Calamidade pública

Rio deve contratar agentes temporários para combater dengue

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14 de fevereiro de 2006, 15h25

O município do Rio de Janeiro está obrigado a contratar, em caráter de urgência, agentes de saúde para combater a proliferação do mosquito da dengue, já que o município está diante de uma situação de calamidade pública. A decisão é da juíza federal Regina Coeli Peixoto da 18ª Vara Federal do Rio de Janeiro que aceitou pedido de tutela antecipada do Ministério Público Federal e do Ministério Público do Rio de Janeiro contra o município, na segunda-feira (13/2).

Para a juíza, está provado, de acordo com os documentos juntados pelo MP, que houve uma falha do município no combate ao mosquito transmissor da dengue e na prevenção da doença. Por causa dessa situação, o Rio de Janeiro está prestes a viver um surto da doença, que pode vir a se tornar uma epidemia, na opinião da juíza.

“De acordo com estimativas do IBGE, o Rio de Janeiro deveria contar com 2.748 agentes para as ações de controle da dengue e, no entanto, segundo informação da Secretaria Municipal de Saúde conta com 2.216 agentes para todos os programas de epidemiologia (malária, leishmanioses, esquistossomose, febre amarela, tracoma, doença de chagas, filariose, bócio, etc)”, o que demonstra, na opinião da juíza, a necessidade de medidas urgentes e de contratação de pessoal.

O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Rio de Janeiro ajuizaram ação contra o município pedindo para que sejam cumpridas as políticas públicas de controle da dengue. Pediram a contratação imediata de agentes de fiscalização para combater a proliferação do mosquito e também a abertura de concurso público para garantir a força de trabalho adequada para ações de vigilância.

O MP alegou que não estão sendo feitas as ações para o controle da dengue pelo município, estado e União, o que coloca em risco a saúde da população carioca. Segundo o Ministério Público, o índice geral de infestação pelo mosquito Aedes Aegypti no Rio de Janeiro é 7,2, sendo que o Ministério da Saúde considera o índice de 1,0 como alerta e acima de 3,9 como havendo risco de surto. O MP também ressaltou que há bairros com índice de até 23,40, o que evidencia o risco de epidemia.

A própria Secretaria de Vigilância em Saúde teria informado ao Ministério Público que não há plano de contingência nem ações educativas no combate à dengue no Rio. O município não se manifestou na ação.

Para a juíza, o Estado deve garantir a saúde aos cidadãos de acordo com o artigo 196 da Constituição Federal, por isso, a responsabilidade pelo combate à dengue está caracterizada. Ordenou a contratação temporária de pessoal que por estar diante de uma situação de emergência não fará concurso publico. Mas a contratação só deve permanecer enquanto existir o risco de surto,na decisão da juíza, para que depois seja aberto um concurso público para os cargos de agentes de controle de endemia, em número compatível com a população fluminense, o que será avaliado na análise de mérito.

“Cumpre registrar que se a situação perdurar corremos o risco de comprometer a imagem da cidade e do próprio país, em nível internacional, tendo em vista a realização dos jogos panamericanos em local próximo a uma das áreas de grande incidência de infestação,”ressaltou a juíza.

Leia a íntegra da sentença:

PODER JUDICIÁRIO – SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

01.18ª VARA FEDERAL – RIO DE JANEIRO

PROCESSO: 2006.5101001558-9

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

RÉU: MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO e UNIÃO FEDERAL

DECISÃO

Vistos, etc.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO ajuizaram a presente Ação Civil Pública em face do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO e UNIÃO FEDERAL objetivando garantir o direito à saúde da população mediante a adequada execução de políticas públicas de controle da dengue. Em sede de antecipação dos efeitos da tutela buscam a concessão de ordem determinando que os réus procedam à contratação emergencial de agentes de endemia para garantir a execução das ações de vigilância epidemiológica e controle do vetor.

Pugnam, também, pela realização de concursos públicos para garantir a força de trabalho necessária à adequada execução das ações de vigilância epidemiológica e controle do vetor, provimento dos recursos materiais para referido controle, organização da assistência, efetiva supervisão, fiscalização e controle das ações de vigilância epidemiológica e controle do vetor e da assistência aos pacientes, intensificação das ações de educação, comunicação e mobilização social para controle do vetor, sintomas e riscos da doença, além da necessária publicidade das ações realizadas pelos gestores de modo que a população obtenha informações sobre o controle do mosquito, sintomas e riscos da dengue, além da assistência médica.

Sustentam, em apertada síntese que a inexecução das ações previstas para o controle da dengue pelo Município, Estado e União pôs em risco o direito à saúde da população carioca, destacando que o índice geral de infestação predial por Aedes Aegypti – LirAa no município do Rio de Janeiro é 7,2, sendo que o Ministério da Saúde considera o índice de 1,0 como alerta e acima de 3,9 como havendo risco de surto, ressaltando que há bairros com índice de até 23,40, o que evidencia o risco de epidemia.

Apontam, ainda, que a Secretaria de Vigilância em Saúde informou que no Município do Rio de Janeiro não há plano de contingência nem ações educativas, além de diversas falhas no combate à dengue, entre as quais a inadequação dos quantitativos de agentes necessários às ações de controle vetorial, a necessidade de aquisição de insumos necessários, e a existência de veículos desviados.

Ressaltam que os altos índices de infestação predial revelam além da falta de controle do mosquito, a omissão na supervisão das ações de controle do vetor, o que demonstra a necessidade de medidas urgentes para o efetivo controle da dengue no município do Rio de Janeiro.

De outra parte, afirmam a inexistência de dúvidas no que tange a responsabilidade das rés, em razão do descumprimento do PNCD – Programa Nacional de Controle da Dengue.

Foi determinada, à fl. 471, a vinda das informações dos representantes judiciais dos réus, na forma do art. 2º, da Lei 8.437/92, para após apreciar o pedido liminar.

Manifestação do Estado do Rio de Janeiro e União Federal, às fls. 487/492, 502/516 e 494/498, respectivamente, refutando os argumentos autorais e pugnando pelo indeferimento da liminar.

O Município do Rio de Janeiro não se manifestou, conforme certificado à fl. 517.

É o breve relatório.

Passo a decidir.

Tenho que merece guarida o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, uma vez que os pressupostos para a concessão da medida encontram-se devidamente configurados, conforme passo a demonstrar.

É de comum sabença que a Carta Constitucional assegura a proteção à vida humana em sua acepção mais ampla, restando, de conseguinte, também garantido o direito à saúde, sendo certo que cabe ao Estado promover e garantir o sistema de saúde pátrio em sua totalidade, conforme se depreende do artigo 196 que dispõe in verbis:

“Art.196 – A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Inicialmente destaco que estamos diante de um caso de calamidade pública posto que, diante dos índices alarmantes de infestação noticiados diariamente na grande imprensa, um surto de dengue está na iminência de ocorrer, podendo a situação se agravar culminando com uma epidemia, restando, desse modo necessária a adoção de medidas urgentes.

De outra banda, é de se reconhecer que resta cabalmente comprovada, conforme documentos acostados aos autos, a falha no controle do vetor pelo Município do Rio de Janeiro, cabendo destacar, como bem ressaltaram o Parquet Federal e Estadual em sua petição inicial, que “de acordo com estimativas do IBGE, o município do Rio de Janeiro deveria contar com 2748 agentes para as ações de controle da dengue e, no entanto, segundo informação da Secretaria Municipal de Saúde (doc. 10), conta com 2216 agentes, para todos os programas de epidemiologia (malária, leishmanioses, esquistossomose, febre amarela, tracoma, doença de chagas, filariose, bócio, etc)”, (grifos no original), o que demonstra, indubitavelmente, a necessidade de contratação imediata de pessoal para o efetivo combate ao mosquito transmissor da dengue.

Deste modo, tenho que presentes os requisitos que autorizam a contratação temporária de pessoal, sem a realização de concurso público, haja vista estarmos na iminência de um surto de dengue, conforme anteriormente afirmado, configurando, pois, a excepcionalidade do interesse público, que justifica aludida contratação.

Ressalto, por oportuno, que a contratação deve perdurar tão somente enquanto existir o risco de surto, posto que, posteriormente, deve ser realizado concurso público para provimento dos cargos de agentes de controle de endemia, em número compatível com a população fluminense, na forma preconizada na Constituição Federal, pedido este que também foi formulado na presente demanda, para apreciação quando da análise de mérito.

Outrossim, considerando que cabe a União e ao Estado a adoção, de forma complementar, de ações de controle do vetor, além da obrigação dos referidos entes em prover insumos para o controle do mosquito transmissor e diagnóstico da doença, dentre os quais o “Kit” diagnóstico e o EPI (equipamentos de proteção individual), estes devem proceder ao imediato cumprimento das normas constantes PNCD – Programa Nacional de Controle da Dengue.

Por fim, cumpre registrar que se a situação perdurar corremos o risco de comprometer a imagem da cidade e do próprio país, em nível internacional, tendo em vista a realização dos jogos panamericanos em local próximo a uma das áreas de grande incidência de infestação.

Isto posto, em caráter de emergência, ante as informações diárias veiculadas na imprensa nacional e as provas dos autos, sem deixar de ressaltar os pressupostos legais e processuais desta medida, defiro o pedido inicial para determinar que o Município do Rio de Janeiro proceda à imediata contratação excepcional e temporária dos agentes de endemia, bem como aos Réu, de acordo com suas respectivas competências para as ações de vigilância epidemiológica (descritas na Portaria do Ministério da Saúde MS/GM nº 1172/2004 e no PNCD – Programa Nacional de Controle da Dengue), que cumpram as ações exaustivamente descritas no item ‘1’ do pedido constante às fls. 36/39, dentro dos prazos ali mencionados, nos termos do requerido na exordial.

Intimem-se e citem-se os Réus para ciência e cumprimento da presente decisão.

P.I.

Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 2006.

REGINA COELI M. C. PEIXOTO

Juíza Federal Titular da 18ª Vara

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