de 16 e menor de 18 anos.

O modelo eleitoral fixado manteve, para as eleições parlamentares, o sistema proporcional de listas abertas e votação nominal, que corresponde à prática brasileira desde 1932. O mandato parlamentar que resulta desse sistema afigura-se muito mais fruto do desempenho e do esforço do candidato do que da atividade partidária. Trata-se, como destacado por Scott Mainwaring, de sistema que somente se desenvolveu no Brasil e na Finlândia.

A ampla liberdade partidária, por sua vez, promoveu uma proliferação de partidos, dificultando as possibilidades de articulação política e importando em prejuízos para a densidade programática. Tal aspecto – o modelo da lista aberta – tem conseqüência sobre a disciplina interna das legendas, que se tornam, quase inevitavelmente, reféns dos personalismos dos candidatos que as integram. Mainwaring chega a afirmar que vários aspectos da legislação eleitoral brasileira não têm – ou têm pouco – paralelo no mundo, e nenhuma outra democracia dá aos políticos tanta autonomia vis-à-vis seus partidos.

Apesar de tudo, não se pode afirmar que o caráter fragmentário do sistema partidário tenha importado em prejuízos absolutos ou radicais à democracia brasileira.

Essa, aliás, é uma das preocupações de Adam Przeworski, que considera temerária uma combinação de presidencialismo com a inexistência de um único partido majoritário, chegando a afirmar, com base em elementos probabilísticos, que tal sistema teria expectativa de vida de apenas 15 anos.

Talvez o próprio caráter analítico da Constituição, a obrigar os Governos a cultivarem uma maioria apta a votar emendas (3/5 de votos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal), tenha produzido uma singularidade em nosso sistema presidencialista. De fato, não obstante a pluralidade de partidos e a inexistência de um único partido majoritário, o fato é que têm se formado, em todos os Governos, grandes blocos parlamentares com algum grau de coesão, a permitir a implementação dos projetos políticos decorrentes das eleições presidenciais.

Assim, é possível observar que, desde a Constituição de 1988, o Brasil tem passado por uma rica e singular experiência em termos de desenvolvimento político, dentro de paradigmas democráticos.

Eleições regulares e isentas de distorções e fraudes nos planos municipais, estaduais e federal têm marcado a experiência do Brasil democrático. Realizaram-se quatro eleições diretas para Presidente da República em pleitos absolutamente isentos de qualquer suspeita, devidamente supervisionados pela Justiça Eleitoral. As eleições presidenciais diretas de 1989 foram as primeiras realizadas desde o ocaso da democracia em 1964 (a última eleição presidencial havia sido em 1960).


Em 2002, pela primeira vez, desde 1988, configurou-se situação de típica alternância de Poder, com a assunção da Presidência da República pelo então Chefe do maior partido de oposição.

E, certamente, a Justiça Eleitoral tem dado uma decisiva contribuição para a realização desse processo eleitoral em condições de plena normalidade institucional e num ambiente amplamente democrático, esforçando-se para coibir os abusos do poder político e econômico e para modernizar e tornar mais célere o processo de votação, de apuração de votos e de legitimação dos eleitos.

Aspecto digno de nota é o processo de informatização das eleições desenvolvido desde a Constituição de 1988, que visou a superar crônicos problemas da nossa prática política.

Na eleição presidencial de 1989, a totalização eletrônica do resultado das eleições conseguiu abranger estados como Acre, Piauí, Rondônia, Mato Grosso, Paraíba e Alagoas, feito dantes inimaginável para um país de dimensões continentais.

O sucesso obtido e as promissoras perspectivas que se abriam ao processo eleitoral através da tecnologia informática fizeram com que, já no ano de 1994, a totalização dos votos das eleições gerais fosse realizada por mecanismos inteiramente informatizados e, em 1996, se desse início ao projeto do “voto eletrônico”, o que culminaria, no ano de 2000, na utilização de urnas eletrônicas por todos os eleitores brasileiros.

Somos, hoje, uma nação democrática de cento e vinte milhões de eleitores, distribuídos em um território de mais de oito milhões e meio de quilômetros, e cujo resultado das eleições gerais pode ser obtido, não obstante o cumprimento dos prazos da legislação eleitoral, em menos de 24 horas.

Esse crescente processo de informatização tem consolidado um sistema seguro e garantidor da correção e legitimidade dos pleitos eleitorais, que desperta o interesse das nações mais desenvolvidas do mundo, reafirmando a posição de vanguarda da Justiça Eleitoral brasileira no aperfeiçoamento da democracia.

Com isso, não se pode esquecer que, até pouco tempo, a Justiça Eleitoral centrava seus esforços no combate às fraudes no processo de votação, realizadas com base em cédulas de papel e no escrutínio à mão humana. Hoje, praticamente não há mais processos sobre registro de variação nominal ou sobre recontagem.

O processo eletrônico de votação está consolidado e constitui um signo de modernidade da nossa democracia.

Por outro lado, se é certo que a implantação dos sistemas eletrônicos de votação e apuração eliminou a fraude na captação e na totalização dos votos, ainda é necessário aprimorar os meios de identificação do eleitor pela mesa receptora de votos, de modo a acabar com a última possibilidade de fraude no processo eleitoral. Isso será possível com o novo título de eleitor, projeto atualmente em desenvolvimento por este Tribunal Superior Eleitoral, e que, certamente, abrirá uma nova etapa no aprimoramento do processo de votação e, portanto, de efetivação da cidadania.

Subsiste, ainda, o desafio de atualização e modernização do sistema político-partidário, que, também no âmbito da Justiça Eleitoral, impõe novas reflexões e práticas também no que concerne ao financiamento dos partidos e aos gastos nas campanhas eleitorais.

Afigura-se inegável que há algum tempo o sistema político-partidário vem apresentando significativos déficits e emitindo sinais de exaustão.

No ano passado, o país mergulhou numa das maiores crises éticas e políticas de sua história republicana, crise esta que revelou algumas das graves mazelas do sistema político-partidário brasileiro, e que torna imperiosa a sua imediata revisão. De tudo que foi revelado, tem-se como extremamente grave o aparelhamento das estruturas estatais para fins político-partidários e a apropriação de recursos públicos para o financiamento de partidos políticos.

A crise tornou, porém, evidente, para todos e para a Justiça Eleitoral em especial, a necessidade de um novo sistema de controle do financiamento dos partidos e de gastos no processo eleitoral.

Não há negar – e a experiência das democracias tradicionais o confirma – que a questão do financiamento dos partidos políticos e gastos das campanhas eleitorais não diz respeito apenas a um processo eleitoral hígido e equânime. Em verdade, tem-se aqui um dos elementos basilares da própria democracia moderna. Daí a necessidade de que se implementem as reformas institucionais reclamadas, com vistas a superar déficits graves, capazes até mesmo de comprometer o notável e histórico processo democrático vivido sob a Constituição de 1988.

Se, da perspectiva da Justiça eleitoral, afigura-se necessário proceder à adequada fiscalização do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e dar continuidade ao aprimoramento contra o abuso do poder político e econômico, sob as mais diversas formas, não se pode olvidar, igualmente, a necessidade de que se implementem as reformas institucionais capazes de superar as deficiências há muito detectadas no sistema político-eleitoral.


Essa é uma tarefa de todos!

Hão de ser envidados esforços para a expansão do modelo democrático estabelecido em 1988. E o quadro formal da democracia conta com uma vantagem específica entre nós, que é a inexistência de adversários radicais ao modelo.

Não tenho dúvida de que, a partir da Carta de 1988, estão presentes aquelas condições que Robert Dahl enuncia como pressupostos para que seja atingida a democracia plena, dentre as quais ressalto a existência de uma cultura política e de convicções democráticas .

Há uma convicção no modelo democrático, e as vias democráticas de conciliação têm-se mostrado mais lucrativas que o conflito e a ruptura. Crises políticas e econômicas graves têm sido equacionadas dentro dos marcos institucionais previamente estabelecidos. Um impeachment presidencial e inúmeras crises políticas e econômicas desenvolveram-se e foram superadas sob a disciplina constitucional, sem qualquer contestação ou reclamo relevante.

Os problemas decorrentes da crise recente a que me referi têm sido arrostados com base nos modelos institucionais previstos na Constituição.

Assim, mais uma vez na linha de Adam Przeworski, pode-se dizer que a democracia brasileira adquiriu autonomia funcional, uma vez que todas as forças políticas relevantes aceitam submeter seus interesses e valores às incertezas do jogo democrático.

Efetivamente, as forças políticas mais relevantes não colocam em xeque as linhas básicas do Estado de Direito, a despeito de alguns movimentos sociais de caráter fortemente reivindicatório atuarem, às vezes, na fronteira da legalidade.

Urge, porém, que a reforma política há muito discutida caminhe no sentido de fortalecer as instituições democráticas e reforçar a importância do exercício da cidadania e a legitimidade dos mandatos conquistados pelo voto. É preciso encontrar um modelo político-eleitoral adequado à maturidade da prática democrática que vimos desenvolvendo ao longo desses anos. É preciso superar o subdesenvolvimento que marca as relações partidárias e proceder às reformas e revisões necessárias.

Portanto, ao fazer este balanço dos fatos que conformaram a vida político-eleitoral nestes últimos 17 anos, temos um saldo positivo. Vivenciamos o período de estabilidade institucional mais longo de nossa história republicana. Em termos de tradição democrática, só temos a comemorar. E a Constituição de 1988 abre-nos, nesse sentido, um espaço para “um quantum de utopia”, na medida em que, ao incorporar tanto o “princípio-responsabilidade” (Hans Jonas) como o “princípio-esperança” (Ernst Bloch), permite que nossa evolução constitucional ocorra entre a ratio e a emotio.

Apesar de seu inegável caráter analítico, a Carta Política de 1988 constitui uma ordem jurídica fundamental de um processo público livre, caracterizando-se, nos termos de Häberle , como uma “constituição aberta”, que torna possível a “sociedade aberta” de Popper, ou uma “constituição suave” (mitte), no conceito de Zagrebelsky, “que permite, dentro dos limites constitucionais, tanto a espontaneidade da vida social como a competição para assumir a direção política, condições para a sobrevivência de uma sociedade pluralista e democrática”.

Nesse ambiente de ampla publicidade (Öffentlichkeit), as perspectivas de futuro hão de ser promissoras se soubermos dar respostas aos desafios e incongruências há muito identificados. Após um ano de autocrítica a respeito das práticas político-eleitorais, a sociedade brasileira certamente estará mais preparada para o pleito eleitoral de 2006.

À Justiça Eleitoral cabe corresponder aos anseios dessa sociedade politicamente mais informada e esclarecida. Os desafios que se impõem serão, certamente, mais complexos, típicos de uma sociedade também complexa e plural.

À frente do Tribunal Superior Eleitoral, como seu Presidente, incumbo-me da honrosa missão de dar continuidade ao profícuo trabalho realizado por meus antecessores, dentre os quais ressalto a figura do Ministro Carlos Velloso, a quem sucedo na Presidência desta Casa.”

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