Motivo torpe

MP denuncia policiais acusados de chacina em Caraguatatuba

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14 de fevereiro de 2006, 17h37

O Ministério Público de São Paulo ofereceu denúncia contra um grupo de policiais de Campinas, cidade do interior de São Paulo. Eles são acusados de matar quatro pessoas que supostamente faziam parte de uma quadrilha especializada em seqüestro. O MP sustenta que duas vítimas e dois policias acusados tinham ligações com a quadrilha que supostamente assassinou o ex-prefeito de Campinas, Toninho do PT.

De acordo com a inicial, no dia 2 de outubro de 2001, os policiais invadiram o condomínio Maré Mansa II, em Caraguatatuba (SP) e mataram quatro rapazes que dormiam numa casa. Só dois deles tinham antecedentes criminais.

Segundo a denúncia, Anderson Bastos e Valmir Conti, tinham envolvimento com a quadrilha do criminoso Vanderson Nilton de Paula Lima, vulgo “Andinho” acusado de liderar a quadrilha que teria assassinado o prefeito de Campinas Antônio da Costa Santos, conhecido como Toninho do PT. Dois dos policiais participantes da chacina, Rogério Diniz e Eudes Trevisan, também são acusados de participar da quadrilha que executou o prefeito.

Foram denunciados Marcos Antonio Manfrin, Alcir Biazon Junior, Nelson da Costa, Fábio Nunes de Arruda Campos, Sandro José da Costa, Rogério Luis Salum Diniz e Eudes Trevisan. Eles responderão a processo por homicídio.

Leia a íntegra da denúncia

Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado

Rua Minas Gerais, 316 – 5º andar – CEP: 01244-010 – Higienópolis – São Paulo/SP

Tel: 11 3017-7784/86 – Fax:11 3017-7787 – [email protected]

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da Comarca de Caraguatatuba, Estado de São Paulo

Autos de Inquérito Policial nº 542/01

Consta dos inclusos autos de inquérito policial que em 02 de outubro de 2001, durante a madrugada, por volta de 04:30 horas, na rua Paulo Ferreira da Silva Porto nº 811, Casa 10, Bairro Prainha, nesta Cidade e Comarca, MARCOS ANTONIO MANFRIN (delegado de polícia, qualificado fls. 02, 112/114 e 797), ALCIR BIAZON JUNIOR (agente policial, qualif. fls. 03, 117 e 766), NELSON DA COSTA (investigador de polícia, qualif. fls. 04, 115/116 e 892), FABIO NUNES DE ARRUDA CAMPOS (carcereiro, qualif. fls. 04, e 118/119), SANDRO JOSÉ DA COSTA (carcereiro, qualif. fls. 120/121 e 771) e ROGÉRIO LUIS SALUM DINIZ (investigador de polícia qualif. fls. 787), todos policiais civis lotados na cidade de Campinas, Estado de São Paulo, agindo em concurso, previamente ajustados e com unidade de propósitos, cercaram o local dos fatos e efetuaram disparos de arma de fogo, contra as vítimas Alessandro Renato Pereira de Carvalho, Fabio Soares Menengroni, Anderson José Bastos e Valmir Conte, provocando-lhes, em conseqüência, as lesões corporais descritas nos laudos de exame de corpo de delito de fls. 425 até 432 (2º volume) e os juntados no 6º volume, após exumação dos corpos, as quais ocasionaram-lhes a morte. Após isso, os denunciados inovaram artificiosamente o estado do lugar do crime, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito que viessem a atuar na apuração do caso.

Consta, ainda, que EUDES TREVISAN (investigador de polícia, qualificado nas cópias do processo-crime nº 2462/01 da 3ª Vara Criminal de Campinas, juntadas no anexo I), concorreu de qualquer forma para os fatos Autos de Inquérito Policial nº 542/01 criminosos acima descritos, dando apoio material, realizando análise dos telefones das vítimas e de outras pessoas, localizando-os e informando aos outros co-réus, como medida de apoio eficaz para a consumação dos delitos, aderindo à ação criminosa e as formas de assegurar a impunidade da referida.

Segundo apurado, os policiais civis estavam lotados no 4º Distrito Policial de Campinas e, na data dos fatos, sob a alegação de estar investigando uma quadrilha de seqüestradores que agia em Campinas (seqüestros ocorridos entre agosto e setembro de 2001), foram até Caraguatatuba no condomínio mencionado onde adentraram nas dependências do referido, cercando a casa de número 10, arrombando a porta e adentrando ao quarto onde efetuaram disparos nas vítimas que ali se encontravam, não havendo qualquer pessoa seqüestrada no local.

Apurou-se que duas das vítimas, Anderson José Bastos (vulgo de “Anzo”) e Valmir Conti (vulgo de “Valmirzinho), tinham envolvimento com a quadrilha do criminoso Vanderson Nilton de Paula Lima, vulgo “Andinho” que agia em Campinas e estariam envolvidas em vários crimes naquela região e também com os denunciados Eudes e Diniz.

As outras vítimas, Alessandro Renato e Fabio Soares não tinham qualquer envolvimento com a quadrilha de “Andinho” ou qualquer crime de seqüestro, sendo apenas conhecidos dos demais e estavam, por acaso, junto com Anderson e Valmir.

No trabalho de investigação do caso inerente ao seqüestro da menor Monique Nakano, a cargo da delegacia de repressão a seqüestros (DEAS de Campinas), no mês de setembro de 2001, Eudes efetuou análise dos telefones dos criminosos e identificou ligações para o telefone fixo situado no local dos fatos (fls. 369 do 2º volume do inquérito), sendo que essa informação foi passada para os policiais que efetuaram a ação, os quais se deslocaram até Caraguatatuba e chegando ao local de madrugada, entraram de forma sorrateira no condomínio, cercando a casa 10, sendo que cercaram a casa e arrebentaram a fechadura da porta adentrando na residência e indo diretamente ao quarto onde estavam as vítimas, efetuando disparos contra essas, as quais ainda estavam deitadas, dormindo, na cama beliche e no colchão que ficava no chão do quarto.

Não só os alvos principais Anderson e Valmir foram atingidos, como também Alessandro e Fabio que estavam no interior do mesmo quarto, em execução sumária e pré-determinada.

Durante as investigações, apurou-se o envolvimento dos policiais civis Eudes e Diniz com a quadrilha de “Andinho”, e também Anderson e Valmir Conti, tanto que eles já foram denunciados por tal envolvimento nas varas criminais de Campinas, conforme consta das peças informativas extraídas dos processos a que respondem (anexos I, e II ).

Laudo complementar de exumação dos corpos das vítimas, realizado em 27 de setembro de 2005, acabou evidenciando que a perícia anterior foi superficial e incompleta.

Todos os denunciados agiram com animus necandi, ou concorreram para tal, em razão do desenvolvimento dos fatos, bem como a sede das lesões notadamente os tiros desferidos na região da cabeça das vítimas, a quantidade de disparos efetuados e a forma como a execução foi preparada e realizada.

Os denunciados MARCOS ANTONIO MANFRIN, ALCIR BIAZON JUNIOR, NELSON DA COSTA, FABIO NUNES DE ARRUDA CAMPOS, SANDRO JOSÉ DA COSTA agiram por motivo torpe, eis que se dirigiram até onde às vítimas estavam para eliminá-las em atividade típica de grupo de extermínio.

Os denunciados ROGÉRIO LUIS SALUM DINIZ e EUDES TREVISAN agiram também por motivo torpe, qual seja, eliminar Autos de Inquérito Policial nº 542/01 as vítimas em razão da existência de um desentendimento entre eles e as referidas (Anderson e Valmir), componentes da quadrilha de Andinho, a qual também integravam.

Os denunciados MARCOS ANTONIO MANFRIN, ALCIR BIAZON JUNIOR, NELSON DA COSTA, FABIO NUNES DE ARRUDA CAMPOS, SANDRO JOSÉ DA COSTA e ROGÉRIO LUIS SALUM DINIZ utilizaram-se de recurso que dificultou a defesa das vítimas, qual seja a surpresa, alvejando-as principalmente na cabeça enquanto estavam deitadas no quarto da casa onde se encontravam, dormindo, conforme se depreende da dinâmica descrita no laudo do local juntado no 6º volume.

O denunciado EUDES TREVISAN concorreu de qualquer forma para a utilização do recurso que dificultou a defesa das vítimas, através de seu trabalho de localização da Anderson e Valmir pela análise dos telefones, fornecendo as informações, visando que esses fossem pegos de surpresa, na ação dos outros policiais.

Os denunciados MARCOS ANTONIO MANFRIN, ALCIR BIAZON JUNIOR, NELSON DA COSTA, FABIO NUNES DE ARRUDA CAMPOS, SANDRO JOSÉ DA COSTA e ROGÉRIO LUIS SALUM DINIZ, mataram as vítimas Alessandro e Fábio visando assegurar a ocultação e a impunidade dos homicídios praticados contra Anderson e Valmir, uma vez que estavam todos juntos no mesmo quarto e as referidas poderiam testemunhar contra os policiais, sendo que Eudes Trevisan concorreu de qualquer forma para o fato acima uma vez que forneceu as informações visando que Anderson e Valmir fossem pegos de surpresa e que ocorresse a ocultação e a impunidade desses dois homicídios.

Na seqüência, os denunciados MARCOS ANTONIO MANFRIN, ALCIR BIAZON JUNIOR, NELSON DA COSTA, FABIO NUNES DE ARRUDA CAMPOS, SANDRO JOSÉ DA COSTA e ROGÉRIO LUIS SALUM DINIZ inovaram artificiosamente o estado do local do crime, com o fim de induzir a erro o juiz e o perito que viessem a atuar na apuração do caso, realizando disparos em sentido contrário, de dentro para fora do quarto, com o único propósito de construir uma tese de legítima defesa para justificar sua ação criminosa, na verdade uma sumária execução (vide laudos do resultado da exumação dos corpos e dos levantamentos do local, feitos na época dos fatos e, mais recentemente, em outubro de 2004, juntados no último volume). EUDES TREVISAN, também concorreu de qualquer forma para esse fato, uma vez que sua analise dos telefones e o fornecimento do endereço para a ação surpresa dos outros policiais não poderia ser revelada, aderindo ao comportamento criminoso dos demais para evitar, de qualquer forma, que os fatos fossem descobertos.

Isto posto, DENUNCIAMOS MARCOS ANTONIO MANFRIN, ALCIR BIAZON JUNIOR, NELSON DA COSTA, FABIO NUNES DE ARRUDA CAMPOS, SANDRO JOSÉ DA COSTA, ROGÉRIO LUIS SALUM DINIZ e EUDES TREVISAN como incursos no artigo 121 § 2º inciso I (motivo torpe), inciso IV (recurso que dificultou a defesa da vítima), por duas vezes, artigo 121 § 2º inciso I (motivo torpe), inciso IV (recurso que dificultou a defesa das vítimas) e inciso V (assegurar a ocultação e a impunidade de outro crime), por duas vezes, e também pelo artigo 29, Código Penal e artigo 347 do mesmo diploma penal, por 04 vezes, em concurso material de crimes, bem como com o disposto pela lei 8072/90 .

Requeremos seja esta recebida e autuada bem como os denunciados citados para interrogatório e para que se vejam processados nos termos dos artigos 394, 406 e seguintes, até sua final pronúncia e encaminhamento para julgamento perante o Egrégio Tribunal do Júri de Caraguatatuba.

Requeremos, ainda, a oitiva das testemunhas constantes do rol seguinte para prestarem depoimento em data a ser estipulada, sob as cominações legais.

Autos de Inquérito Policial nº 542/01

ROL DE TESTEMUNHAS

1º) Doutor Joel Antonio dos Santos (Delegado de Polícia – Delegacia de Investigações sobre Extorsões mediante Sequestro – DEAS – de Campinas/SP);

2º) Adnei Brochi (investigador de polícia-Delegacia de Investigações sobre Extorsões mediante Seqüestro- DEAS – de Campinas/SP);

3º) Doutor Paulo D’Amico Junior (Promotor de Justiça em São Paulo – Foro regional da Lapa);

4º) Doutor Francisco Gastão Luppi (Delegado de Polícia da Corregedoria da Polícia Civil);

5º) André Luiz Cavalcante (Capitão PM RE 822279-7);

6º) Ivair Alves Gonçalves (soldado PM RE 894235-8);

7º) Francinaldo Avelino Irineu da Silva (testemunha – 6º volume);

8º) Testemunha ALFA (ouvida pelo MP – Provimento 32/00- 6º volume);

Autos de Inquérito Policial nº 542/01

9º) Testemunha Beta (ouvida pelo MP – Provimento 32/00- 6º volume);

10º)Testemunha Gama (0uvida pelo MP – Provimento 32/00- 6º volume);

São Paulo, 26 de janeiro de 2006.

Eder Segura

Promotor de Justiça – GAECO

Arthur Pinto de Lemos Junior

Promotor de Justiça – GAECO

José Reinaldo Guimarães Carneiro

Promotor de Justiça – GAECO

Gustavo Albano Dias da Silva

4º Promotor de Justiça de Caraguatatuba

Moacyr Whitaker Cohn de Assumpção

1º Promotor de Justiça de Caraguatatuba

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