Direitos trabalhistas

Se empresa não paga FGTS, empregado se demite com direitos

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16 de fevereiro de 2006, 13h11

Se empresa atrasa o recolhimento do FGTS — Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o empregado pode se demitir e receber todos os direitos trabalhistas. O entendimento é da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

Os juízes decretaram a rescisão indireta do contrato de trabalho da uma empregada da LBV — Legião da Boa Vontade. Com isso, a entidade terá de pagar o saldo de salário, férias mais um terço vencidas e proporcionais, 13º salário integral e proporcional, aviso prévio indenizado, FGTS mais 40%, entre outras verbas.

A trabalhadora entrou com processo na 73ª Vara do Trabalho de São Paulo pedindo que fosse decretada a rescisão indireta de seu contrato de trabalho. Ela apontou como razão o descumprimento de obrigações contratuais por parte da LBV, como atraso no pagamento de salários, o não recolhimento do FGTS e a “pressão exercida para que solicitasse demissão”, aplicando-lhe “advertências sem motivo”.

Para se defender, a LBV reconheceu enfrentar dificuldades financeiras, mas apontou que “age com ‘transparência’, pois informa o empregado, já na entrevista para a contratação, que está com problemas, razão do atraso de salários”, e que os funcionários “concordam em laborar dessa forma”.

A entidade também apresentou duas advertências, por ausências injustificadas, feitas à trabalhadora por escrito. A primeira instância acolheu os argumentos da LBV. Inconformada, a trabalhadora recorreu ao TRT paulista.

A juíza Sônia Aparecida Gindro, relatora do Recurso Ordinário no tribunal, esclareceu que a LBV “não tem recolhido o FGTS de seus empregados, tanto que firmou com a Caixa Econômica Federal um ‘Termo de confissão de Dívida e Compromisso de Pagamento para com o FGTS’, identificando-se como devedora de nada menos que R$ 11.015.545,12 para ser amortizado em 140 parcelas mensais”.

Segundo a relatora, “o que prevalece nestes autos à luz do que apresentou a ré, é o efetivo descumprimento de obrigação contratual, uma delas que nem foi questionada na inicial, ou seja, a mora na quitação dos salários mensais, e outra que disse respeito ao não recolhimento do FGTS devido junto à conta vinculada”.

Para a juíza, o descumprimento foi grave, “em face das conseqüências que produz”, ainda que o trabalhador na vigência do contrato de trabalho não possa movimentar a conta vinculada, “na medida em que o alija da garantia do tempo de serviço”.

Leia a íntegra da decisão

10a. TURMA PROCESSO TRT/SP NO: 00006200507302009

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: VIVIANE FORNACIARI LOPES FERNANDES

RECORRIDO: LEGIÃO DA BOA VONTADE

ORIGEM: 73a VT DE SÃO PAULO

Rescisão indireta. Falta de recolhimento de FGTS. Falta grave patronal. Configura-se justa causa do empregador para a rescisão indireta do contrato de trabalho a falta de recolhimento do FGTS à conta vinculada do trabalhador, descumprimento de obrigação contratual (art. 483, “d”, da CLT) que, mesmo diante da impossibilidade de o empregado movimentar livremente a conta vinculada na constância do contrato de trabalho, causa-lhe prejuízos, na medida em que lhe retira a garantia do tempo de serviço. A própria Lei 8.036/90 (art. 17) prevê a obrigação patronal de repassar as informações sobre os saldos da conta vinculada enviadas pela Caixa Econômica Federal, a fim de que o obreiro saiba que a garantia de seu tempo de serviço é efetiva, proteção não só quando da rescisão contratual, mas também para viabilizar a compra de imóvel, amortização de financiamentos imobiliários, tratamentos de moléstias graves tanto do trabalhador, quanto dos dependentes, etc..

PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO

Relatório dispensado (art. 895, §1º, da CLT).

V O T O

I ¾ Admissibilidade

Pressupostos legais presentes. Conheço.

II ¾ Mérito

1. Rescisão indireta: Pretendeu a reclamante em sua peça inicial ver decretada a rescisão indireta do contrato de trabalho, apontando como fator desencadeante dessa medida o descumprimento de obrigações contratuais por parte da reclamada, como o não recolhimento do FGTS à conta vinculada e a pressão exercida sobre a autora para que solicitasse demissão, aplicando-lhe advertências sem motivo. A reclamada (fls. 44/8), que reconheceu enfrentar dificuldades financeiras, apontou que age com “transparência”, pois cientifica o trabalhador, já na entrevista para a contratação, que está com problemas, razão do atraso de salários, concordando os obreiros em “laborar dessa forma” e que os atrasos não foram superiores a três meses, como exige o §1º, do art. 1º, do DL 368/68 para que a mora seja considerada contumaz, estando caracterizada a intenção da autora em rescindir seu contrato, ou seja, pedir demissão, tendo na empresa solicitado várias vezes para ser mandada embora. Por fim assinalou que as advertências sofridas pela autora foram efetivas, contando com motivo justificador.

Pois bem, há prova documental no sentido de haver sido a autora advertida em 08.09.2004 (fls. 125) e em 04.01.2005 (fls. 126), por faltas injustificadas nos dias 06.09.2004, 30.12.2004 e 03.01.2005, os quais não foram assinalados, conforme espelhos de ponto juntados (fls. 173 e 169), revelando, à falta absoluta de outras provas, que as faltas ocorreram, que não foram justificadas de nenhuma forma e por isso punidas.

No que tange ao FGTS, também, além da confirmação em defesa acerca das dificuldades financeiras que atravessa a empresa e que a vem obrigando a descumprir, diga-se, a mais elementar as obrigações contratuais que assume dentro do pacto laboral que é a de pagar salários em dia, ou seja, entregar a contraprestação diante dos serviços que exige, há documentos comprobatórios de que não tem recolhido o FGTS de seus empregados, tanto que firmou com a Caixa Econômica Federal (fls. 84/seguintes) um “Termo de confissão de Dívida e Compromisso de Pagamento para com o FGTS”, identificando-se como devedora de nada menos que R$ 11.015.545,12 para ser amortizado em 140 parcelas mensais, acordo esse firmado em 25.08.2003, notadamente relativo ao FGTS que já se encontrava atrasado em referida data e que não envolveu o contrato da autora, admitida tão-somente em 24.03.2004.

Destarte, o que prevalece nestes autos à luz do que apresentou a ré, é o efetivo descumprimento de obrigação contratual, uma delas que nem foi questionada na inicial, ou seja, a mora na quitação dos salários mensais, e outra que disse respeito ao não recolhimento do FGTS devido junto à conta vinculada, nada tendo a esse respeito negociado com a Caixa Econômica Federal.

E a falta de depósitos do FGTS se apresenta como fator que viabiliza a rescisão indireta do contrato de trabalho, ainda que o empregado na constância do pacto não tenha acesso ao quanto deposite o empregador, na medida em que somente pode movimentar aquela conta vinculada em casos específicos previstos em lei, na maioria das vezes a partir da despedida sem justa causa, mas também em outros casos como compra de imóvel, moléstia grave que acometa o trabalhador ou seus dependentes, quando ocorra o falecimento, quando o laborista permaneça por mais de três anos fora do sistema do FGTS, etc.. (vide art. 20, da Lei 8.036/90) de molde a dar garantia proporcional ao tempo de serviço ao obreiro, este que permanece numa situação, ainda que não confortável, de maior tranqüilidade, por saber que tem o FGTS depositado para utilizar quando dele necessite, por este ou por aquele motivo. E o contrário é verdadeiro, ou seja, permanece o trabalhador em situação de absoluta desproteção, quando o empregador não lhe outorga referida garantia, fazendo, inclusive, questão de cientificá-lo a respeito do descumprimento da obrigação como ocorrido neste caso particular. Tanto é assim que a própria Lei 8.036/90 em seu art. 17, impôs aos empregadores a obrigação de comunicar mensalmente aos trabalhadores os valores recolhidos ao FGTS e repassar-lhes todas as informações sobre suas contas vinculadas recebidas da Caixa Econômica Federal ou dos bancos depositários, de molde a permitir conhecimento sobre a garantia que possuem.

O descumprimento, efetivamente, foi grave, assim se revestindo em face das conseqüências que produz, ainda que o trabalhador na constância do pacto laboral não possa, ao seu talante, movimentar a conta vinculada, na medida em que o alija da garantia do tempo de serviço.

Destarte, reputo configurada a justa causa patronal em face da ausência de recolhimentos de FGTS, tal que ocorreu relativamente ao contrato da reclamante em todos os meses, tendo o empregador fornecido recibos salariais indicativos de importes que deveriam ter ido a crédito da conta vinculada, mas que efetivamente foram dela sonegados, tendo a autora laborado sem qualquer garantia de seu tempo de serviço. Essa obrigação é elementar, prevista constitucionalmente, atuando como garantia mínima que restou ao trabalhador a partir da modificação legislativa que acabou por extinguir a estabilidade, apontando (art. 7º, III, da CF) como única remanescente o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.

Decreto, pois, a rescisão indireta do contrato de trabalho da autora na data do trânsito em julgado da presente, haja vista a ausência de informação relativa ao seu afastamento do trabalho até esta data, considerando o teor do art. 483 da CLT, mormente quanto às suas alíneas “d” e §3º. Defiro, como postulado, o saldo de salários que houver na data rescisão, férias mais um terço, vencidas e/ou proporcionais e 13º salários que já estiverem adquiridos pela obreira na mesma data, assim como o aviso prévio indenizado que deverá se projetar sobre o tempo de serviço para todos os efeitos legais, mormente para efeito de baixa em CTPS, assim como para gerar mais 01/12 de férias mais um terço e mais 01/12 de 13º salário, impondo-se à ré a liberação, em oito dias, de guias TRCT-01 para o saque do devido FGTS mais 40%, que já deverá se encontrar completamente regularizado, pena de execução direta pelo equivalente em pecúnia e guias CD “Comunicação de Desemprego” para a obtenção de seguro-desemprego, sob pena de pagar a indenização equivalente ao benefício. A baixa em CTPS deverá ser providenciada em oito dias do trânsito em julgado da presente, pena de realiza-la a D. Secretaria da Vara de Origem, comunicando o fato à DRT/SP para que tome as medidas punitivas previstas no art. 39, §1º, da CLT.

2. Justiça gratuita: Efetivamente não tem a parte ora recorrente interesse recursal quanto ao tema, em face do conteúdo da r. sentença, a qual, em face da declaração de fls. 09, concedeu as benesses da justiça gratuita à ora recorrente (fls. 184).

Posto isso, conhecendo do recurso, dou-lhe provimento para julgar a ação PROCEDENTE EM PARTE, decretando a rescisão indireta do contrato de trabalho da reclamante em face de falta grave patronal capitulada no art. 483, “d”, da CLT, deferindo (1º) saldo de salário, férias mais um terço vencidas e /ou proporcionais, 13º salário integral e/ou proporcional que houver na data em que a rescisão indireta se efetivar, ou seja, na data do trânsito em julgado da presente, vez que a autora exerceu a opção de permanecer em serviço; (2º) aviso prévio indenizado a ser computado ao tempo de serviço para gerar mais 01/12 de férias mais um terço e mais 01/12 de 13º salário; (3º) FGTS mais 40%, devendo a reclamada regularizar a conta vinculada e entregar guias TRCT-01 para o saque, no prazo de oito dias, pena de execução direta pelo equivalente em pecúnia e guias CD “Comunicação de Desemprego” para a obtenção de seguro-desemprego, pena de indenização pelo valor equivalente ao benefício; (4º) baixa em CTPS, com a projeção do aviso prévio indenizado, em oito dias, pena de a Secretaria da D. Vara anotar, comunicando o fato à DRT/SP para a aplicação de punições conforme art. 39, §1º, da CLT. No mais, mantida a r. sentença de Origem. Custas pela reclamada fixadas em R$ 200,00, apuradas sobre o valor de R$ 10.000,00, ora arbitrado à condenação.

Sônia Aparecida Gindro

Juíza Relatora

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