Regra constitucional

Leia voto de Britto sobre a resolução anti-nepotismo do CNJ

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16 de fevereiro de 2006, 21h09

O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou, nesta quinta-feira (16/2), constitucional a Resolução do Conselho Nacional de Justiça que regulamenta a proibição do nepotismo no Judiciário. Com a decisão, todas as liminares concedidas pelos Tribunais de Justiça para manter parentes de juízes nos cargos devem cair.

Em seu voto, o relator, ministro Carlos Ayres Britto, votou a favor do poder normativo do CNJ. Ele destacou que a Constituição Federal fixa o regime jurídico de três conselhos constitucionais, mas apenas a competência do CNJ não foi definida em lei.

Por isso, para o ministro, em razão da importância do Conselho e da ausência da lei, não se poderia negar ao CNJ a aplicação direta da Constituição.

Leia a íntegra do voto

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)

Cuida-se de medida cautelar em ação declaratória de constitucionalidade. Ação, essa, proposta pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e em prol da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça, que “disciplina o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento, no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e dá outras providências”.

2. São estes os fundamentos do pedido:

I – o Conselho Nacional de Justiça – CNJ tem competência constitucional para zelar pela observância do art. 37 da Constituição e apreciar a validade dos atos administrativos praticados pelos órgãos do Poder Judiciário (inciso II do § 4º do art. 103-B da CF/88);

II – a vedação ao “nepotismo” é regra constitucional que decorre do núcleo dos princípios da impessoalidade e da moralidade administrativas;

III – além de estar subordinado à legalidade formal, o Poder Público está adstrito à juridicidade, conceito mais abrangente que inclui a própria Constituição;

IV – a Resolução nº 07/2005, do CNJ, nem prejudica o necessário equilíbrio entre os Poderes do Estado – por não subordinar nenhum deles a outro -, nem vulnera o princípio federativo , dado que também não estabelece vínculo de sujeição entre as pessoas estatais de base geográfica.

3. Prossigo neste relatório para anotar que a postulante, após declinar os fundamentos jurídicos da sua pretensão de ver julgada procedente esta ADC, requer, liminarmente, a suspensão: a) do “julgamento dos processos que envolvam a aplicação da Resolução nº 7/05 do CNJ até o julgamento definitivo da presente ação, ficando impedidos de proferir qualquer nova decisão, a qualquer título, que impeça ou afaste a eficácia da Resolução em questão” e; b) “com eficácia ex tunc, dos efeitos de quaisquer decisões, proferidas a qualquer título, que tenham afastado a aplicação da Resolução nº 7/05 do CNJ”. Já no tocante ao mérito, a acionante pugna pelo reconhecimento da constitucionalidade da resolução em causa.

4. Há mais o que dizer, porque figuram na presente ação, na condição de amici curiae, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e as seguintes entidades: Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário e do Ministério Público da União no Distrito Federal – SINDJUS/DF, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA e Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União – FENAJUFE.

5. É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO (Relator)

6. De saída, não posso deixar de remarcar o entendimento pessoal que venho externando, por escrito e em conferências, a respeito, justamente, do instituto que atende pelo nome de “ação declaratória de constitucionalidade”. Instituto que, introduzido na Constituição de 1988 pela Emenda nº 3/93, suscitou em mim a séria desconfiança técnica de que estava ele a acarretar perda de substância dos princípios federativo e da separação dos Poderes. Além do quê me pareceu conspurcar o real sentido da competência que esta nossa Corte detém para guardar, “precipuamente”, a Magna Lei Federal (art. 102, cabeça).


7. Neste lanço, todavia, não me move o propósito de lançar todas as bases do meu pensar discordante da validade de tal instituto. Limito-me a comentar uma delas, tão-somente, por considerá-la a de mais desembaraçada percepção.

8. Eis o que tenho explanado: ao possibilitar apenas à União o manejo da ação declaratória de constitucionalidade de suas leis e demais atos normativos, a Emenda nº 3 privilegiou essa pessoa jurídica central da nossa Federação. Quero dizer: a Emenda Constitucional de nº 3 incidiu na vedação de quebrar o equilíbrio de forças entre a União e os Estados-membros, em matéria de controle de constitucionalidade das respectivas leis e atos normativos em geral. Isto porque, antes dessa alteração formal da Magna Carta, os dois entes federativos se submetiam a um mesmo e paritário sistema jurisdicional de controle de validade perante a Constituição Federal. Controle consistente, por um lado, numa fiscalização do tipo concentrado – a cargo do Supremo Tribunal Federal -, a se dar pelo uso da ação direta de inconstitucionalidade, e, por outro, num controle do tipo difuso – a cargo de qualquer juiz singular ou colegiado tribunalício -, no curso de uma concreta relação processual litigiosa. Entretanto, com o advento da EC 03/93 somente a União foi contemplada com a possibilidade de obter do STF a confirmação de validade das suas leis e atos normativos, fora do caso concreto, de sorte a subtraí-los do controle jurisdicional difuso. Permanecendo os Estados-membros, já agora sozinhos, privados dessa mesma chance de excluirem de apreciação judiciária a validade das suas manifestações de vontade legal e normativa em geral, seja em tese, seja em concreto. O que já significa dizer que eles, Estados, ficaram expostos a uma situação de maior vulnerabilidade perante os reclamos jurisdicionais de terceiros. É ainda falar: as duas pessoas federadas já não suportam de forma idêntica o acesso de pessoas outras ao Poder Judiciário para lhes questionar a validade dos atos e leis editados após a data de 5 de outubro de 1988, o que implica reconhecer a perpetração de um tipo de desigualdade que tenho como ofensiva daquele ponto de equilíbrio que se põe como elemento conceitual do nosso modelo federativo.

9. Não é como pensa este Supremo Tribunal Federal, porém. Seja pela questão sensível do princípio federativo, seja por qualquer outra alegação de ofensa à Magna Carta, o fato é que esta nossa Casa de Justiça não põe em dúvida a sanidade jurídica da ADC. O Tribunal é firme no seu entendimento pela validade do instituto em causa, conforme se extrai do julgamento da Questão de Ordem na ADC nº 01. Razão por que, ressalvando a minha particularizada compreensão do tema, democraticamente acedo ao pensar majoritário da Corte e afasto, aqui, toda discussão em torno da constitucionalidade do veículo processual de que lançou mão a autora.

10. Feita esta ressalva, reconheço a legitimidade ativa da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), o que faço com base no inciso IX do art. 103 da Constituição. Como também entendo preenchido o requisito da pertinência temática, à face do estreito vínculo entre as finalidades institucionais da agremiação autora deste processo e o conteúdo do ato normativo por ela defendido.

11. Na mesma linha de apreciação, tenho por satisfeito o pressuposto de que trata o inciso III do artigo 14 da Lei nº 9.868/99, dado que a petição inicial me convence quanto à indicação, que faz, da “existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória”.

12. Pontuo, todavia, que a presente ação não merece conhecimento quanto ao artigo 3° da Resolução nº 07/05, do Conselho Nacional de Justiça. É que, em 06 de dezembro de 2005, esse órgão público editou a Resolução nº 09/05, de sorte a alterar o artigo 3º da Resolução nº 07/05, dispositivo, esse, que passou a ostentar a seguinte estrutura de linguagem:

“Art. 3º É vedada a manutenção, aditamento ou prorrogação de contrato de prestação de serviços com empresa que venha a contratar empregados que sejam cônjuges, companheiros ou parentes em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, de ocupantes de cargos de direção e de assessoramento, de membros ou juízes vinculados ao respectivo Tribunal contratante, devendo tal condição constar expressamente dos editais de licitação”.

13. Esse o quadro, impõe-se-me reconhecer que o dispositivo em tela restou ab-rogado (revogação por incompatibilidade) pelo art. 1o da novel Resolução nº 09/05.


14. No tema, é pacífico o entendimento desta excelsa Corte no sentido da insubsistência do interesse de agir, sempre que a norma inquinada de inconstitucionalidade deixa de integrar o Ordenamento Jurídico. Veja-se:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de liminar.

– Já se firmou a jurisprudência desta Corte no sentido de que o interesse de agir, em ação direta de inconstitucionalidade, só existe enquanto estiver em vigor a norma jurídica impugnada, ficando, pois, a ação prejudicada na hipótese de perda de seu objeto por ter sido revogado essa norma.

– No caso, com a alteração do artigo 56 do Decreto 38.048/91, em virtude da republicação deste depois de entrado em vigor, ocorreu a revogação desse dispositivo em sua redação original que foi atacada como inconstitucional pela presente ação, que, assim, ficou prejudicada.

– Ação direta de inconstitucionalidade que se julga prejudicada, ficando em conseqüência, igualmente prejudicado o exame do pedido de liminar.”

(ADI 2.001-3 DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJU 03.09.99).

15. Nesse contexto, convenço-me de que, no ponto, a presente ação declaratória não merece conhecimento.

16. Noutro giro, tenho que a Resolução em foco intenta retirar diretamente da Constituição o seu fundamento de validade, arrogando-se, portanto, a força de diploma normativo primário. Questão que se confunde com o próprio mérito da causa e como tal é que paulatinamente me disponho a enfrentá-la. Seja como for, cuida-se de ato normativo que se reveste dos atributos da generalidade, impessoalidade e abstratividade, sujeitando-se, no ponto, ao controle objetivo de constitucionalidade.

17. Com efeito, o caráter genérico da Resolução 07/05 se patenteia nos dispositivos (dela constantes) que veiculam normas proibitivas de ações administrativas de logo padronizadas, como, verbi gratia, as que dispõem sobre: a) nomeação para “o exercício de cargo de provimento em comissão, ou de função gratificada” (incisos I, II e III do art. 2º); b) “contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” (inciso IV do mesmo art. 2º); c) “contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação (…)” (inciso V do art. 2º, ainda uma vez).

18. A impessoalidade, a seu turno, é predicado que se desata da ausência de indicação nominal ou patronímica de quem quer que seja; vale dizer, os tribunais, juízos, magistrados e servidores que se integram na estrutura administrativa do Poder Judiciário não foram normativamente referidos pelos seus particularizados nomes, porém, isto sim, apenas em tese ou de forma teórica. Os tribunais e juízos, na sua condição jurídica de unidades divisíveis de competências estatais. Os juízes e servidores, na condição de titulares de cargos que Celso Antônio Bandeira de Mello designaria por “unidades indivisíveis de competências” igualmente estatais. Sendo que a mesma interpretação é de se dar aos textos normativos reportantes a eventuais cônjuges, companheiros e parentes de membros e servidores comuns do Judiciário, por se tratar de figuras igualmente referidas com inteira desconsideração dos respectivos nomes.

19. Quanto ao requisito da abstratividade, fácil é perceber que a Resolução nº 07, do Conselho Nacional de Justiça, veio ao mundo das positividades jurídicas para enlaçar de modo permanente o descritor e o prescritor dos seus dispositivos. É como dizer: cuida-se de modelo normativo com âmbito temporal de vigência em aberto, pois claramente vocacionado para renovar de forma contínua o liame que prende suas hipóteses de incidência aos respectivos mandamentos. Modelo de conteúdo renovadamente normativo, então, a desafiar o manejo de ações instauradoras de processo do tipo objetivo, como é o caso da ADC.

20. Já no plano da autoqualificação do ato do CNJ como entidade jurídica primária, permito-me apenas lembrar, ainda nesta passagem, que o Estado-legislador é detentor de duas caracterizadas vontades normativas: uma é primária, outra é derivada. A vontade primária é assim designada por se seguir imediatamente à vontade da própria Constituição, sem outra base de validade que não seja a Constituição mesma. Por isso que imediatamente inovadora do Ordenamento Jurídico, sabido que a Constituição não é diploma normativo destinado a tal inovação, mas à própria fundação desse Ordenamento. Já a segunda tipologia de vontade estatal-normativa, vontade tão-somente secundária, ela é assim chamada pelo fato de buscar o seu fundamento de validade em norma intercalar; ou seja, vontade que adota como esteio de validade um diploma jurídico já editado, este sim, com base na Constituição. Logo, vontade que não tem aquela força de inovar o Ordenamento com imediatidade[1].


21. Pois bem, é de elementar conhecimento que o Magno Texto de 1988 fez da lei a expressão emblemática do ato normativo primário. Lei em sentido formal, na acepção de que editada por órgão ou órgãos do Poder Legislativo, entendido este como a instância republicana que mais autenticamente encarna a representação popular e favorece a realização do Estado Democrático de Direito. Por conseguinte, lei ditada por uma lógica perpassante de todo o sistema de comandos de uma Constituição que faz do republicanismo a sua primeira referência à estruturação do Brasil como, justamente, um “Estado democrático de direito” (artigo 1º, cabeça). Ainda mais, lei como termo sinônimo de Direito-lei, a compreender, então, todos os atos que se integram no “processo legislativo” (art. 59, cabeça). Lei, enfim, como fonte primaz da imposição de deveres de conteúdo positivo e/ou de conteúdo negativo, segundo a garantia fundamental de que “senão em virtude“ dela “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa (…)”. Garantia que está no inciso II do art. 5º da Constituição Federal, a se traduzir no curioso direito de não ter dever (permito-me trocadilhar)[2].

22. Acontece que as normas ditadas por essa lógica da mais abrangente irradialidade sistêmica admitem contemporização. Comportam atenuação, exatamente para ceder espaço a valores e interesses outros que, embora de menor compleição material, são relevantes o bastante para merecer um tratamento heterodoxo. Um tratamento peculiar, despadronizado, por se traduzir numa nota de relativização àquela mais abrangente racionalidade sistêmica. Fenômeno em boa medida percebido pelo olho clínico de Carlos Maximiliano, conforme se vê da seguinte passagem do clássico “Hermenêutica e aplicação do Direito”, p. 227, Editora Forense, ano de 1996:

“As disposições excepcionais são estabelecidas por motivos ou considerações particulares, contra outras normas jurídicas, ou contra o Direito comum; por isso não se estendem além dos casos e tempos que designam expressamente”.

23. Esta a razão pela qual a nossa Constituição, depois de fazer da lei o protótipo do ato normativo primário, e do Congresso Nacional o inequívoco editor dos diplomas da espécie, habilitou, não obstante, o Senado Federal a produzir sozinho atos normativos de igual hierarquia impositiva. Excluindo do processo, no ponto, a própria Câmara dos Deputados Federais, mesmo sendo ela a casa legislativa que se compõe, textualmente, “de representantes do povo” (art. 45, cabeça). É a matéria que se contém nos incisos VII, VIII e IX do art. 52, mais a prefigurada nas alíneas a e b do inciso V do § 2° do art. 155, litteris:

“Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(…)

VII – dispor sobre limites globais e condições para as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo poder público federal;

VIII – dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno;

IX – estabelecer limites globais e condições para o montante da dívida mobiliária dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

(…)”

*********************************************

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

(…)

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

(…)

V – é facultado ao Senado Federal:

a) estabelecer alíquotas mínimas nas operações internas, mediante resolução de iniciativa de um terço e aprovada pela maioria absoluta de seus membros;

b) fixar alíquotas máximas nas mesmas operações para resolver conflito específico que envolva interesse de Estados, mediante resolução de iniciativa da maioria absoluta e aprovada por dois terços de seus membros;

(…)”

24. Também com força de lei (embora lei não sendo) é que foram expressamente qualificadas as “medidas provisórias” (art. 62), a despeito de sua produção por autoridade inteiramente situada do lado de fora do Poder Legislativo. Atos especialmente destinados à produção de imediatos efeitos, como se sabe, embora passíveis de perda de eficácia “desde a edição” (“se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período (…)”.


25. Nessa mesma toada é de se explicar a competência privativa que a Magna Carta conferiu aos tribunais judiciários para “(…) elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos” (alínea a do inciso I do art. 96). Fazendo de tais regimentos – é a minha leitura – um ato normativo ambivalentemente primário e secundário: primário, no que tange à competência e ao funcionamento dos órgãos jurisdicionais e administrativos de cada qual deles (tribunais); secundário, pertinentemente ao dever de “observância das normas de processo e das garantias processuais das partes” (cf. ADI 1.098-SP, Rel. Min. Marco Aurélio; ADI 1.985, Rel. Min. Eros Grau; ADI 2.763, Rel. Min. Gilmar Mendes; entre outros).

26. Acresce que essa mesma competência para editar regimento interno foi estendida, “no que couber”, ao Tribunal de Contas da União e seus êmulos nas demais órbitas federativas, a teor das partes capitulares dos arts. 73 e 75 dela própria, Constituição Federal.

27. Ainda na matéria, retorno ao âmbito do Poder Executivo da União para lembrar a regra que se extrai da alínea a do inciso VI do artigo constitucional de nº 84, traduzida, precisamente, na autorização para o Presidente da República “dispor, mediante decreto”, sobre “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”. Norma que este STF tem como constitutiva de regulamento autônomo (tirante as sobreditas vedações), e, assim, diploma francamente equiparável a ato normativo primário (cf. ADI 2.564, Rel. Min. Ellen Gracie, entre outros).

28. Agora vem a pergunta que tenho como a de maior valia para o julgamento desta ADC: o Conselho Nacional de Justiça foi aquinhoado com essa modalidade primária de competência? Mais exatamente: foi o Conselho Nacional de Justiça contemplado com o poder de expedir normas primárias sobre as matérias que servem de recheio fático ao inciso II do § 4º do art. 103-B da Constituição?

29. Bem, para responder a essa decisiva pergunta, começo por transcrever o mencionado inciso e mais o inteiro teor do parágrafo de que ele faz parte. Ei-los:

“Art. 103-B (…)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

VI – elaborar semestralmente relatório estatístico sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da Federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário;

VII – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.


(…)”

30. Da leitura de ambos os textos, creio que o § 4º, em si mesmo considerado, deixa muito claro a extrema relevância do papel do CNJ como órgão central de controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário. Daí porque a esse Conselho cabe aferir o cumprimento dos deveres dos juízes e ainda exercer, de parelha com os poderes que lhe forem conferidos pelo Estatuto da Magistratura, aqueles de pronto arrolados pelos incisos de I a VII desse mesmo § 4º.

31. No âmbito dessas competências de logo avançadas pela Constituição é que se inscrevem, conforme visto, os poderes do inciso II, acima transcrito. Dispositivo que se compõe de mais de um núcleo normativo, quatro deles expressos e um inexpresso, que me parecem os seguintes:

I – núcleos expressos: a)“zelar pela observância do art. 37” (comando, esse, que, ao contrário do que se lê no inciso de nº I, não se atrela ao segundo por nenhum gerúndio); b)“apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário”; c) “podendo desconstituí-los,” (agora, sim, existe um gerúndio), “revê-los ou fixar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei”; d) “sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União” (isto quando se cuidar, naturalmente, da aplicação de lei em tema de fiscalização “contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial”, mais aquelas densificadoras dos princípios da “economicidade”, “eficácia e eficiência” das respectivas gestões, pelo fato de que nesses espaços jurídicos é que também se dá a atuação dos Tribunais de Contas, tudo conforme os arts. 70 e 74 da Constituição Federal);

II – o núcleo inexpresso é a outorga de competência para o Conselho dispor, primariamente, sobre cada qual dos quatro núcleos expressos, na lógica pressuposição de que a competência para zelar pela observância do art. 37 da Constituição e ainda baixar os atos de sanação de condutas eventualmente contrárias à legalidade é poder que traz consigo a dimensão da normatividade em abstrato, que já é uma forma de prevenir a irrupção de conflitos. O poder de precaver-se ou acautelar-se para minimizar a possibilidade das transgressões em concreto.

32. Dá-se que duas outras coordenadas interpretativas parecem reforçar esta compreensão das coisas. A primeira é esta: a Constituição, por efeito da Emenda 45/04, tratou de fixar o regime jurídico de três conselhos judiciários: a) o Conselho da Justiça Federal (inciso II do parágrafo único do art. 105); b) o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (inciso II do § 2º do art. 111-A); c) o Conselho Nacional de Justiça (art. 103-B). Ao cuidar dos dois primeiros Conselhos, ela, Constituição, falou expressamente que as respectivas competências – todas elas, enfatize-se – seriam exercidas “na forma da lei”. Esse inequívoco fraseado “na forma da lei” a anteceder, portanto, o rol das competências de cada qual das duas instâncias. Ora, assim não aconteceu com o tratamento normativo dispensado ao Conselho Nacional de Justiça. Aqui, a Magna Carta inventariou as competências que houve por bem deferir ao CNJ, quedando silente quanto a um tipo de atuação necessariamente precedida de lei.

33. O segundo reforço argumentativo está na interpretação panorâmica ou sistemática ou imbricada que se possa fazer dos dispositivos que se integram na compostura vernacular de todo o art. 103-B da Constituição. É que tais dispositivos são tão ciosos da importância do CNJ em ambos os planos da composição e do funcionamento; tão logicamente concatenados para fazer do Conselho um órgão de planejamento estratégico do Poder Judiciário, assim no campo orçamentário como no da celeridade, transparência, segurança, democratização e aparelhamento tecnológico da função jurisdicional do Estado; tão explicitamente assumidos como estrutura normativa de contínua densificação dos estelares princípios do art. 37 da Lei Republicana; tão claramente regrado como genuína instância do Poder Judiciário, e não como instituição estranha a esse Poder elementar do Estado, enfim, que negar a ele o poder de aplicar imediatamente essa Constituição-cidadã, tanto em concreto como em abstrato, seria concluir que a Emenda 45 homiziou o novo órgão numa fortaleza de paredes intransponíveis, porém fechada, afinal, com a mais larga porta de papelão. Metáfora de que muito se valia o gênio ético-libertário de Geraldo Ataliba para ensinar como não se deve interpretar o Direito, notadamente o de estirpe constitucional.


34. Assim é que se pode remeter os conteúdos da Resolução nº 07 para outros dispositivos constitucionais com eles rimados, como, por ilustração, o inciso de nº III do mesmo § 4º do artigo 103-B, assim legendado:

“Art. 103-B, § 4º

(…)

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

(…)”

35. O mesmo é de se dizer, acredito, quanto à sintonia de tais conteúdos com os princípios regentes de toda a atividade administrativa do Estado, de modo especial os princípios da impessoalidade, da eficiência e da igualdade (este, somente omitido pelo art. 37 da Constituição porque já proclamado na cabeça do art. 5º e no inciso III do art. 19 da nossa Lei Fundamental).

36. Em palavras diferentes, é possível concluir que o spiritus rectus da Resolução do CNJ é debulhar os próprios conteúdos lógicos dos princípios constitucionais de centrada regência de toda a atividade administrativa do Estado. Princípios como:

I – o da impessoalidade, consistente no descarte do personalismo. Na proibição do marketing pessoal ou da auto-promoção com os cargos, as funções, os empregos, os feitos, as obras, os serviços e campanhas de natureza pública. Na absoluta separação entre o público e o privado, ou entre a Administração e o administrador, segundo a republicana metáfora de que “não se pode fazer cortesia com o chapéu alheio”. Conceitos que se contrapõem à multi-secular cultura do patrimonialismo e que se vulnerabilizam, não há negar, com a prática do chamado “nepotismo”. Traduzido este no mais renitente vezo da nomeação ou da designação de parentes não-concursados para trabalhar, comissionadamente ou em função de confiança, debaixo da aba familiar dos seus próprios nomeantes. Seja ostensivamente, seja pela fórmula enrustida do “cruzamento” (situação em que uma autoridade recruta o parente de um colega para ocupar cargo ou função de confiança, em troca do mesmo favor);

II – o princípio da eficiência, a postular o recrutamento de mão-de-obra qualificada para as atividades públicas, sobretudo em termos de capacitação técnica, vocação para as atividades estatais, disposição para fazer do trabalho um fiel compromisso com a assiduidade e uma constante oportunidade de manifestação de espírito gregário, real compreensão de que servidor público é, em verdade, servidor do público. Também estes conceitos passam a experimentar bem mais difícil possibilidade de transporte para o mundo das realidades empíricas, num ambiente de projeção do doméstico na intimidade das repartições estatais, a começar pela óbvia razão de que já não se tem a necessária isenção, em regra, quando se vai avaliar a capacitação profissional de um parente ou familiar. Quando se vai cobrar assiduidade e pontualidade no comparecimento ao trabalho. Mais ainda, quando se é preciso punir exemplarmente o servidor faltoso (como castigar na devida medida um pai, a própria mãe, um filho, um(a)esposo (a) ou companheiro (a), um(a) sobrinho (a), enfim, com quem eventualmente se trabalhe em posição hierárquica superior?). E como impedir que os colegas não-parentes ou não-familiares se sintam em posição de menos obsequioso tratamento funcional? Em suma, como desconhecer que a sobrevinda de uma enfermidade mais séria, um trauma psico-físico ou um transe existencial de membros de u´a mesma família tenda a repercutir negativamente na rotina de um trabalho que é comum a todos? O que já significa a paroquial fusão do ambiente caseiro com o espaço público. Pra não dizer a confusão mesma entre tomar posse nos cargos e tomar posse dos cargos, na contra-mão do insuperável conceito de que “administrar não é atividade de quem é senhor de coisa própria, mas gestor de coisa alheia” (Rui Cirne Lima);

III – o princípio da igualdade, por último, pois o mais facilitado acesso de parentes e familiares aos cargos em comissão e funções de confiança traz consigo os exteriores sinais de uma prevalência do critério doméstico sobre os parâmetros da capacitação profissional (mesmo que não seja sempre assim). Isto sem mencionar o fato de que essa cultura da prevalente arregimentação de mão-de-obra familiar e parental costuma carrear para os núcleos familiares assim favorecidos uma super-afetação de renda, poder político e prestígio social.


37. É certo que todas essas práticas também podem resvalar, com maior facilidade, para a zona proibida da imoralidade administrativa (a moralidade administrativa, como se sabe, é outro dos explícitos princípios do art. 37 da CF). Mas entendo que esse descambar para o ilícito moral já uma conseqüência da deliberada inobservância dos três outros princípios citados. Por isso que deixo de atribuir a ele, em tema de nepotismo, a mesma importância que enxergo nos encarecidos princípios da impessoalidade, da eficiência e da igualdade.

38. À face destas premissas constitucionais, cabe perguntar: a Resolução que se faz de objeto desta ADC densifica apropriadamente os quatro citados princípios do art. 37 da Constituição? Respondo que sim. Ou, dizendo de modo inverso, não enxergo antinomia de conteúdos na comparação dos comandos que se veiculam pelos dois modelos normativos: o constitucional e o infraconstitucional. Logo, entendo que o CNJ fez adequado uso da competência que lhe outorga a Constituição Federal, após a Emenda 45/04.

39. Outra pergunta: os condicionamentos impostos pela Resolução em foco seriam atentatórios da liberdade de nomeação e exoneração dos cargos em comissão e funções de confiança (incisos II e V do art. 37)? A resposta agora é negativa, pela clara razão de que a interpretação dos mencionados incisos tem que ficar adstrita à exegese dos comandos que se veiculam pelo caput do mesmo art. 37. E já vimos que é nesse dispositivo capitular que figuram os princípios reitores de toda a Administração Pública, adequadamente pinçados e debulhados pelo ato normativo sub judice. Donde o juízo de que as restrições constantes do ato normativo do CNJ são, no rigor dos termos, as mesmas restrições já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência e da igualdade, sobretudo. Quero dizer: o que já era constitucionalmente proibido permanece com essa tipificação, porém, agora, mais expletivamente positivado. Não se tratando, então, de discriminar o Poder Judiciário perante os outros dois Poderes Orgânicos do Estado, sob a equivocada proposição de que o Poder Executivo e o Poder Legislativo estariam inteiramente libertos de peias jurídicas para prover seus cargos em comissão e funções de confiança, naquelas situações em que os respectivos ocupantes não hajam ingressado na atividade estatal por meio de concurso público.

40. Um terceiro questionamento: o modelo normativo em exame é suscetível de ofender a pureza do princípio da separação dos Poderes e até mesmo do princípio federativo? Outra resposta negativa se me impõe, primeiro, pela consideração de que o CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (já foi dito) e não está a submeter esse Poder à autoridade dos dois outros; segundo, porque ele, Poder Judiciário, tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele.

41. Explico. Ao dispor sobre o Poder Legislativo, qual foi o discurso da Constituição? O de que esse Poder orgânico se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que são órgãos exclusivamente da União. De nenhuma outra pessoa federada (art. 44). Diga-se o mesmo quanto à estrutura do Poder Executivo Federal (art. 76), englobante apenas do Presidente da República e dos Ministros de Estado. É dizer, englobante de órgãos ainda uma vez exclusivos da nossa pessoa federada central. Ora, não foi esse o tratamento dispensado ao Poder Judiciário. Aqui, a Lei Maior senta praça do seu propósito de incluir órgãos judiciários estaduais no todo judiciário do País, como se verifica dos seguintes dizeres:

“Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:

I – o Supremo Tribunal Federal;

I-A – o Conselho Nacional de Justiça;

II – o Superior Tribunal de Justiça;

III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;

IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho;

V – os Tribunais e Juízes Eleitorais;

VI – os Tribunais e Juízes Militares;

VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e


Territórios.”

(original sem destaque)

42. É certo que o art. 125 da nossa Constituição defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça. Mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios “estabelecidos” por ela, Carta Maior da República Federativa do Brasil. E o fato é que entre esses princípios constitucionais figuram todos aqueles já exaustivamente citados nesta minha análise jurídica.

43. Nesse rumo de idéias, ao fim e ao cabo (como diria o ministro Nelson Jobim), não me parece que, ao editar a Resolução nº 07/2005, o Conselho Nacional de Justiça haja invadido seara reservada, com exclusividade, nem ao Poder Legislativo Federal nem ao Poder Legislativo dos Estados. Limitou-se a exercer, reitero, as competências que lhe foram constitucionalmente reservadas. Como bem anotou, aliás, o ministro Cezar Peluso, no voto que proferiu na ADI 3.367-DF [3]:

“(…)

De modo que, sem profanar os limites constitucionais da independência do Judiciário, agiu dentro de sua competência reformadora o poder constituinte derivado, ao outorgar ao Conselho Nacional de Justiça o proeminente papel de fiscal das atividades administrativa e financeira daquele Poder. A bem da verdade, mais que encargo de controle, o Conselho recebeu aí uma alta função política ao aprimoramento do autogoverno do Judiciário, cujas estruturas burocráticas dispersas inviabilizam o esboço de uma estratégia político-institucional de âmbito nacional. São antigos os anseios da sociedade pela instituição de um órgão superior, capaz de formular diagnósticos, tecer críticas construtivas e elaborar programas que, nos limites de suas responsabilidades constitucionais, dêem respostas dinâmicas e eficazes aos múltiplos problemas comuns em que se desdobra a crise do Poder. Como bem acentuou JOSÉ EDUARDO FARIA:

‘(…) como o Judiciário tem diferentes braços especializados organizados em diferentes instâncias, é natural que cada um deles e cada uma delas sinta-se tentado a definir seu próprio programa de ação, o que, obviamente, torna de fundamental importância a criação de um órgão representativo de todos esses braços e instâncias capazes de atuar numa dimensão de política-domínio, responsabilizando-se pela uniformização dos diferentes programas ‘parcialmente contraditórios’ e parcialmente compatíveis’ sob a forma de uma estratégia global da instituição”

(…) A esse paradigma pode também reconduzir-se a instituição do Conselho, que, sob a rubrica das atribuições inerentes ao poder de controle da atuação administrativa e financeira do Judiciário (art. 103 – B, § 4º), assume o dever jurídico de diagnosticar problemas, planejar políticas e formular projetos, com vistas ao aprimoramento da organização judiciária e da prestação jurisdicional, em todos os níveis, como exigência da própria feição difusa da estrutura do Poder nas teias do pacto federativo. Como já acentuamos, somente um órgão de dimensão nacional e de competências centralizadas pode, sob tais aspectos, responder aos desafios da modernidade e às deficiências de visões e práticas fragmentárias na administração do Poder.

(…)”

44. Uma explicação adicional, todavia, me parece cabível e ela se traduz no seguinte: o que nos cabe, nesta sede de controle abstrato de normas, é tão-somente aferir a constitucionalidade da Resolução nº 07/05. Não esmiuçar cada qual das suas teóricas possibilidades de incidência, menos ainda os particularizados efeitos de sua aplicação em concreto. Empreitada, essa, a cargo do próprio CNJ e, em derradeira análise, desse Pretório Excelso.

45. Não é tudo, porque ainda nesse preliminar exame jurídico já se percebe a necessidade de realizar dois pontuais ajustes no ato normativo em causa:

I – a Resolução n° 7/05, ato normativo que tenho como de natureza primária, podia mesmo fazer do terceiro grau de parentesco um critério de inibição ao “nepotismo”. Impedida estava, no entanto, de criar um novo grau de parentesco, devido a que essa matéria é de caráter civil, reservada pela Constituição à competência do Poder Legislativo Federal. E o fato é que ela (Resolução n° 07/05) distendeu as fronteiras do parentesco para incluir os “parentes de 3° grau” na linha colateral por afinidade, ultrapassando, assim, o instituto do cunhadio. Daí a necessidade de emprestar-se interpretação conforme aos incisos do art. 2º da Resolução nº 07 do CNJ, para restringir o parentesco por afinidade, na linha colateral, “aos irmãos do cônjuge ou companheiro”;


II – A Constituição Federal vinculou os cargos em comissão e as funções de confiança às “atribuições de direção, chefia e assessoramento” (inciso V do artigo 37). Entretanto, provavelmente por erro material, a Resolução n° 07/05 deixou de mencionar o vocábulo “chefia”, do que decorre a necessidade de se emprestar à matéria “interpretação conforme” para incluir o termo “chefia” nos inciso II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em foco;

46. Nessa ampla moldura, voto pela concessão da medida liminar para, com eficácia vinculante:

a) determinar a suspensão, até o exame de mérito desta ADC, o julgamento dos processos que tenham por objeto questionar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça;

b) obstar que juízes e Tribunais venham a proferir decisões que impeçam ou afastem a aplicabilidade da mesma Resolução nº 07/2005, do CNJ;

c) suspender, com eficácia ex tunc, os efeitos daquelas decisões que, já proferidas, determinaram o afastamento da sobredita aplicação.

47. É como voto.


[1] Nunca é demais lembrar que a vontade de que promana a Constituição originária não é uma vontade nem primária nem derivada. É uma vontade virginalmente fundante ou inaugural do Ordenamento Jurídico de um povo soberano, situada, por isso mesmo, em plano cognoscitivo que já recai sobre o mundo do ser ou das ocorrências puramente fáticas.

[2] Há toda uma justificativa ético-política para esse prestígio constitucional do Poder Legislativo. É que ele é o único a ter os seus membros totalmente eleitos pelo voto popular. O Executivo, como se sabe, tem uma parte de si (a constituída pelos Ministros de Estado) que não passa pela pia batismal do voto. Além do mais, enquanto o Chefe do Poder Executivo encarna a ideologia apenas do partido ou da coligação partidária que o elegeu, o Parlamento consubstancia todas as ideologias possíveis. Ele é a mais completa expressão do pluralismo político, esse valor fundante da própria República Federativa do Brasil, tal como posto pelo inciso V do art. 1º da Constituição-cidadã (Ulisses Guimarães). Por último, é de se considerar que todo mundo já sabe onde, quando e como o Poder Legislativo decide. O que não acontece com as decisões do Poder Executivo (BRITTO, Carlos Ayres, in Perfil Constitucional da Licitação, ed. Zênite, pg. 83).

[3] Ação Direta de Inconstitucionalidade que questionou a validade da Emenda Constitucional 45/2004 – Reforma do Poder Judiciário.

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