Garantia constitucional

Exercício da advocacia deve ser respeitado nas CPIs

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17 de fevereiro de 2006, 6h00

As Comissões de Inquérito, instituídas no Congresso Nacional, tanto são alvo de aplausos como de censuras pela opinião pública, interessada num desfecho que favoreça aqueles que sejam de sua simpatia. Temos constatado, não raras vezes, que a atuação desses órgãos não se limita ao esclarecimento de fatos determinados, conforme a lei exige.

Vai mais longe, criando uma simbiose entre o desempenho dos advogados com os seus patrocinados, mormente quando procuram, por meio de recursos, livrá-los das acusações a que respondem. Vem se tornando comum identificar o advogado com o seu cliente, como se houvesse, invariavelmente, co-responsabilidade nas questões a serem apuradas.

Conforme ensinou Aristóteles , desde os tempos mais remotos, “a diferença entre homens livres e escravos foi criada apenas pelas leis humanas e não pela natureza”. Foi um advogado, Lincoln , que aboliu a escravatura nos Estados Unidos, pagando com a própria vida a audácia de não distinguir a cor da pele, convencido de que as distinções criadas pelos homens não podem sobrepor-se ao ideal da Justiça, na busca da verdade.

A palavra “advogado” significa, em princípio, protetor e patrono. É nesse sentido primordial que, para os católicos, a mãe de Jesus é considerada “advogada nossa”, perante o seu Filho, a exemplo de Santo Ivo que tornou-se o advogado da nossa classe.

Na vigência do regime militar de 64, vários colegas foram confundidos com os que defendiam de acusações absurdas, sujeitando-se aos mesmos riscos e às maiores arbitrariedades. A equiparação do advogado ao seu cliente, se era inaceitável em regime de exceção, com maior razão, não pode ser admitida no estado de direito.

Temos visto, em algumas Comissões Parlamentares de Inquérito, congressistas, inclusive bacharéis em Direito, que não toleram a intervenção do advogado, como se a presença do profissional devesse ser apenas simbólica e não efetiva.

Se a Constituição Federal tem o advogado como “indispensável à administração da Justiça (art. 133)”, reconheceu com isto, em outras palavras, que sem o seu livre desempenho a realização do direito não passará de uma quimera. O artigo 7º, I do Estatuto da OAB, assegura ao profissional do Direito “exercer com liberdade a profissão em todo o território nacional”. A regra não contém exceção que possa restringir essa atividade numa investigação parlamentar se é realizada no “território nacional”, ficando imune às limitações criadas com ofensa às garantias da Lei 8906/94.

O ministro Celso de Mello já emitiu sua palavra autorizada, no STF, proclamando que o advogado não pode “ser cerceado, injustamente, na prática legitima de atos que visem neutralizar situações configuradores de arbítrio estatal ou de desrespeito aos direitos daquele que lhe outorgou o pertinente mandato”. Nesta linha de entendimento, nada impede que o advogado possa manifestar-se durante uma acareação, desde que o faça com o indispensável respeito à comissão investigante.

Essas graves e injustas restrições tornam os inquiridores mais poderosos do que realmente são na atividade que cumprem. O episódio que envolveu, no passado, o ex-diretor do Banco Central, Francisco Lopes, não pode ser esquecido por haver constituído um absurdo cometido dentro do Congresso, envolvendo o advogado que o assistia naquela ocasião.

O segredo profissional, por constituir a pedra angular da advocacia, permite ao advogado acompanhar o seu cliente ao longo de todo o processo. O advogado não pode ser um observador distante e desapaixonado se participa dos segredos, das dores e alegrias do seu representado.

O Código Deontológico dos Advogados da Comunidade Européia é incisivo ao estabelecer que “é da essência da missão do advogado que ele seja depositário dos segredos de seu cliente e destinatário das informações confidenciais. Sem a garantia da confidencialidade, não pode haver confiança. O segredo profissional é, assim conhecido, como o direito e o dever primeiro do advogado”.

A nossa profissão é uma luta permanente contra a prepotência, o arbítrio, as convicções preconcebidas e os preconceitos dominantes. A independência e a indomabilidade do verdadeiro advogado sempre incomodou os detentores do poder, tanto nos estados totalitários como nas falsas democracias.

Essas considerações tornam-se oportunas numa fase em que alguns membros de Comissões Parlamentares de Inquérito arrogam-se prerrogativas que jamais lhes foram concedidas, tomando o advogado como uma pedra de tropeço na tarefa que estejam desempenhando.

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