Amor à profissão

Entrevista: Arnaldo Malheiros Filho

Autor

19 de fevereiro de 2006, 7h00

Arnaldo Malheiros Filho - por SpaccaSpacca" data-GUID="arnaldo_malheiros_filho.jpeg">Para ser um bom advogado é preciso saber contar uma história. Um advogado criminalista, por exemplo, não pode se limitar a estudar Direito Penal. Ele tem de se debruçar sobre todas as demais áreas, porque o que Direito Penal faz é atribuir penas para aquilo que as outras áreas do Direito dizem ser ilícitos.

A lição é do advogado criminalista Arnaldo Malheiros Filho. “Quando eu era estudante não gostava de ouvir essa história, mas na profissão aprendi que é verdade.”

Malheiros é um advogado respeitado. Ele integra a lista de seis dos sete ministros do STF a quem este site pediu para indicar os nomes dos advogados mais admirados. Em enquete feita com trezentas das maiores empresas do país ele foi apontado como o criminalista mais admirado pelos executivos.

“Gosto da advocacia e daquilo que o ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos chama de aventura. Ou seja, você não sabe se vai ganhar muito dinheiro. Leva uma vida instável. Mas, no fim, essa instabilidade é que me atrai. Gosto da liberdade, tanto a que a profissão liberal me dá, como a liberdade das pessoas que eu defendo. Eu não seria um bom acusador e também creio que não sirvo para julgar”, afirma.

Na defesa de figuras de destaque na imprensa — como Delúbio Soares, Henrique Meirelles, Silvio Pereira, Eliane Tranchesi e Edemar Cid Ferreira — Malheiros afirma que o fato de o cliente já estar condenado pela sociedade na maior parte das vezes faz melhorar a defesa. “Dá mais gás ao advogado. É o desafio”, garante.

Nesta entrevista à Consultor Jurídico, o advogado de 55 anos também se revela um crítico ácido do sistema penitenciário e defende a prisão como o último dos recursos: “A prisão tem um tremendo custo e não tem utilidade social. O sistema penitenciário é tão lamentável que o juiz aprende a se anestesiar e a dizer o seguinte: ‘eu não quero nem saber o que está acontecendo lá, porque se souber vou ver que é um absurdo’. Assim, o juiz fecha os olhos e aplica a lei”.

Malheiros entrou para a faculdade de Direito da USP em 1968. Até se formar, em 1972, foi revisor e copy desk da Revista dos Tribunais. Depois, fez estágio com um colega de faculdade, formado um ano antes. Em 1973, iniciou o curso de pós-graduação, orientado por Manuel Pedro Pimentel e foi trabalhar com José Carlos Dias. Em 1980, a parceria foi desfeita e Malheiros abriu seu próprio escritório.

Também participaram da entrevista os jornalistas Aline Pinheiro, Márcio Chaer, Maria Fernanda Erdely e Rodrigo Haidar.

Leia a entrevista

ConJur — O que é preciso para ser um bom advogado criminalista?

Arnaldo Malheiros Filho — Advogar é contar uma história. Se você não souber contar uma história, você não pode ser um bom advogado em nenhum ramo. Também é preciso ser bem articulado e saber escrever. Depois, é necessário ter boa formação jurídica, que não se limite ao Direito Penal. Aquele que quer ser advogado tributarista pode se concentrar em Direito Tributário, com uma base em Constitucional para fazer uma retaguarda. Na advocacia criminal isso não é possível.

ConJur — Que peso tem o domínio técnico na profissão?

Arnaldo Malheiros Filho — É grande. Quando eu era estudante não gostava de ouvir essa história, mas na profissão aprendi que é verdade. Os professores diziam que não tem nenhum ramo da advocacia que se cruze tanto com os outros quanto o criminal. O Direito Penal cria penas para infrações que são de outros ramos do Direito. Por exemplo: o Direito Penal estabelece uma pena para aquilo que o Código Tributário diz que é ilícito. No caso de homicídio, a Constituição não garante o direito à vida? Então vemos aí um reflexo do Direito Constitucional. Há também os crimes patrimoniais. Patrimônio é regido pelo Código Civil.

ConJur — O senhor acredita que o Direito Penal econômico terá o mesmo grau de incidência que o Direito Criminal tradicional?

Arnaldo Malheiros Filho — Não. A primeira razão é a seguinte: não tem tanta gente assim cometendo crime econômico, como tem cometendo crime comum. Até porque não tem tanta gente em condições de cometer o crime econômico. Por outro lado, hoje vivemos uma onda punitiva. Não podemos esquecer que temos um modelo penal ainda baseado na prisão, que é um instrumento totalmente falido. A prisão não tem utilidade social e tem um tremendo custo. Recentemente, o Ministério da Justiça fez um levantamento e constatou que, pelo crescimento do número de condenados, o governo federal teria de inaugurar um presídio por mês só para abrigar novos condenados. O governo deveria inaugurar uma escola por semana, um hospital por mês, e não um presídio. Então, é forçoso que haja uma substituição de pena.


ConJur — O senhor disse que o modelo penal da privação da liberdade está falido. Mas o senhor aceita um convite para andar na Cracolândia [região do centro de São Paulo, conhecida pelo comércio de drogas como o crack] à meia-noite?

Arnaldo Malheiros Filho — Não!

ConJur — Ou seja, há elementos que precisam ser tirados do convívio social.

Arnaldo Malheiros Filho — O professor Manuel Pedro Pimentel, que morreu há 15 anos, dizia que a pena da prisão faliu, acabou. Só que a sociedade ainda não descobriu o que fazer com o criminoso que apresenta perigo físico, como esses que andam a noite na cracolândia. Realmente, isto está para ser descoberto. Mas os incidentes no Direito Penal econômico não apresentam periculosidade. Para estes, está na hora de pensar numa fórmula alternativa.

ConJur — Qual seria a fórmula alternativa?

Arnaldo Malheiros Filho — O Delfim Neto [economista e deputado federal] dizia que a parte mais sensível do ser humano é o bolso. Então, a pena seria fazer o sujeito pagar. Os americanos estudam outras fórmulas. Lá eles usam a pulseira eletrônica que faz uma espécie de confinamento. Eu me lembro que um jornalista americano entrevistou um traficante de armas, que teve a liberdade provisória decretada e a condição era não deixar Manhattam. Ele era monitorado por uma pulseira eletrônica. O jornalista que o entrevistava brincou: “Manhattam até que é um presídio bem gostoso, não é?”. Aí o traficante respondeu: “Olha, só você não poder sair de um lugar, ele fica horrível”. Li um artigo de um americano que propunha ao condenado a escolha da pena. Um estuprador, por exemplo, poderia trocar a prisão pela castração. Na época, foi um escândalo. Todos os liberais protestaram, acharam um absurdo até começar a ver o resultado das pesquisas feitas entre condenados por estupro.

ConJur — O Estado não deveria ser mais condescendente com quem deixa de pagar imposto para ter a empresa funcionando, do que aqueles que deixam de pagar imposto por vocação criminosa mesmo?

Arnaldo Malheiros Filho — Vou citar mais uma vez o professor Manuel Pedro Pimentel: “O primeiro requisito para que a repressão funcione é a repulsa social à conduta”. Ele dizia que não adianta ter Polícia, porque essa entidade só vai funcionar se aquele ato praticado é um negócio que as pessoas não gostam ou não querem. Caso contrário, não há Polícia que dê jeito. Pimentel também defendia que, no Brasil, sonegar imposto é uma maravilha. O assalariado que é descontado na fonte e não que tem como sonegar, aprende rapidinho que se ele comprar com nota fiscal, paga mais caro. Então, a sonegação do comerciante volta para ele. E o comerciante não sonega para ficar mais rico, ele sonega para ter o melhor preço e vender mais que o concorrente. Por outro lado, se você deixar isso generalizar, o Estado quebra.

ConJur — Qual é o sentido da pena: punir ou recuperar o condenado?

Arnaldo Malheiros Filho — Na verdade, o sentido é duplo. Ou seja, recuperar pela punição. A pena é amarga, ela tem de ser. Não se pode ter um Estado impregnado de sentimentos negativos a que os seres humanos estão sujeitos. Nós todos temos raiva, mas você não pode ter um Estado raivoso. O Estado tem de ser frio e racional. Não faz sentido você causar o mal a alguém ou causar dor aplicando punição se não tiver um sentido social.

ConJur — Senão vira vingança.

Arnaldo Malheiros Filho — Exatamente.

ConJur — Qual seria o sentido social?

Arnaldo Malheiros Filho — A recuperação. E é na recuperação que a prisão é a falência total. Se você usar uma medida de sucesso da pena, tudo bem. Qualquer uma delas será discutível. Mas uma que é comumente usada é a taxa de reincidência. Se os condenados voltam a ser condenados é porque a pena não serviu para nada.

ConJur — Qual seria a pena alternativa para uma pessoa que cometeu homicídio?

Arnaldo Malheiros Filho — O homicídio é diferente porque é um crime contra a vida. Mas tem de se levar em consideração que existe o homicida de um crime só, como os casos passionais, por exemplo. Antigamente, dizia-se que o júri era machista, porque absolvia o marido que matava a mulher, o namorado que matava a namorada. O Evandro Lins e Silva costumava sempre trazer os casos históricos do júri absolvendo a mulher que matava o marido. Ou seja, não é que o Júri é machista. Ele enxerga o caso do sujeito e diz: “Bom, esse aí não vai mais cometer este crime porque não tem vocação para isso”.

ConJur — Como o senhor vê a decisão do juiz de Minas Gerais [Livingsthon José Machado, da Vara de Execuções Criminais de Contagem] que mandou soltar os presos porque a cadeia estava superlotada?

Arnaldo Malheiros Filho — Acho admirável e que ele tem razão. O problema é o seguinte: o sistema penitenciário é tão lamentável que o juiz aprende a se anestesiar e a dizer o seguinte: “Eu não quero nem saber o que está acontecendo lá, porque se souber vou ver que é um absurdo”. Assim, o juiz fecha os olhos e aplica a lei. O que o juiz de Contagem fez foi abrir os olhos.


ConJur — Chegou a hora do Poder Público confessar que não dá conta das coisas e pedir a ajuda da esfera privada? Ou essa intervenção é perigosa? Por exemplo, a parceria barrada recentemente no Judiciário, do projeto “Justiça Sem Papel”, na qual a Souza Cruz entra com recursos financeiros para criar um Juizado virtual.

Arnaldo Malheiros Filho — Nesse caso é uma doação condicionada a um projeto. Então não vejo nenhuma interferência. Até acho que isso até é muito bom. Realmente, não vejo como alguém pode ser contra ou achar que o juiz vai julgar a favor da Souza Cruz porque ela financiou o projeto. Em São Paulo, houve uma grande discussão quando a prefeitura quis ceder um prédio para a instalação das salas da Fazenda Municipal. Mas, como é que um juiz que julga a prefeitura vai usar um prédio da prefeitura. Eu acho que aí o caso é até mais grave do que esse da Souza Cruz.

ConJur — O senhor disse que uma pessoa que cometeu um crime passional tem chances de ser absolvida, porque o júri entende que é um criminoso de uma vez só. Nesse sentido, o Pimenta Neves [que matou a jornalista Sandra Gomide, em agosto de 2000], por exemplo, pode ser absolvido?

Arnaldo Malheiros Filho — Não posso responder. Já fui advogado dele.

ConJur — O senhor arriscaria uma porcentagem de quem comete crimes por necessidade e quem comete crime por opção?

Arnaldo Malheiros Filho — Acho difícil. Talvez olhando outros países… Mas é difícil a comparação, porque você tem dados de cultura, de educação. Por exemplo, o Japão. Certa vez ouvi de um professor japonês o seguinte: o Japão é um dos países onde há o maior aproximação entre a renda da população. Nas grandes empresas japonesas, a diferença entre o menor e o maior salário não chega a 10 vezes. O padrão de vida da população é muito semelhante, não é uma coisa gritante como nos outros países. Ele diz que isso tem um enorme efeito no baixo índice de criminalidade patrimonial. No Japão, por exemplo, não se rouba carro. Na cultura japonesa, ir a juízo em uma ação civil é vergonha, é sinal que as duas partes não conseguiram se compor e precisaram chamar a autoridade. Então, veja se essa cultura é uma cultura para ter um alto índice de homicídio, como tem.

ConJur — O clamor público pode influenciar a decisão do júri?

Arnaldo Malheiros Filho — Pode, claro. Influencia diretamente. Há um crítico alemão que estuda por quê o teatro mais antigo do mundo que sobrevive é a tragédia. Desde a Grécia antiga, as tragédias lotam os teatros. O que esse pesquisador diz é que quando alguém vê o mal acontecer com outro, significa que você é bom. Assim, o castigo alheio é a sua absolvição.

ConJur — E aí entra o advogado criminalista, defensor de uma pessoa ainda acusada e já pré-condenada pela imprensa. Como é lidar com isso?

Arnaldo Malheiros Filho — O fato de o cliente estar condenado por antecipação faz melhorar a defesa. Dá mais gás ao advogado. É o desafio.

ConJur — Existem casos de coação dentro do tribunal?

Arnaldo Malheiros Filho — Não. Agora, existem casos de coações, como pressionar um sujeito e torturá-lo para que chegue ao interrogatório e confirme tudo o que disse no ato da prisão à Polícia.

ConJur — O tripé da Justiça funciona? Ou seja, a Polícia investiga, o Ministério Público denuncia e a Judiciário julga? As instituições estão funcionando?

Arnaldo Malheiros Filho — É uma pergunta difícil. Vamos começar pela investigação. A Polícia melhorou muito. Existe violência na Polícia brasileira, corrupção, mas não podemos negar que melhorou. A abertura democrática, o controle maior da imprensa, o fortalecimento do Ministério Público, nesse sentido foi positivo. Acontece que ainda é preciso trabalhar mais a questão dos limites da investigação. Acabar com a frase odiosa: “Quem não deve, não teme”. Pelo contrário, você pega a Declaração de Direitos da Constituição americana e constata que metade dos direitos são garantias contra a investigação. Garantias do cidadão. No Brasil, temos 800 anos de um processo penal orientado pela chamada verdade real. A Polícia encontra um cidadão, põe no pau-de-arara, tortura e ele acaba confessando que roubou uma casa e que escondeu tudo que roubou num determinado lugar. Só então se tem a prova.

ConJur — Os direitos são atropelados em nome do combate à criminalidade?

Arnaldo Malheiros Filho — Sim.

ConJur — E qual alternativa para isso?

Arnaldo Malheiros Filho — É cultural. Todos nós queremos que o crime diminua, desapareça. Todos, num certo sentido, temos um compromisso de lutar contra o crime, o que é muito saudável. Agora, você tem autoridades encarregadas de lutar contra o crime. Basicamente, a Polícia e o Ministério Público. Atualmente, tem-se disseminado uma cultura, e não é só no Brasil, de que o juiz também faz parte dessa luta. E isso é a falência do sistema. Porque a luta contra o crime, fatalmente, vai se chocar com direitos individuais. E quem arbitra a legalidade e a ilegalidade desse choque tem de estar acima, ser imparcial, julgando. No momento em que o juiz está na luta contra o crime, ele já está de um lado. Hoje é muito comum ver juiz que participa do planejamento de operação de policiais. Eu mesmo já fui atender clientes investigados nesses casos. A Polícia Federal liga para o juiz e diz: “Olha, seu mandado não permite isso”. O juiz, então, responde que passa o fax na hora com a ordem. Como é que ele vai julgar se é parte?


ConJur — E a situação está melhorando ou piorando?

Arnaldo Malheiros Filho — Piorando. Às vezes, os juízes entram na carreira achando isso que é um dever deles.

ConJur — E quanto ao poder investigatório do Ministério Público?

Arnaldo Malheiros Filho — O Ministério Público, na verdade, tem grande poder sobre um inquérito policial. Mas acho que o inquérito formulado pela Polícia é mais eficiente e garante mais os direitos individuais. O Código de Processo Penal, por exemplo, diz que a Polícia, quando vai ao local de um crime, deve coletar todos os objetos que sejam necessários para a acusação e a defesa. O Ministério Público não tem esse compromisso. Tudo o que a Polícia faz em um inquérito ela junta aos autos. O Ministério Público pode juntar só o que for conveniente. Se ouviu uma testemunha e ela inocentar o réu, o MP pode fazer de conta que não a ouviu. Não existe um procedimento. A coisa não pode ser feita assim.

ConJur — Os ministros que compõem o Supremo têm perfis. A ministra Ellen Gracie é famosa por não conceder pedido de Habeas Corpus. O ministro Marco Aurélio é apelidado de Soltador-Geral da República e o ministro Celso de Mello, em matéria de banditismo comum, tem uma posição bastante rigorosa, embora seja um liberal. O ministro Pertence é acentuadamente cauteloso. Existe um ministro que seja voto condutor em matéria criminal? Ou já existiu?

Arnaldo Malheiros Filho — Não. Hoje, no Supremo, quem mais tem história de militância em Direito Penal é o ministro Pertence. O Celso de Mello, apesar de ter sido promotor, não trabalhou muito tempo na área penal. Não há voto condutor. Acho que todos têm suas opiniões, todos discutem. E evidentemente, como em qualquer colegiado, há os mais liberais, os mais durões. É normal.

ConJur — O Enrique Ricardo Lewandowski, novo ministro do STF, pode ser um diferencial, já que é o único que já foi juiz criminal.

Arnaldo Malheiros Filho — É verdade.

ConJur — O que o senhor achou da indicação do Lewandowski?

Arnaldo Malheiros Filho — Excelente. É um juiz, não tem o perfil político. Tinha-se medo de um excesso de politização no Tribunal. Acho que pendeu para o lado profissional. Mas o que está faltando no Supremo é um advogado criminal, de preferência com formação de jurista. Meu candidato para a vaga se chama Nilo Batista, advogado no Rio e foi vice do Brizola. Este seria o grande ministro.

ConJur — O senhor concorda que o Supremo julgue pedido de Habeas Corpus? Isso não teria de ser uma função do Superior Tribunal de Justiça?

Arnaldo Malheiros Filho — Não. O Supremo historicamente sempre foi um Tribunal de Habeas Corpus. Desde Ruy Barbosa, desde que existe o Supremo.

ConJur — Mas grande parte dos juízes defende que o STF seja transformado numa Corte Constitucional.

Arnaldo Malheiros Filho — Sou radicalmente contra. Acho que o papel que o Supremo exerceu, que ainda exerce, na jurisdição penal é fundamental. Inclusive pela visão constitucional.

ConJur — Os resultados das operações da Polícia Federal são compatíveis com o barulho feito na partida?

Arnaldo Malheiros Filho — É difícil dizer, porque são muitas operações. Mas o que eu diria é o seguinte: primeiro, a vocação cinematográfica é a característica principal. Segundo, eu não me refiro só à Polícia Federal e à Justiça Federal, mas também à Justiça Estadual. É o que os advogados chamam de mandado ao portador. Ou seja, o juiz dá mandado de busca e fala: “Vai lá e apreenda o que você quiser”. O que é um absurdo! Acaba se fazendo um carnaval, porque se reúne um volume de provas tão grande que a própria Polícia depois tem dificuldade de trabalhar com elas.

ConJur — Quem é culpado por isso? A Polícia Federal, o Ministério Público ou o juiz?

Arnaldo Malheiros Filho — O juiz. O meu saudoso amigo Sérgio Pitombo não admitia que se criticasse o Ministério Público. Ele dizia: “todos os abusos que nós estamos vendo, a culpa é nossa, dos juízes”. Quer dizer, o Ministério Público está no seu papel, que é de pedir. Agora, se é dado mais do que se pode, quem está errado é o Judiciário.

ConJur — O senhor defendeu grandes figuras de destaque nos meios de comunicação. Como é ser um advogado, por exemplo, do Delúbio Soares? A sociedade ainda confunde muito o advogado com o seu cliente?

Arnaldo Malheiros Filho — Quanto mais ignorante a população, mais confunde. E, infelizmente, a ignorância ainda ocupa uma faixa muito grande da população. O pessoal sempre questiona: “como é que defende um cara desses?” Eu defendo pessoas acusadas. Não julgo ninguém.

ConJur — O brasileiro tem vocação para o crime?

Arnaldo Malheiros Filho — Não. Há um alto índice de criminalidade, mas isso é no mundo inteiro, principalmente nos países com grande índice de desigualdade social.

ConJur — Qual a sua opinião sobre a lei de crimes hediondos?

Arnaldo Malheiros Filho — Como diz o Alberto Silva Franco [desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo], a lei é que é hedionda. Ou, segundo o José Carlos Dias [advogado criminalista e ex-ministro da Justiça], ela fala dos crimes hediondos como se houvessem crimes adoráveis também. Crimes são crimes.

ConJur — A delação premiada é um instituto que deve ser usado?

Arnaldo Malheiros Filho — Eu acho que em outros países talvez. No Brasil, eu acho que é uma agressão ao caráter brasileiro. Porque quando a criança começa a sua socialização, ela é educada para não dedurar seus coleguinhas. A delação premiada é totalmente contra a nossa cultura. E pior, é uma coisa profundamente antiética, porque o sujeito participa, comete o crime e ainda faz a delação para obter benefícios. Além disso, hoje no Brasil se praticam dois tipos de delação premiada: a legal e a marginal. Se for assim, então torturemos os torturadores e estupremos os estupradores. Nós vamos ser todos iguais. Não tem cabimento se nivelar ao crime.

ConJur — Um conselho para um jovem que quer ser advogado criminalista.

Arnaldo Malheiros Filho — É difícil dar um conselho. Para quem está entrando na faculdade, eu diria o seguinte: muito cuidado para não ficar só estudando Direito Penal. Olhe para o resto, porque é muito importante. E para quem está se formando agora eu diria que tenha muita coragem para enfrentar um mercado difícil. Não é fácil começar, mas vale a pena.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!