Resolução do CNJ

Reflexões sobre a vitória contra o nepotismo no Judiciário

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17 de fevereiro de 2006, 17h51

O tema em voga da extinção do nepotismo nos tribunais tem suscitado cobertura pelos meios de comunicação de massa, porém superficial, deixando de lado vários aspectos que pretendo abordar aqui.

O primeiro detalhe ignorado é que se trata de um tema bem mais transcendente do que parece. Sua vocação natural é a de iniciar uma luta pelo fim do nepotismo em todas as esferas do Estado Brasileiro, como tratarei adiante.

Em segundo lugar, não se tem dado o devido crédito aos verdadeiros responsáveis pelo sucesso da empreitada. É claro e indubitável que houve sensibilidade por parte do Conselho Nacional de Justiça para com o assunto. Mas a luta partiu das próprias entidades representativas da classe dos magistrados.

Foi a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho que provocou o órgão de controle externo, que estendeu os efeitos do que lhe foi pedido (originalmente limitado àquela Justiça especializada) para todo o Judiciário brasileiro. Foi a ação corajosa da Associação dos Magistrados Brasileiros, propondo Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal que permitiu, na prática, que a resolução anti-nepotismo produzisse todos os seus efeitos.

Há importantes detalhes, com não menos relevantes conseqüências práticas, que estão sendo deixados de lado pela imprensa e demais mídia. Se o STF proclamou que o Conselho Nacional de Justiça estava atuando nos limites de suas atribuições — isto é, que ele não estava legislando, nem se arrogando competências do Congresso Nacional – isso significa que a proibição de nepotismo vale para todos os Poderes e para o Ministério Público.

Este último já conta com uma resolução semelhante à do CNJ, emitida por seu próprio órgão de controle externo. Mas que dizer do Poder Legislativo e do Poder Executivo?:

É óbvio que se espera do Poder Judiciário um comportamento ético mais exigente, mas isso não significa que os demais possam exibir relaxamento moral nesta matéria, quanto mais depois da decisão do Supremo Tribunal Federal, que parece indicar que certos princípios da administração pública — entre eles, o da moralidade — apontam diretamente — quer dizer, sem a necessidade de regulamentação por outras normas — para livrar o Estado brasileiro do nepotismo, pouco importa qual seja o Poder ou a esfera.

Infelizmente, é previsível que o restante do Estado brasileiro resistirá. A magistratura precisará do apoio de toda a população para por fim a esse problema em todos os setores da administração.

Quanto a este último tópico, é significativo que já houvesse uma lei anti-nepotismo aplicável à Justiça Federal desde 1996 (ela foi, inclusive, lembrada durante o julgamento da liminar pelo STF), enquanto que o mesmo não se verificava em todos os estados e não se verifica, até hoje, para o Parlamento ou para o Poder Executivo.

Outro ponto importante e igualmente pouco valorizado: a vitória do combate ao nepotismo demonstrou o que internamente se conhecia, mas que o público externo nem sempre tem consciência. A magistratura não é um bloco compacto e homogêneo de pensamento, como costuma ser descrita — muitas vezes implicitamente — pelos meios de comunicação social. Se houve quem resistisse contra a moralização do Poder Judiciário, houve muitos mais juízes — e estavam bem representados por suas entidades de classe — que apoiaram e se alegraram com a vitória na luta anti-nepotismo. Isso está a indicar que a democratização da gestão dos tribunais, com a participação direta de todos os magistrados na eleição de seus corpos diretivos, seria um passo na direção correta.

Há, sim, um setor progressista na magistratura brasileira, que é onerada e sofre com os vícios do engessado sistema judiciário — e não são apenas vícios de ordem ética, mas principalmente funcionais — e que pretende ver tal situação modificar-se (e logo). Esse setor saiu-se vitorioso desta vez. É preciso que se saia bem em novas oportunidades. É necessário que participe mais direta e ativamente da gestão do Poder Judiciário.

Ainda se pode fazer um rápido balanço, positivo, da atuação do CNJ neste primeiro mandato. Ele evitou ser manipulado — embora até mesmo certas entidades de classe tenham tentado desvirtuar suas funções — como meio de influência e revisão de decisões judiciais.

Nas vezes em que foi pressionado a reduzir ou eliminar a independência dos magistrados — perigo que sempre ronda o exercício do controle externo, o CNJ recusou-se, acertadamente. Preferiu, corretamente, engajar-se em combates mais produtivos para a reforma das instituições judiciárias. Esperemos que, com isso, os que tentam valer-se do controle externo com fins excusos — os de garantir decisões de mérito favoráveis a seus interesses, ou pressionar juízes que decidem legalmente contra seus interesses — tenham aprendido a lição.

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