Gole traiçoeiro

Distribuidora é condenada por vender bebida contaminada

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17 de fevereiro de 2006, 6h00

A distribuidora de bebidas CVI Refrigerantes foi condenada a indenizar um cliente que tomou refrigerante contaminado com soda cáustica. A reparação por danos morais foi fixada em R$ 30 mil. A decisão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Cabe recurso.

O cliente alegou que, depois de terminar uma partida de futebol, tomou um gole do refrigerante Minuano Laranjinha. Em seguida, teve falta de ar, forte queimação na garganta e no esôfago. Os amigos acudiram o colega e constaram que havia algo estranho no refrigerante. Depois de vários dias de desconforto, o cliente fez uma endoscopia, que confirmou a ingestão de produto químico.

A CVI Refrigerantes admitiu o uso de soda cáustica diluída em água, nas embalagens do produto, mas alegou que elas passam por um processo de limpeza. Por isso, sustentou que não houve dano moral porque o autor da ação não sofreu seqüelas relacionadas ao incidente, nem prejuízos ou abalos psíquicos.

A relatora da questão, juíza Ana Lúcia Carvalho Pinto Vieira, afirmou que é inegável a existência de dano moral, pois o fato “expôs o consumidor a perigo de vida ou de saúde, dando causa, ainda, a lesões corporais, situação essa que se extrai sem qualquer dificuldade do exame médico realizado”. Acompanharam o voto os desembargadores Marilene Bonzanini Bernardi e Odone Sanguiné.

Processo 70010722072

Leia a íntegra da decisão

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. INGESTÃO DE BEBIDA CONTENDO RESÍDUOS DE SODA CÁUSTICA. PERIGO DE VIDA. DANO MORAL. DANO IN RE IPSA. QUANTIFICAÇÃO.

Inegável a ocorrência do dano moral puro, mesmo que, na atualidade, o autor não experimente seqüelas significativas. Para qualquer um, desimportando as conseqüências que pudessem ter advindo do fato, que fosse beber, despretensiosamente, um refrigerante, após uma inocente partida de futebol, sendo surpreendido pela ingestão de soda cáustica, a experiência seria trágica e traumática. Valor da indenização majorado em atenção ao caso concreto e sopesando o potencial econômico da ré, bem como a necessidade de acentuar-se o aspecto punitivo/pedagógico da sanção pecuniária.

DESPROVIMENTO DO APELO DA RÉ E PROVIMENTO DA APELAÇÃO DO AUTOR.

APELAÇÃO CÍVEL: NONA CÂMARA CÍVEL – REGIME DE EXCEÇÃO

Nº 70010722072: COMARCA DE SANTA MARIA

LEANDRO REGIS OLIVEIRA DE BEM: APELANTE/APELADO

CVI REFRIGERANTES LTDA: APELANTE/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Nona Câmara Cível – Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo da ré e em dar provimento à apelação do autor.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI E DES. ODONE SANGUINÉ.

Porto Alegre, 28 de dezembro de 2005.

DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA,

Relatora.

RELATÓRIO

DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA (RELATORA)

Trata-se de apelações interpostas por Leandro Régis Oliveira de Bem e CVI – REFRIGERANTES LTDA., respectivamente, inconformados com a sentença que julgou parcialmente procedente a ação de indenização por danos morais e patrimoniais promovida pelo primeiro em face da segunda, para o efeito de condenar a ré ao pagamento de indenização por danos morais ao autor no montante equivalente a 20 salários mínimos, mais custas processuais e honorários de 20% sobre o valor da condenação, conforme art. 20, § 3º, do CPC.

A Magistrada, acolhendo embargos declaratórios manejados pela ré, aclarou, no que tange ao capítulo acessório, que as partes arcarão com o pagamento das custas por metade e que a parte autora pagará honorários à parte requerida no valor de 20% sobre a condenação.

Argúi o primeiro apelante que a sentença não avaliou detidamente a questão, culminando por conceder ao autor indenização insuficiente, se avaliado o potencial econômico da ré e o grau da ofensa física perpetrada contra o autor. Pugna a majoração do valor da condenação.

A segunda apelante, por seu turno, argumenta que não houve dano moral, não tendo sido demonstrado que o autor tem sofrido prejuízos ou abalos psíquicos desde o fato. O autor não mostra a presença de qualquer seqüela relacionada com o incidente, como restou assente no laudo médico-pericial realizado. Pede a improcedência da demanda, afastando-se a condenação por danos morais e redimensionando-se a sucumbência.

Apenas a ré ofereceu contra-razões.

Vieram-me os autos conclusos por redistribuição.

É o relatório.

VOTOS

DRA. ANA LÚCIA CARVALHO PINTO VIEIRA (RELATORA)

Eminentes Colegas.

O histórico dos autos aponta para fato no mínimo inusitado, mas com sérios contornos.

No dia relatado na inicial, o autor, que havia terminado de jogar uma partida de futebol, adquiriu uma garrafa do refrigerante “Minuano Laranjinha”, bebendo um gole, após o que, sentindo forte queimação na garganta e no esôfago, bem como falta de ar, foi acudido por seus amigos, que constataram a inapropriedade da bebida para consumo.

O refrigerante, conforme exames realizados, continha a substância denominada soda cáustica.

O autor, ao que relata, passou vários dias sentindo as queimaduras na garganta, submetendo-se a uma endoscopia, que atestou as conseqüências do nefasto episódio.

A própria ré, por meio de seu preposto (gerente industrial da empresa) admitiu o uso da soda cáustica nos vasilhames da bebida, dada a necessidade de esses passarem por um processo de limpeza.

O inquérito policial deflagrado contra a ré, por “perigo para a vida ou saúde de outrem e lesão corporal”, é pródigo na contextualização do ocorrido, dimensionando o fato.

Conforme auto de exame de corpo de delito, fl. 18, o autor ingeriu o líquido referido, começando a sentir “queimação na garganta e esôfago e falta de ar, após diarréia”. Encaminhado ao IML a garrafa do refrigerante, para devido exame toxicológico, a resposta foi afirmativa.

A ré é confessa no que tange à ocorrência do fato, buscando eximir-se de culpa sob justificativa de que a demanda foi promovida após três anos da ocorrência, não tendo o autor logrado demonstrar a ocorrência do efetivo dano moral.

Eis a matéria controvertida.

Parto do exame do apelo da ré, porquanto é prejudicial ao do autor.

Sem razão a ré.

Seus argumentos chegam a ser patéticos.

Buscar negativa à ocorrência de danos morais desafia o desrespeito pessoal e compromete sua própria seriedade como empresa.

Para qualquer um, desimportando as conseqüências que pudessem ter advindo do fato, que fosse beber, despretensiosamente, um refrigerante, após uma inocente partida de futebol, sendo surpreendido pela ingestão de soda cáustica, a experiência seria trágica e traumática.

O autor, que se preparava para sair com os amigos, foi beber um gole do “Minuano Laranjinha”, passando a sentir uma queimação na garganta e no esôfago e decorrente falta de ar.

Havia, fato não controvertido, soda cáustica no produto, o que se explica pela falta da diligência necessária empreendida pela ré no controle das mercadorias, já que, admitindo necessitar de tal procedimento para a perfeita lavagem dos vasilhames, “devido ao estado de sujeira que são apresentadas a fábrica os vasilhames”, usava soda cáustica diluída em água.

A análise feita dos resíduos cáusticos, como se vê, não foi levada a bom termo, pois permaneceu no vasilhame, que contaminou o líquido, expondo o consumidor a perigo de vida ou de saúde, dando causa, ainda, a lesões corporais, situação essa que se extrai sem qualquer dificuldade do relatório médico da fl. 58, seguido do exame fibroesofago-gastro-duodenoscopia realizado na data de 25.9.97.

Em tal contexto, inegável a ocorrência do dano moral, o qual, na hipótese, prescinde da prova do prejuízo, pois colore-se in re ipsa.

Difícil imaginar-se que alguém, por uma simples perturbação da faringe, fosse se submeter a tantos percalços.

Quanto ao valor da indenização, matéria essa do recurso do autor, penso que deva ser revisto, majorando-se.

Diante da gravidade do fato e repercussão na vida do autor, o qual, mesmo que não experimente seqüelas na atualidade, por certo irá conviver, por toda a vida, com a fatídica lembrança, bem como considerando o potencial econômico da ré, julgo prudente exasperar-se a condenação, acirrando-se o aspecto punitivo/pedagógico da sanção pecuniária, fixando-se a indenização em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), o que implica 100 (cem) salários mínimos atuais, com o que garantida a suficiência da reparação no caso concreto. O valor será corrigido pelo IGP-M a contar desta data, fluindo juros de mora de 1% ao mês desde então.

Relativamente ao capítulo acessório, constata-se que o autor postulara indenização por danos morais e materiais, os últimos consubstanciados em pensão mensal calculada até os 72,5 anos de idade, expectativa essa de vida no Estado, logrando apenas a indenização pelos danos morais, em patamar inferior ao que sugerira.

Portanto, forçoso reconhecer-se sua parcela de sucumbência na demanda, não na extensão como entendeu o julgado, pois o seu êxito é mais expressivo do que a derrota, não se justificando que responda em idêntica proporção da ré, tampouco que os honorários sucumbenciais a ele afetos sigam a regra do art. 20, § 3º, do CPC.

Nestes termos, à ré vai carreado o pagamento de 30% das custas processuais, o restante devendo ser suportado pelo autor.

A demandada pagará honorários advocatícios ao procurador do autor, de 20% sobre o valor da condenação, como dispôs a r. sentença. O autor, por seu turno, responderá por honorários de R$ 1.000,00 ao advogado da ré, na forma do art. 20, § 4º, do CPC.

Sendo o autor beneficiário da justiça gratuita, a exigibilidade da sucumbência a ele afeta vai suspensa, enquanto perdurarem as isenções da Lei n. 1.060/50.

Vedada a compensação dos honorários, diante da circunstância acima apontada.

Isso posto, provejo a apelação do autor e desprovejo a da ré, nos termos acima explicitados.

É o voto.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI (REVISORA) – De acordo.

DES. ODONE SANGUINÉ – De acordo.

DESA. MARILENE BONZANINI BERNARDI – Presidente – Apelação Cível nº 70010722072, Comarca de Santa Maria: “DERAM PROVIMENTO AO APELO DO AUTOR E NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA RÉ. UNANIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: ELIANE GARCIA NOGUEIRA

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