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Jobim: “Os irresponsáveis e os idiotas perderam a modéstia”

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20 de fevereiro de 2006, 17h14

“Não sou candidato a nada.” O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim já confirmou que deixa o tribunal até o final de março, mas tenta acalmar as especulações sobre o motivo da sua saída do STF. Em entrevista ao jornalista Klécio Santos, da Agência RBS, afirma que pretende se filiar ao PMDB, mas quer trabalhar como advogado.

Por hora, são estes os planos do ministro. Mas para frente, ele não descarta a possibilidade de retornar à vida política. Sobre o motivo da saída da Corte Suprema, explica que já tinha decidido quando assumiu a Presidência do tribunal. Não pretendia, depois de presidente, retornar para as turmas.

Leia trechos da entrevista.

Pergunta — Por que o senhor resolveu deixar o Supremo Tribunal Federal?

Nelson Jobim — Passando pela presidência, chega o momento de sair do Supremo. Para voltar à bancada, prefiro sair.

O senhor está desde a Constituinte na vida pública. Cansou?

Chegou. Já estou completando 20 anos.

Qual será o seu futuro?

Vida privada.

Quando o senhor tomou essa decisão?

Ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal [em junho de 2004], decidi que retornaria à vida privada tão logo terminasse meu mandato.

Seu nome foi cogitado pelo PMDB como alternativa à Presidência.

O PMDB começou a falar em candidatura, mas não fui consultado. São especulações feitas pelo partido e pela imprensa. E aí tem uma situação curiosa: a imprensa especulou, me impôs candidato e depois começou a fazer análise de que eu não poderia ser.

Mas o senhor não fomentou essas especulações, não deu corda em conversas privadas?

Não me cabe, como membro do Judiciário e presidente do Supremo, fazer esse tipo de cogitação.

O senhor pretende se filiar a algum partido?

Só existe um a que eu possa me filiar: o PMDB. Saindo daqui, me filiarei ao PMDB lá em Santa Maria da Boca do Monte [cidade na região central do Rio Grande do Sul], onde está meu título eleitoral.

E a história de que o senhor iria para o PSB, para ser vice de Lula?

São especulações das especulações.

O senhor é amigo de dois presidenciáveis: José Serra e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Entra na campanha com cacife para participar do governo de qualquer um dos dois.

Eu só examinaria essa situação depois de sair do Supremo.

O senhor admite que pode ter um papel privilegiado na campanha presidencial?

Nada. Quero ir para a vida privada, para a advocacia. Vou concluir projetos inconclusos, como uma narração não-jurídica [no sentido que não é um exame jurídico] da Constituinte e também um projeto antigo de trabalhar num texto sobre processo legislativo.

Mas e quanto à hipótese de integrar o governo em um papel de destaque?

Quando se começa a fazer esse tipo de cogitação, você estabelece programas. Só programo o que depende de mim. O que depende de situações futuras, eventuais e aleatórias, futuro incerto e não sabido, não é objeto de cogitações.

Em algum momento o senhor pensou em participar do processo eleitoral em 2006?

Se retorno à vida privada e dentro do processo partidário existente já há decisões, não tenho o que fazer. Isso foram especulações de setores do PMDB e da imprensa.

O motivo alegado por integrantes do PMDB para o senhor desistir foi a queda da verticalização.

Isso é falso. Ninguém está autorizado a dizer nada com relação ao que eu pensei ou tenha deixado de pensar.

O senhor se sentiu constrangido com aquela interpelação exigindo que esclarecesse se tinha planos políticos? Por que não respondeu?

Não tenho obrigação de responder a nada. Ninguém tem nada a ver com minha vida privada. Tanto é que (a interpelação) foi indeferida, totalmente inconsistente.

Citando Nelson Rodrigues, o senhor disse que os idiotas perderam a modéstia. Quem são os idiotas?

Ah, são diversos. Emitiram opinião sobre tudo. É curioso que fizeram análises, julgamentos das decisões que o Supremo Tribunal Federal andou tomando sem ler nenhuma delas. A irresponsabilidade intelectual no Brasil é brutal. Naquele momento [durante o julgamento dos recursos do ex-deputado José Dirceu no STF], o ministro Sepúlveda Pertence estava sendo acusado de tudo, setores da imprensa diziam que ele não estava doente. Isso mostra irresponsabilidade. E o irresponsável acaba sendo um idiota. Casualmente, os irresponsáveis e os idiotas no Brasil perderam a modéstia.

Como o senhor recebeu as críticas de que teria atuado abertamente em favor de alguns suspeitos do mensalão, como o ex-deputado José Dirceu e o presidente do Sebrae, Paulo Okamotto?

Isso é normal. As pessoas que têm seus interesses contrariados acabam dentro daquela perspectiva muito nítida de síndrome da conspiração, acusam as pessoas que as contrariam.

Esses mesmos setores chamaram de patriótica a decisão do Supremo Tribunal Federal de obrigar a criação da CPI dos Bingos.

Esse é o jogo das pessoas que são contrariadas. Se a decisão convém aos interesses, eles elogiam. Se não, acusam.

O que o motivou a tomar decisões favoráveis no caso de Okamotto e de Dirceu?

Não se pode quebrar sigilo bancário de pessoas por mera informação jornalística.

E no caso de Dirceu?

Era uma convicção minha, do [Sepúlveda] Pertence e do Eros [Grau]. Fomos derrotados. Convicção minha de que parlamentar afastado não pratica atos como parlamentar. Só isso.

Qual foi o momento mais crítico de sua passagem pela Presidência do Supremo?

Não teve. O mais relevante foi a criação do Conselho Nacional de Justiça, cujo trabalho culmina na decisão sobre a constitucionalidade da resolução que regulamenta a proibição de nepotismo. O problema estava exatamente na reação de setores corporativos do Judiciário que pretendiam não se submeter ao Conselho. O grande debate em torno da implementação do Conselho era se o órgão tinha competência para editar atos normativos regulamentares. Um deles é o nepotismo.

O senhor é atacado por combater privilégios do Judiciário?

Também. Participei de várias reuniões do colégio de presidentes dos Tribunais de Justiça e havia discursos inflamados. Diziam que não se opunham ao nepotismo, mas desconheciam os atos do Conselho como regulamentares. O que está por trás disso é a manutenção de privilégios. Na própria reunião, um presidente de tribunal disse que era preciso fazer uma distinção de nepotismo. Nepotismo é quando você nomeia um parente que não tem competência, dizia ele. Se você nomeia um que tem, não é. Nas pesquisas que a Associação dos Magistrados Brasileiros fez, 75% a 80% dos juízes de primeiro grau apoiavam. O apoio se reduzia brutalmente nos juízes de segundo grau, porque são justamente eles que nomeiam. Foi uma vitória importante.

O senhor acha que decisões como a que declarou constitucional a resolução que regulamenta a proibição do nepotismo contribuem para melhorar a imagem do Judiciário junto à sociedade?

Vamos ver como eles comportam. Se reagirem muito a isso, procurarem criar problemas, acaba sendo pior.

Nos últimos tempos, sua posição tem colidido com a da maior parte do Judiciário gaúcho em questões como controle externo. As relações estão estremecidas?

É coisa antiga. São alguns setores, alguns desembargadores antigos, mas isso é irrelevante. Entra na categoria do Nelson Rodrigues (risos).

No início da crise política, o senhor afirmou que se o presidente Lula sofresse um impeachment, o país ficaria ingovernável por 10 anos. Esse é um exemplo de aplicar a Constituição com olhos voltados à governabilidade?

É lógico. O que temos de ter é que as soluções de crises políticas se resolvam não por meio de rompimentos. Fui relator na Câmara do impeachment do ex-presidente Fernando Collor. Quando alguém começou a insuflar essas coisas [o impeachment de Lula], entendi que não tinha nenhum sentido. Não há similitude com a situação do governo Collor. Continuo achando que a frase do doutor Ulysses Guimarães é clássica e só para profissionais: “Em política, até a raiva é combinada”.

Àquela altura, falar em impeachment era uma precipitação?

Não tinha sentido. Uma coisa é comparar o governo Collor com Lula. O governo Collor não tinha mais apoio popular nenhum. O governo Lula tem.

Essa é a única diferença ou havia fragilidade nas provas?

As provas não chegaram no governo. Estão aí, ainda meio inconclusas.

Mas a cassação é política.

Sim, a lógica não é do juiz, mas a do político. E é por isso que é dimensionada a forma de como isso é visto pelo eleitorado. Se você tiver um personagem com grande apoio popular, é certo que o Congresso não vai se opor. Já assisti a várias cassações meramente políticas. Fundamento jurídico não havia nenhum. Tivemos um exemplo clássico que foi o Ibsen Pinheiro. Na época, toda a imprensa era contra o Ibsen, e fui execrado por defendê-lo.

Chamou a atenção, durante o julgamento no Supremo do caso de José Dirceu, a maneira como o senhor interpelava os colegas.

Quem me criticou era contrário ao juízo que eu defendia. A conduta não é julgada por si, mas pela posição que o sujeito tem sobre o mérito. Quando assumi no TSE, o ministro Pertence me disse que eu tinha três características curiosas: couro de crocodilo, ou seja, não adiantava bater, astúcia de raposa e autoritarismo de gaúcho (risos). Confunde-se autoritarismo com a capacidade de decidir logo. Tomo decisões e as enfrento.

O senhor foi o ombro amigo do presidente Lula não só na diplomação do TSE, mas durante toda a sua gestão. Como vê Lula?

A afirmação não é verdadeira. Fui ombro amigo quando ele tomou posse e chorou. Agora, durante esse período, exerci minhas funções. Em alguns casos, elas coincidiam com os interesses do governo e, em outros, não. As decisões foram tomadas dentro da perspectiva jurídica, não da perspectiva de amigo de A ou de B. Quando o Tribunal Superior Eleitoral tomou a decisão da verticalização, fui acusado de defender os interesses de José Serra.

Naquela época, o senhor era acusado de ser o líder do governo Fernando Henrique no Supremo.

E é justamente por exercer a função com desassombro. Quem me acusava de ser líder do governo Fernando Henrique era o PT. Agora, a acusação é de ser líder do governo Lula.

Como o senhor avalia o governo Lula?

Depois de me aposentar, te digo.

O senhor já tem candidato na prévia do PMDB?

A prévia é anterior à minha saída. Não posso decidir sobre aquilo que não depende de mim.

E no futuro, será candidato?

Não sou candidato a nada. Agora, se me perguntar: e daqui a quatro anos? Daqui a quatro anos, posso estar morto. Aquela história do [economista John Maynard] Keynes: “no longo prazo, todos estaremos mortos”.

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