Dias contados

Fim da progressão para hediondos está com os dias contados

Autor

  • Renato Marcão

    é membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal Político e Econômico professor de Direito Penal Processo e Execução Penal (Graduação e Pós). É também autor dos livros: Lei de Execução Penal Anotada (Saraiva 2001); Tóxicos – Leis 6.368/1976 e 10.409/2002 anotadas e interpretadas (Saraiva 2004) e Curso de Execução Penal (Saraiva 2004).

15 de fevereiro de 2006, 14h38

A inversão do posicionamento da Corte Suprema a respeito do tema sob comento está bem delineada. A possibilidade de progressão de regime prisional, mesmo em se tratando de crimes hediondos e assemelhados, é uma realidade nos dias atuais. O regime integralmente fechado por força do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90 está com seus dias contados. Aguarda-se o julgamento a ser proferido no Pleno do Supremo Tribunal Federal.

Desde que entrou em vigor a Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, denominada Lei dos Crimes Hediondos, doutrina e jurisprudência, sempre com fortes argumentos, passaram a debater a constitucionalidade ou não da vedação quanto à possibilidade de progressão de regime prisional em se tratando de crimes hediondos e assemelhados, conforme decorre da regra fixada no artigo 2º, parágrafo 1º da referida lei, que assim dispõe: “a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”.

Sempre foi majoritário o entendimento no sentido da constitucionalidade da regra que impõe o regime integralmente fechado.

Mesmo assim, são muitas as decisões no sentido da inconstitucionalidade da vedação à progressão de regime, sob o argumento de que a quebra do sistema progressivo de cumprimento de pena viola princípios constitucionais, dentre os quais, destacadamente, os princípios da humanidade e da individualização das penas.

A respeito de tais argumentos, confira-se:

“O regime integral fechado colide com o princípio constitucional da individualização da pena, referido no artigo 5º , XLVI, da Carta Magna” (TJ-SP, ACrim. 167.338-3/2, 3ª CCrim., rel. Des. Silva Leme, j. 20-3-1995, m.v.).

“Malgrado o disposto no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072/90, adota-se a orientação jurisprudencial, que autoriza a progressão, uma vez preenchidos os requisitos legais, tendo em vista os princípios da humanidade e da individualização da pena” (TJ-SP, Ap. 151.568-3/0, 3ª Câm., rel. Des. Silva Russo, j. 4-12-1995, RT 728/520).

“É imprópria a imposição de regime integralmente fechado, ante o sistema progressivo dos regimes de cumprimento de pena, constante do Código Penal e da Lei de Execução Penal, recepcionados pela Constituição Federal” (TJ-MG, Ap. 1.0000.00.353162-1/000(1), 3a Câm., rela. Desa. Jane Silva, j. 7-10-2003, DOMG, 30-10-2003, RT 822/658).

No mesmo sentido: TJ-MG, EI 328.922-0/001, 3ª CCrim., rel. Des. Erony da Silva, DJMG, 19-5-2004, Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal, n. 27, p. 99.

Em sentido contrário, e em maior número, encontramos decisões que apontam para a constitucionalidade da vedação. A respeito, confira-se:

“Os condenados pela prática de crime hediondo deverão cumprir integralmente a pena em regime fechado” (STJ, RHC 5.345-RN (reg. n. 96/11497-8), DJU, 27 maio 1996, p. 17881).

“A pena de reclusão, em se tratando de crime listado na Lei dos Crimes Hediondos, deve ser executada em regime fechado” (STJ, REsp 195.440-SP, 5ª T., rel. Min. Edson Vidigal, DJU, 7 jun. 1999, n. 106, p. 123).

“O artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072/90, ao estabelecer que o regime para cumprimento da pena para os crimes hediondos é o integralmente fechado, não pode ser considerado inconstitucional, pois não há ofensa ao princípio da individualização da pena diante da impossibilidade de ser progressivo o regime prisional, uma vez que a retirada da perspectiva de progressão, em face da caracterização legal da hediondez, não impede que o juiz possa dar trato individual à fixação da reprimenda, inclusive no que se refere à sua intensidade” (TJ-SP, Ap. 266.216-3/8-00, 6ª Câm, rel. Des. Debatin Cardoso, j. 18-2-1999, v.u., RT 764/555).

No mesmo sentido: STJ, RHC 5.345-RN (reg. n. 96/11497-8), DJU, 27 maio 1996, p. 17881; TJRS, Ag. 699.237.392, 3ª Câm, rel. Des. Saulo Brum Leal, j. 24-6-1999, v.u., RT 770/666.

A visão do Supremo Tribunal Federal

No Supremo Tribunal Federal prevaleceu, até pouco tempo de forma pacífica, o entendimento no sentido de que é constitucional a vedação à forma progressiva de cumprimento de pena, conforme decorre do disposto no artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072/90.

São incontáveis as decisões da Suprema Corte em que se afirmou: “O Supremo Tribunal Federal continua entendendo pela constitucionalidade do cumprimento integral da pena em regime fechado, no caso dos crimes hediondos” (STF, HC 77.023/5-SP, 2ª T., rel. Min. Maurício Corrêa, j. 12-5-1998, m.v., DJU, 14 ago. 1998, p. 6).

No mesmo sentido: STF, HC 69.657-SP, rel. Min. F. Rezek, RTJ 147/598; HC 69.603-SP, rel. Min. P. Brossard, RTJ 146/611; STF, HC 69.377-MG, rel. Min. C. Velloso, DJ, 16 abr. 1993; HC 75.634/4-SP, 2ª T., j. 4-11-1997, rel. Min. Carlos Velloso; STF, HC 77.562-3-MS, 2ª T., rel., Min. Maurício Corrêa, j. 9-2-1999, DJU, 9-4-1999, RT 766/535.

A situação atual, entretanto, é diametralmente oposta.

Em razão do julgamento do Habeas Corpus 82.959-7/SP, de que é relator o ministro Marco Aurélio, a matéria está sendo debatida com profundidade no Pleno do Supremo Tribunal Federal e ainda aguarda definição, muito embora exista expectativa fundada no sentido de que, por maioria de votos, se considerará inconstitucional a vedação à forma progressiva de cumprimento de pena, mesmo em se tratando de crimes hediondos e assemelhados.

No referido julgamento, os ministros Marco Aurélio, relator, Carlos Britto e Cezar Peluso deferiram a ordem para cassar o acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça e assentar o direito do paciente à progressão no regime de cumprimento da pena. Os senhores ministros Carlos Velloso e Joaquim Barbosa votaram contrariamente à ordem pleiteada.

O voto do ministro Gilmar Mendes é no sentido de declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º, com eficácia ex nunc, e retrata o entendimento que deverá prevalecer ao final do julgamento, que está paralisado em razão de pedido de vista dos autos, feito pela ministra Ellen Gracie em 2 de dezembro de 2004 (renovado em 24 de fevereiro de 2005).

Seguindo a linha de pensamento que agora tem maioria na Augusta Corte, no dia 14 de fevereiro de 2006, resolvendo questão de ordem, no julgamento dos Habeas Corpus 87.452 (MG) e 87.623 (SP), a egrégia 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal deferiu liminar, por votação unânime, nos termos do voto do relator, para permitir progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados.

Conclusão

A inversão do posicionamento da Corte Suprema a respeito do tema sob comento está bem delineada. A possibilidade de progressão de regime prisional, mesmo em se tratando de crimes hediondos e assemelhados, é uma realidade nos dias atuais. O regime integralmente fechado por força do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90 está com seus dias contados. Aguarda-se o julgamento a ser proferido no Pleno do Supremo Tribunal Federal.

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    é membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito Penal, Político e Econômico, professor de Direito Penal, Processo e Execução Penal (Graduação e Pós). É também autor dos livros: Lei de Execução Penal Anotada (Saraiva, 2001); Tóxicos – Leis 6.368/1976 e 10.409/2002 anotadas e interpretadas (Saraiva, 2004), e, Curso de Execução Penal (Saraiva, 2004).

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