Insuficiência orçamentária

É preciso admitir que presídios precisam de capital privado

Autor

  • Roberto Porto

    é mestre em Direito Político e Econômico professor da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP e promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

17 de fevereiro de 2006, 12h29

Ao ingressar em um presídio brasileiro, o sentenciado é despido de sua aparência usual. É despojado de seus pertences pessoais, recebendo um uniforme padronizado, o qual é obrigado a utilizar. Seu nome é substituído por um número, denominado matrícula. O seu cabelo é raspado. É privado de toda e qualquer comodidade material, recebendo tão somente o necessário a sua higiene pessoal. E, por fim, é informado das normas do estabelecimento e das conseqüências do seu descumprimento.

Este processo, denominado perda da subjetividade, consiste na desprogramação do indivíduo, na perda de sua identidade, de modo a torná-lo apto a um novo mecanismo, de reprogramação, agora baseado em regras de enquadramento, adestramento, de padronização. Ao determinar ao sentenciado uma rotina diária a ser seguida, pretende-se uma renúncia à própria vontade e ao desejo.

Este sistema, denominado por Goffman de pasteurização do indivíduo, consiste na perda e anulação da singularidade. Utilizando-se desta técnica disciplinar, as instituições carcerárias brasileiras visam à transformação dos sentenciados, de forma a modificar suas disposições criminosas, neutralizando sua periculosidade, tornando-os dóceis, excluídos de seus mundos originários, a fim de que absorvam as regras estabelecidas internamente e a imposição de novas condutas.

Nesse sentido, deveriam funcionar as prisões como parâmetro de comportamento a serem seguidos pelos sentenciados, a partir de valores opostos definidos pela sociedade do bem e do mal, do lícito e do ilícito. Caberia aos administradores do sistema ditar este padrão de comportamento a ser seguido pela comunidade carcerária, por meio de um sistema de aprendizado baseado na introjeção da disciplina, da utilidade social, do bom convívio, do respeito, o que não vem ocorrendo. O que permite ao Estado aplicar a penalidade disciplinar é a inobservância da regra, tudo aquilo que se afasta dela, o desvio.

Quando o próprio sistema prisional não dá o exemplo, fugindo das regras por ele exigidas, permite que os sentenciados assim também o façam. A falta de programas de ressocialização faz com que os detentos sejam reeducados pelos próprios companheiros, e não pela equipe de supervisão, sob orientações baseadas na rebeldia, na resistência, na rejeição social. Neste contexto, as penitenciárias brasileiras perderam o seu papel exigido, de aparelho transformador de indivíduos.

A prisão não foi criada como forma de privação de liberdade. A sua razão de existir, desde o início, sempre foi a função técnica de correção. A perda da liberdade do sentenciado foi a forma encontrada para implementar esta técnica.

A técnica penitenciária brasileira se afastou de seu caráter terapêutico. Os mecanismos e os efeitos da prisão se difundiram ao longo dos anos, e a privação da liberdade deixou de comportar um projeto técnico.

A Lei de Execuções Penais completou 20 anos de vigência no Brasil. Seu artigo 203, parágrafo 2º, havia imposto o prazo de seis meses, a partir de sua promulgação, para que todos os estabelecimentos penais necessários a dar concretude a seus dispositivos fossem construídos. Lamentavelmente, após mais de duas décadas, muito pouco foi feito. O momento, portanto, é crítico e merece, de todos nós, a máxima reflexão.

Devemos ter a coragem de admitir que o Estado brasileiro não tem condições orçamentárias para resolver o grave problema carcerário e, a partir daí, buscar novas soluções, como o da entrada de capital privado para a modernização dos presídios. Só não podemos mais fingir que nada está ocorrendo.

Autores

  • é mestre em Direito Político e Econômico, professor da Fundação Armando Álvares Penteado - FAAP e promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).

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