Ordem natural

Veja voto do Marco Aurélio sobre base de cálculo de PIS/Cofins

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13 de fevereiro de 2006, 17h02

Em novembro passado, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, declarou inconstitucional lei que fixava nova base de cálculo para o cálculo de PIS/Cofins. Foi anulado o parágrafo 1º, do artigo 3º, da Lei 9.718/98.

Pela norma, as contribuições deveriam ser calculadas com base na receita bruta das empresas, e não apenas no faturamento. No parágrafo 1º, a lei definia como receita bruta “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”.

Por maioria, os ministros do Supremo entenderam que a lei era inconstitucional porque não cabe à lei ordinária legislar sobre matéria tributária. Além disso, a norma não estava de acordo com a Constituição.

Ainda em 1998, após a publicação da lei, a Emenda Constitucional 20 criou a hipótese da incidência de PIS/Cofins sobre o faturamento ou sobre a receita. A tese defendida pelo ministro Eros Grau foi de que a publicação da EC constitucionalizou a norma. No entanto, o voto dele ficou vencido.

O entendimento do ministro Marco Aurélio (maioria) foi de que não há como se falar em constitucionalidade posterior à publicação da lei. Para ele, isso seria inverter a ordem natural das coisas.

“A hierarquia das fontes legais, a rigidez da Carta, a revelá-la documento superior, conduz à necessidade de as leis hierarquicamente inferiores observarem-na, sob pena de transmudá-la, com nefasta inversão de valores”, afirmou o ministro.

Marco Aurélio afirmou que, se a lei foi publicada em desacordo com o texto constitucional em vigor na época, ela é, portanto, inconstitucional. “A constituição de certo diploma legal deve se fazer presente de acordo com a ordem jurídica em vigor, não cabendo reverter a ordem natural das coisas.”

Leia a íntegra dos votos do ministro Marco Aurélio em recursos extraordinários sobre a base de cálculo de PIS/Cofins.

18/05/2005 TRIBUNAL PLENO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 346.084-6 PARANÁ

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Senhora Presidente, valho-me do que preparei em relação ao Recurso Extraordinário nº 390.840-5/MG. Depois de analisar os pressupostos gerais de admissibilidade, digo:

Procedo à divisão da matéria, apreciando, em primeiro lugar, a articulação relativa à Lei 9.715/98.

A Corte de origem, ao decidir sob tal ângulo, fê-lo mediante a transcrição de precedentes (folha 134 a 136).

Então, no que interessa ao deslinde do extraordinário, assentou que a mudança da base de cálculo prevista na Lei Complementar nº 7/70 não exigia outra lei complementar, tampouco emenda constitucional. Confira-se com a transcrição da ementa do acórdão na Apelação no Mandado de Segurança nº 1999.01.00.106425-5/BA:

1. A menção que o legislador constituinte fez à Lei Complementar nº 7/70 visou apenas melhor individualizar a Contribuição Social para o PIS, sem que isso pudesse significar que o aludido diploma legal tivesse adquirido contornos definitivos, suscetível de sofrer alterações somente por meio de emenda constitucional.

(…)

Já com a reprodução da ementa atinente à Apelação no Mandado de Segurança nº 2000.01.00.040776- 8/MG, decidiu-se tendo em vista a desnecessidade de se contar com lei complementar para modificar a Lei Complementar nº 7/70:

(…)

A Lei Complementar nº 7/70 não necessita da edição de outra lei complementar para que seja alterada, porque, ao disciplinar contribuição prevista na Constituição (art. 195), é, na verdade, lei ordinária material.

(…)

Logo, ao se reportar a texto constitucional, muito embora sem se fazer menção a artigo, considerou-se o disposto no artigo 239 da Carta da República. Descabe, portanto, falar de ausência de prequestionamento. A jurisprudência desta Corte é no sentido de, contando-se com requisito próprio aos recursos de natureza extraordinária, dispensar-se, em si, a referência, no acórdão impugnado mediante o recurso extraordinário, a artigo, parágrafo, inciso ou alínea da Constituição Federal.

No mais, a norma do artigo 239 em análise não implicou o engessamento do Programa de Integração Social. O teor do preceito revela, isso sim, a destinação do que arrecadado sem fazer alusão explícita à base de incidência, que continuou a ser a prevista na Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970. Daí a inviabilidade de se dizer que houve, no caso, o empréstimo de envergadura constitucional aos parâmetros da citada contribuição.

Também não procede o que asseverado no tocante à necessidade de lei complementar. É certo que, originariamente, a Lei Complementar nº 7/70 dispôs sobre a incidência da contribuição sobre o valor do imposto de renda ou como se devido fosse. Todavia, a alteração que veio à balha, via Medida Provisória nº 1.676-38/98, convertida na Lei nº 9.715/98, passando a ter-se como base o faturamento, fez-se ao abrigo do artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, no que consignava, à época, que a seguridade social seria financiada pelo empregador, considerado o faturamento. Então, forçoso é concluir que não se tem situação concreta a atrair a observância necessária do § 4º do artigo 195 da Carta Política, segundo o qual a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social, obedecido o disposto no artigo 154, inciso I. Note-se, mais, o que assentado no voto condutor do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, do ministro Moreira Alves. Descabe partir para a exigência de lei complementar, fixando os parâmetros da contribuição, quando estes últimos se mostrem enquadráveis na previsão do artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, na redação primitiva. O recurso, no que tange à Lei nº 9.715/98, não está a merecer provimento, ficando afastada, assim, a possibilidade de se concluir pela ofensa à Carta da República.


Examino, então, a problemática referente à Lei nº 9.718/98. Aqui há de se perceber o empréstimo de sentido todo próprio ao conceito de faturamento. Eis o teor da lei envolvida na espécie:

Art. 2º As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei.

Tivesse o legislador parado nessa disciplina, aludindo a faturamento sem dar-lhe, no campo da ficção jurídica, conotação discrepante da consagrada por doutrina e jurisprudência, ter-se-ia solução idêntica à concernente à Lei nº 9.715/98. Tomar-se-ia o faturamento tal como veio a ser explicitado na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, ou seja, a envolver o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços. Respeitado estaria o Diploma Maior ao estabelecer, no inciso I do artigo 195, o cálculo da contribuição para o financiamento da seguridade social devida pelo empregador, considerado o faturamento.

Em última análise, ter-se-ia a observância da ordem natural das coisas, do conceito do instituto que é o faturamento, caminhando-se para o atendimento da jurisprudência desta Corte.

Eis um panorama de precedentes do Tribunal, considerados conceitos relativos a tributos.

Ao julgar o Recurso Extraordinário nº 116.121- 3/SP, o Plenário, sendo relator o ministro Octavio Gallotti, vencido no entendimento, teve oportunidade de proclamar que o imposto sobre serviços não incide sobre locação de bens porque locação de bens móveis não é simplesmente serviço. Fiquei com a redação do acórdão, conforme publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 178/1.265. Também na apreciação do Recurso Extraordinário nº 166.772-9/RS, o Plenário, em 12 de maio de 1994, reafirmou a necessidade de se atentar para o conceito consagrado dos institutos. Glosou a tentativa de se tomar, como abrangidos pela expressão “folha de salário”, os pagamentos efetuados a administradores e autônomos – Revista Trimestral de Jurisprudência 156/666-692. E, ao examinar o Recurso Extraordinário nº 172.058-1/SC, o Plenário, em 30 de junho de 1995 e conforme acórdão publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 161/1.043-1.057, veio, mais uma vez, a dar eficácia aos figurinos constitucional e legal ao concluir que não se pode falar em imposto sobre renda sem que haja ocorrido acréscimo patrimonial representado pela aquisição de disponibilidade sobre a renda. No caso, teve-se presente não só a Lei Fundamental como também o artigo 110 do Código Tributário Nacional, consoante o qual a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e forma de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente pela Constituição Federal. Então, após mencionar a jurisprudência da Corte sobre a valia dos institutos, dos vocábulos e expressões constantes dos textos constitucionais e legais e considerada a visão técnicovernacular, volto à Lei nº 9.718/98, salientando, como retratado acima, constar do artigo 2º a referência a faturamento. No artigo 3º, deu-se enfoque todo próprio, definição singular ao instituto faturamento, olvidando-se a dualidade faturamento e receita bruta de qualquer natureza, pouco importando a origem, em si, não estar revelada pela venda de mercadorias, de serviços, ou de mercadorias e serviços:

Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.

Não fosse o § 1º que se seguiu, ter-se-ia a observância da jurisprudência desta Corte, no que ficara explicitado, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, a sinonímia dos vocábulos “faturamento” e “receita bruta”. Todavia, o § 1º veio a definir esta última de forma toda própria:

§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.

O passo mostrou-se demasiadamente largo, olvidando-se, por completo, não só a Lei Fundamental como também a interpretação desta já proclamada pelo Supremo Tribunal Federal. Fez-se incluir no conceito de receita bruta todo e qualquer aporte contabilizado pela empresa, pouco importando a origem, em si, e a classificação que deva ser levada em conta sob o ângulo contábil.

Em síntese, o legislador ordinário (logicamente não no sentido vulgar, mas técnico-legislativo) acabou por criar uma fonte de custeio da seguridade à margem do disposto no artigo 195, com a redação vigente à época, e sem ter presente a regra do § 4º nele contida, isto é, a necessidade de novas fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social pautar-se pela regra do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, que é explícito quanto à exigência de lei complementar. Antecipou-se à própria Emenda Constitucional nº 20, no que, dando nova redação ao artigo 195 da Constituição Federal, versou a incidência da contribuição sobre a receita ou o faturamento. A disjuntiva “ou” bem revela que não se tem a confusão entre o gênero “receita” e a espécie “faturamento”. Repita-se, antes da Emenda Constitucional nº 20/98, posterior à Lei ora em exame, a Lei nº 9.718/98, tinha-se apenas a previsão de incidência da contribuição sobre a folha de salários, o faturamento e os lucros. Com a citada emenda, passou-se não só a se ter a abrangência quanto à primeira base de incidência, folha de salários, apanhando-se de forma linear os rendimentos do trabalho pagos ou creditados a qualquer título, mesmo sem vínculo empregatício, observando-se o precedente desta Corte, como também a inserção, considerado o que surgiu como alínea “b” do inciso I do artigo 195, da base de incidência, que é a receita.


Como, então, dizer-se, a esta altura, que houve simples explicitação do que já previsto na Carta? É admitir-se a vinda à balha de emenda constitucional sem conteúdo normativo. É admitir-se que o legislador ordinário possa, até mesmo, modificar enfoque pacificado mediante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no que haja atuado, à luz das balizas constitucionais, como guardião da Lei Fundamental. Descabe, também, partir para o que seria a repristinação, a constitucionalização de diploma que, ao nascer, mostrou-se em conflito com a Constituição Federal. Admita-se a inconstitucionalidade progressiva. No entanto, a constitucionalidade posterior contraria a ordem natural das coisas. A hierarquia das fontes legais, a rigidez da Carta, a revelá-la documento supremo, conduz à necessidade de as leis hierarquicamente inferiores observarem-na, sob pena de transmudá-la, com nefasta inversão de valores. Ou bem a lei surge no cenário jurídico em harmonia com a Constituição Federal, ou com ela conflita, e aí afigura-se írrita, não sendo possível o aproveitamento, considerado texto constitucional posterior e que, portanto, à época não existia. Está consagrado que o vício da constitucionalidade há de ser assinalado em face dos parâmetros maiores, dos parâmetros da Lei Fundamental existentes no momento em que aperfeiçoado o ato normativo. A constitucionalidade de certo diploma legal deve se fazer presente de acordo com a ordem jurídica em vigor, da jurisprudência, não cabendo reverter a ordem natural das coisas. Daí a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98. Nessa parte, provejo o recurso extraordinário e com isso acolho o segundo pedido formulado na inicial, ou seja, para assentar como receita bruta ou faturamento o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de serviços ou de mercadorias e serviços, não se considerando receita de natureza diversa. Deixo de acolher o pleito de compensação de valores, porque não compôs o pedido inicial.

18/05/2005 TRIBUNAL PLENO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 357.950-9 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

RECORRENTE(S) : COMPANHIA RIOGRANDENSE DE PARTICIPAÇÕES – CRP

ADVOGADO(A/S) : LARISSA DIEFENBACH LEUCK DE NARDI

ADVOGADO(A/S) : RODRIGO LEPORACE FARRET E OUTRO(A/S)

RECORRIDO(A/S) : UNIÃO

ADVOGADO(A/S) : PFN – RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O Tribunal Regional Federal da 4ª Região proveu a apelação da União e a remessa oficial, ante fundamentos assim sintetizados às folhas 163 e 164:

COFINS. ALÍQUOTA. BASE DE CÁLCULO. COMPENSAÇÃO DA COFINS COM A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO. ANTERIORIDADE MITIGADA. LEI Nº 9.718.

A nova redação dada às leis complementares 07/70 e 70/91 pela Lei nº 9.718, de 1998, ampliou a base de cálculo do PIS e da COFINS e elevou a alíquota desta última.

O Supremo Tribunal Federal já assentou que é necessário lei complementar somente para a criação de outras fontes para a seguridade social, nos termos do parágrafo 4º do art. 195 da Constituição Federal, para as já previstas no texto constitucional basta lei ordinária.

Neste diapasão, as disposições das Leis Complementares 07, de 1970 e 70, de 1991, devem ser tidas como de leis ordinárias, e, portanto, passíveis de modificação por norma da mesma hierarquia.

A Lei nº 9.718, de 1998, ao limitar o direito à compensação de 1/3 do valor pago a título de COFINS, com a contribuição social sobre o lucro, não ofendeu os princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária.

No que diz respeito à anterioridade mitigada, a mesma se conta a partir da edição da primeira medida provisória que trata da matéria. Nessas condições, tendo em conta que a Lei 9.718, de 27.11.1998, está isenta de vício no processo de conversão e que, no que aqui atine, é reprodução fiel da Medida Provisória nº 1.724, de 29.10.1998, tenho que o prazo nonagesimal de que trata o artigo 195, parágrafo 6º, da Constituição da República, deve ser contado da edição deste último veículo legislativo, ou seja, de 30 de outubro de 1998, data de sua publicação, perfectibilizando-se, portanto, em 1º de fevereiro de 1999, tal qual ficou assentado no inciso I do artigo 17 da lei.

A Emenda Constitucional nº 20, de 1998, convalidou a Lei nº 9.718, porquanto “a única exigência para que o direito ordinário anterior sobreviva debaixo da nova Constituição é que não mantenha com ela nenhuma contrariedade não importando que a mantivesse com a anterior, quer do ponto de vista material, quer formal.

Não que a nova Constituição esteja a convalidar vícios anteriores. Ela simplesmente dispõe “ex novo” (Celso Ribeiro Bastos, in Curso de Direito Constitucional).

Os embargos de declaração que se seguiram foram parcialmente providos (folha 172 à 174).


No extraordinário de folha 191 a 212, interposto com alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, articula-se com o malferimento dos artigos 146, inciso III, alínea “a”, 195, § 4º; 154, inciso I; 59; 69; 145, § 1º, e 150, inciso II, da Carta Política da República. Afirma-se a inconstitucionalidade da Lei nº 9718/98, que introduziu o aumento da alíquota e o alargamento da base de cálculo da COFINS, “uma vez que a própria Constituição Federal estabeleceu que apenas lei complementar poderá disciplinar matéria de legislação tributária” (folha 197). Entendem-se contrariados os princípios da hierarquia das normas e da segurança jurídica. Transcrevem-se lições de Hugo de Brito Machado e Edvaldo Brito. Ressalta-se que “considerando que a norma disciplinada no artigo 195 da Constituição Federal foi garantida e se tornou executável por uma legislação complementar, isto é, através (sic) da Lei Complementar nº 70/91, que instituiu a COFINS, somente poderão ser os elementos modificados por norma de igual hierarquia” (folha 202). Consigna-se a impossibilidade de convalidação da Lei 9718/98 pela Emenda Constitucional nº 20/98, que lhe foi posterior. Entende-se como “inaceitável que uma lei ordinária discipline matéria tributária, alterando e acrescentando conteúdo a artigos da Constituição” (folha 204). Cita-se o ensinamento dos mestres José Afonso da Silva, Ives Gandra Martins e Celso Antônio Bandeira de Mello. Asseveram-se violados, também, os princípios da capacidade contributiva e da isonomia tributária, porquanto o § 1º do artigo 8º da Lei 9718/98, ao dispor sobre a compensação, implicaria o tratamento desigual de contribuintes que, segundo o sustentado, encontrar-se-iam em situação equivalente.

As contra-razões estão à folha 229 à 239. Ao recurso especial simultaneamente interposto foi negado seguimento na origem (folha 241), decisão esta não impugnada (certidão de folha 246).

O procedimento atinente ao juízo primeiro de admissibilidade está à folha 242.

À folha 248, despachou o ministro Maurício Corrêa, a quem sucedi na relatoria deste processo, determinando a remessa dos autos à Procuradoria Geral da República. Daí a peça de folha 250 à 254, na qual o Subprocurador-Geral Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos preconiza o não-conhecimento do recurso, adotando as razões contidas no parecer proferido pelo Dr. João Batista de Almeida no Recurso Extraordinário nº 294.328-2/RS.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Na interposição deste recurso, foram observados os pressupostos gerais de recorribilidade. A peça foi subscrita por profissional da advocacia credenciado pela procuração de folha 35. Quanto à oportunidade, a decisão atacada restou veiculada no Diário de 6 de junho de 2001, que circulou em 12 de junho de 2001, terça-feira (folha 175), ocorrendo a manifestação do inconformismo em 20 imediato, quarta-feira (folha 191), no prazo assinado em lei. O preparo está comprovado à folha 213.

Procedo ao exame da problemática referente à Lei nº 9.718/98. Aqui há de se perceber o empréstimo de sentido todo próprio ao conceito de faturamento. Eis o teor da lei envolvida na espécie:

Art. 2º As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei.

Tivesse o legislador parado nessa disciplina, aludindo a faturamento sem dar-lhe, no campo da ficção jurídica, conotação discrepante da consagrada por doutrina e jurisprudência, tomar-se-ia o faturamento tal como veio a ser explicitado na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, ou seja, a envolver o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços. Respeitado estaria o Diploma Maior ao estabelecer, no inciso I do artigo 195, o cálculo da contribuição para o financiamento da seguridade social devida pelo empregador, considerado o faturamento. Em última análise, ter-se-ia a observância da ordem natural das coisas, do conceito do instituto que é o faturamento, caminhando-se para o atendimento da jurisprudência desta Corte.

Eis um panorama de precedentes do Tribunal, considerados conceitos relativos a tributos.

Ao julgar o Recurso Extraordinário nº 116.121-3/SP, o Plenário, sendo relator o ministro Octavio Gallotti, vencido no entendimento, teve oportunidade de proclamar que o imposto sobre serviços não incide sobre locação de bens porque locação de bens móveis não é simplesmente serviço. Fiquei com a redação do acórdão, conforme publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 178/1.265. Também na apreciação do Recurso Extraordinário nº 166.772-9/RS, o Plenário, em 12 de maio de 1994, reafirmou a necessidade de se atentar para o conceito consagrado dos institutos.


Glosou a tentativa de se tomar, como abrangidos pela expressão “folha de salário”, os pagamentos efetuados a administradores e autônomos – Revista Trimestral de Jurisprudência 156/666-692. E, ao examinar o Recurso Extraordinário nº 172.058-1/SC, o Plenário, em 30 de junho de 1995 e conforme acórdão publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 161/1.043-1.057, veio, mais uma vez, a dar eficácia aos figurinos constitucional e legal ao concluir que não se pode falar em imposto sobre renda sem que haja ocorrido acréscimo patrimonial representado pela aquisição de disponibilidade sobre a renda. No caso, teve-se presente não só a Lei Fundamental como também o artigo 110 do Código Tributário Nacional, consoante o qual a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e forma de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente pela Constituição Federal.

Então, após mencionar a jurisprudência da Corte sobre a valia dos institutos, dos vocábulos e expressões constantes dos textos constitucionais e legais e considerada a visão técnico-vernarcular, volto à Lei nº 9.718/98, salientando, como retratado acima, constar do artigo 2º a referência a faturamento. No artigo 3º, deu-se enfoque todo próprio, definição singular ao instituto faturamento, olvidando-se a dualidade faturamento e receita bruta de qualquer natureza, pouco importando a origem, em si, não estar revelada pela venda de mercadorias, de mercadorias e serviços ou de serviços:

Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.

Não fosse o § 1º que se seguiu, ter-se-ia a observância da jurisprudência desta Corte, no que ficara explicitado, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, a sinonímia dos vocábulos “faturamento” e “receita bruta”. Todavia, o § 1º veio a definir esta última de forma toda própria:

§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.

O passo mostrou-se demasiadamente largo, olvidando-se, por completo, não só a Lei Fundamental como também a interpretação desta já proclamada pelo Supremo Tribunal Federal. Fez-se incluir no conceito de receita bruta todo e qualquer aporte contabilizado pela empresa, pouco importando a origem, em si, e a classificação que deva ser levada em conta sob o ângulo contábil.

Em síntese, o legislador ordinário (logicamente não no sentido vulgar, mas técnico-legislativo) acabou por criar uma fonte de custeio da seguridade à margem do disposto no artigo 195, com a redação vigente à época, e sem ter presente a regra do § 4º nele contido, isto é, a necessidade de novas fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social pautar-se pela regra do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, que é explícito quanto à exigência de lei complementar. Antecipou-se à própria Emenda Constitucional nº 20, no que, dando nova redação ao artigo 195 da Constituição Federal, versou a incidência da contribuição sobre a receita ou o faturamento. A disjuntiva “ou” bem revela que não se tem a confusão entre o gênero “receita” e a espécie “faturamento”. Repita-se, antes da Emenda Constitucional nº 20/98, posterior à Lei ora em exame, a Lei nº 9.718/98, tinha-se apenas a previsão de incidência da contribuição sobre a folha de salários, o faturamento e os lucros. Com a citada emenda, passou-se não só a se ter a abrangência quanto à primeira base de incidência, folha de salários, apanhando-se de forma linear os rendimentos do trabalho pagos ou creditados a qualquer título, mesmo sem vínculo empregatício, observando-se o precedente desta Corte, como também a inserção, considerado o que surgiu como alínea “b” do inciso I do artigo 195, da base de incidência, que é a receita.

Como, então, dizer-se, a esta altura, que houve simples explicitação do que já previsto na Carta? É admitir-se a vinda à balha de emenda constitucional sem conteúdo normativo. É admitir-se que o legislador ordinário possa, até mesmo, modificar enfoque pacificado mediante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no que haja atuado, à luz das balizas constitucionais, como guardião da Lei Fundamental. Descabe, também, partir para o que seria a repristinação, a constitucionalização de diploma que, ao nascer, mostrou-se em conflito com a Constituição Federal. Admita-se a inconstitucionalidade progressiva. No entanto, a constitucionalidade posterior contraria a ordem natural das coisas.

A hierarquia das fontes legais, a rigidez da Carta, a revelá-la documento supremo, conduz à necessidade de as leis hierarquicamente inferiores observarem-na, sob pena de transmudá-la, com nefasta inversão de valores. Ou bem a lei surge no cenário jurídico em harmonia com a Constituição Federal, ou com ela conflita, e aí afigura-se írrita, não sendo possível o aproveitamento, considerado texto constitucional posterior e que, portanto, à época não existia.


Está consagrado que o vício da constitucionalidade há de ser assinalado em face dos parâmetros maiores, dos parâmetros da Lei Fundamental existentes no momento em que aperfeiçoado o ato normativo. A constitucionalidade de certo diploma legal deve se fazer presente de acordo com a ordem jurídica em vigor, da jurisprudência, não cabendo reverter a ordem natural das coisas. Daí a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98.

Nessa parte, provejo o recurso extraordinário e com isso acolho o pedido formulado na inicial, referente à base de cálculo da contribuição, ou seja, para que se entenda, como receita bruta ou faturamento, o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de mercadorias e serviços, quer da venda de serviços, não se considerando receita bruta de natureza diversa.

Quanto ao pedido de declaração de inconstitucionalidade do artigo 8º, cabeça, da Lei nº 9.718/98 – que dispõe sobre a majoração da alíquota da COFINS –, improcede o que sustentado no extraordinário. Com efeito, assentado que a contribuição em exame tem como base de incidência o faturamento – e afastado o disposto no § 1º do artigo 3º da Lei 9.718/98 –, está a contribuição alcançada pelo preceito inserto no inciso I do artigo 195 da Constituição Federal. Assim, observa-se, no ponto, o que já decidido por esta Corte, no sentido da desnecessidade de lei complementar para a majoração de contribuição cuja instituição se dera com base no citado dispositivo constitucional, vale dizer, no artigo 195, inciso I, da Carta da República. Descabe cogitar, portanto, de instrumental próprio, ou seja, o da lei complementar, para a majoração da alíquota da COFINS.

Por fim, cabe o simples registro, em relação ao pleito de compensação de valores, considerados COFINS e CSLL, que o Regional se pronunciou em harmonia com precedente desta Corte – Recurso Extraordinário nº 336.134-1/RS.

Ante o quadro, conheço do recurso e o provejo para conceder, parcialmente, a segurança, afastando a base de incidência definida no § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, declarando-o inconstitucional.

18/05/2005 TRIBUNAL PLENO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 358.273-9 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

RECORRENTE(S) : AMERICAN TOOL DO BRASIL LTDA

ADVOGADO(A/S) : PAULO JOSÉ KOLBERG BING E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) : RODRIGO LEPORACE FARRET

RECORRIDO(A/S) : UNIÃO

ADVOGADO(A/S) : PFN – RICARDO PY GOMES DA SILVEIRA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou acolhida a pedido formulado em apelação, sufragando a tese assim sintetizada na ementa do acórdão de folha 138 a 145:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PIS. EC 20/98. LEI 9718/98. ALARGAMENTO DO CONCEITO DE FATURAMENTO. CONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR. INEXIGÊNCIA.

1. O tributo denominado Programa de Integração Social (PIS) é contribuição social prevista no art. 195-I e recepcionada pelo art. 239, ambos da CF/88, prescindido lei complementar a alteração de comandos da LC 7/70.

Precedentes do E. STF: ADIN nº 1417-DF, em 2-8-99 in Informativo STF nº 156.

2. O conceito próprio de ‘faturamento’, entendido como ‘receita bruta’ e esta como a ‘totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica’, (Lei 9.718, arts. 2º, 3º e seus §§), com as exclusões que prevê, encontra guarida no ordenamento jurídico por força do art. 110 do CTN e encontrou novo fundamento de validade com a vinda à lume da Emenda Constitucional nº 20 de 16 de dezembro de 1998. Anterioridade nonagesimal é contada a partir da edição da MP 1.724, de 29 de outrubro de 1998 (DOU 30-10-98), convolada na Lei 9.718. Precedentes do E. STF e E. TFR 4ª R.

3. O Pleno desta Corte, em processo (Argüição de Inconstitcuinalidade n. 1999.04.01.080274-1) decidiu, por maioria, rejeitar a argüição de inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei nº 9.718/98.

4. Apelação improvida. No recurso extraordinário, de folha 165 a 214, interposto com alegada base na alínea “a” do permissivo constitucional, alega-se que a Corte de origem deixou de observar que a Lei nº 9.718/98 estaria em contrariedade com o disposto nos artigos 195, inciso I, e 239 da Constituição da República e 3º da Lei Complementar nº 7/70, porquanto:

a) a base de cálculo constitucionalizada do PIS, nos termos do art. 239 da C.F., e isso por remissão à L.C. 07/70, era e é o faturamento, como tal a receita bruta operacional a que alude a legislação do I.R., não abrangidas, assim, receitas outras, tais como as indicadas pela Lei 9.718/98, que, por isso mesmo, resulta inconstitucional;

b) não tendo a E.C. 20/98 alterado o art. 239 da C.F., fonte normativa do PIS, mas, única e tão somente , o art. 195, I da C.F, sua superveniência não arreda, nem mesmo em tese, o vício em trela, ainda que se considere sanado para efeito específico da COFINS, à qual também se aplica a Lei 9.718/98,


c) legislado o PIS, ademais e originalmente, por Lei Complementar – LC 07/70 – inviolável sua modificação através de simples lei ordinária, violando-se, assim, o devido processo legislativo,

d) por fim, distinguindo-se, já com a E.C. 20/98, faturamento e receita bruta, tais conceitos não poderiam ser equiparados pelo legislador infraconstitucional, resultando, daí, uma inconstitucionalidade do conjunto normativo da Lei nº 9718/98. (folha 173) Sustenta-se que a determinação para o recolhimento do PIS sobre “todas as receitas, operacionais ou não, financeiras ou não, da pessoa jurídica” teria implicado “um confesso, indisfarçável e substancial alargamento da base de cálculo” (folha 168). Articulase com a “impossibilidade da Emenda Constitucional nº 20/98 convalidar a Lei nº 9718/98, em atenção ao princípio da irretroatividade das leis” (folha 174), mesmo tendo presente “o fato de que a vacatio legis, imposta no art. 17, inciso I da Lei nº 9718/98, recair para além da vigência da E.C. 20/98”. Ainda que assim não fosse, indica-se que caberia ao legislador, considerado o teor da Emenda Constitucional nº 20/98, “escolher entre uma das bases de cálculo ‘faturamento’ ou ‘receita’, mas jamais” estabelecer “uma base intermediária ou híbrida” (folha 175), criando “uma base de cálculo de entremeio”, como contido na Lei 9718/98. Aborda-se a questão da inconstitucionalidade material da Lei nº 9718/98, afirmando-se que tendo o legislador optado por disciplinar determinada matéria mediante a edição de lei complementar – no caso, a Lei Complementar nº 7/70- – não poderia haver novo regramento via lei ordinária. – ainda que o tema tratado pudesse, em tese, ter sido assim estabelecido – , tendo sido violado o disposto nos artigos 59, inciso II, 61 e 69 da Carta Política. Insiste-se na violação da Emenda Constitucional nº 17/97, pelo que se contém na Lei 9718/98, argumentado-se que não tendo havido alteração do “inciso V, do art. 71 do ADCT, com a redação dada pela E.C. 17/97”, deixou-se, “assim, incólume a retificação da base de cálculo do PIS – ‘a receita bruta operacional, como definida na legislação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza’.” (folha 213). Entende-se que a “E.C. 17/97 apenas autorizou que se legislasse, via ordinária, sobre alíquota do PIS exigível das instituições financeiras, mantida a base de cálculo preconizada no art. 239 da C.F. e no inc.V do art. 71 do ADCT” (folha 213).

A União apresentou as contra-razões de folha 228 à 238, estando o procedimento atinente ao juízo primeiro de admissibilidade à folha 241. A Procuradoria Geral da República, mediante e a peça de folha 257 à 261, preconiza o não-conhecimento do recurso.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Na interposição deste recurso, foram observados os pressupostos gerais de recorribilidade. A peça foi subscrita por profissional da advocacia credenciado pela procuração de folha 37. Quanto à oportunidade, a decisão atacada restou veiculada no Diário de 30 de maio de 2001, quarta-feira (folha 146), ocorrendo a manifestação do inconformismo em 15 de junho de 2001, quinta-feira (folha 165), no prazo assinado em lei. O preparo está comprovado à folha 216.

Procedo à divisão da matéria, apreciando, em primeiro lugar, a articulação relativa à alegada ofensa ao artigo 239 da Carta da República.

A norma do artigo 239 em análise não implicou o engessamento do Programa de Integração Social. O teor do preceito revela, isso sim, a destinação do que arrecadado sem fazer alusão explícita à base de incidência, que continuou a ser a prevista na Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970. Daí a inviabilidade de se dizer que houve, no caso, o empréstimo de envergadura constitucional aos parâmetros da citada contribuição.

Examino, então, os demais aspectos referentes à Lei nº 9.718/98. Aqui há de se perceber o empréstimo de sentido todo próprio ao conceito de faturamento. Eis o teor da lei envolvida na espécie:

Art. 2º As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei.

Tivesse o legislador parado nessa disciplina, aludindo a faturamento sem dar-lhe, no campo da ficção jurídica, conotação discrepante da consagrada por doutrina e jurisprudência, tomar-se-ia o faturamento tal como veio a ser explicitado na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, ou seja, a envolver o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços. Respeitado estaria o Diploma Maior ao estabelecer, no inciso I do artigo 195, o cálculo da contribuição para o financiamento da seguridade social devida pelo empregador, considerado o faturamento. Em última análise, ter-se-ia a observância da ordem natural das coisas, do conceito do instituto que é o faturamento, caminhando-se para o atendimento da jurisprudência desta Corte.


Eis um panorama de precedentes do Tribunal, considerados conceitos relativos a tributos.

Ao julgar o Recurso Extraordinário nº 116.121-3/SP, o Plenário, sendo relator o ministro Octavio Gallotti, vencido no entendimento, teve oportunidade de proclamar que o imposto sobre serviços não incide sobre locação de bens porque locação de bens móveis não é simplesmente serviço. Fiquei com a redação do acórdão, conforme publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 178/1.265. Também na apreciação do Recurso Extraordinário nº 166.772-9/RS, o Plenário, em 12 de maio de 1994, reafirmou a necessidade de se atentar para o conceito consagrado dos institutos.

Glosou a tentativa de se tomar, como abrangidos pela expressão “folha de salário”, os pagamentos efetuados a administradores e autônomos – Revista Trimestral de Jurisprudência 156/666-692. E, ao examinar o Recurso Extraordinário nº 172.058-1/SC, o Plenário, em 30 de junho de 1995 e conforme acórdão publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 161/1.043-1.057, veio, mais uma vez, a dar eficácia aos figurinos constitucional e legal ao concluir que não se pode falar em imposto sobre renda sem que haja ocorrido acréscimo patrimonial representado pela aquisição de disponibilidade sobre a renda. No caso, teve-se presente não só a Lei Fundamental como também o artigo 110 do Código Tributário Nacional, consoante o qual a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e forma de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente pela Constituição Federal.

Então, após mencionar a jurisprudência da Corte sobre a valia dos institutos, dos vocábulos e expressões constantes dos textos constitucionais e legais e considerada a visão técnico-vernacular, volto à Lei nº 9.718/98, salientando, como retratado acima, constar do artigo 2º a referência a faturamento. No artigo 3º, deu-se enfoque todo próprio, definição singular ao instituto faturamento, olvidando-se a dualidade faturamento e receita bruta de qualquer natureza, pouco importando a origem, em si, não estar revelada pela venda de mercadorias, de mercadorias e serviços ou de serviços:

Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.

Não fosse o § 1º que se seguiu, ter-se-ia a observância da jurisprudência desta Corte, no que ficara explicitado, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, a sinonímia dos vocábulos “faturamento” e “receita bruta”. Todavia, o § 1º veio a definir esta última de forma toda própria:

§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.

O passo mostrou-se demasiadamente largo, olvidando-se, por completo, não só a Lei Fundamental como também a interpretação desta já proclamada pelo Supremo Tribunal Federal. Fez-se incluir no conceito de receita bruta todo e qualquer aporte contabilizado pela empresa, pouco importando a origem, em si, e a classificação que deva ser levada em conta sob o ângulo contábil.

Em síntese, o legislador ordinário (logicamente não no sentido vulgar, mas técnico-legislativo) acabou por criar uma fonte de custeio da seguridade à margem do disposto no artigo 195, com a redação vigente à época, e sem ter presente a regra do § 4º nele contido, isto é, a necessidade de novas fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social pautar-se pela regra do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, que é explícito quanto à exigência de lei complementar. Antecipou-se à própria Emenda Constitucional nº 20, no que, dando nova redação ao artigo 195 da Constituição Federal, versou a incidência da contribuição sobre a receita ou o faturamento. A disjuntiva “ou” bem revela que não se tem a confusão entre o gênero “receita” e a espécie “faturamento”. Repita-se, antes da Emenda Constitucional nº 20/98, posterior à Lei ora em exame, a Lei nº 9.718/98, tinha-se apenas a previsão de incidência da contribuição sobre a folha de salários, o faturamento e os lucros. Com a citada emenda, passou-se não só a se ter a abrangência quanto à primeira base de incidência, folha de salários, apanhando-se de forma linear os rendimentos do trabalho pagos ou creditados a qualquer título, mesmo sem vínculo empregatício, observando-se o precedente desta Corte, como também a inserção, considerado o que surgiu como alínea “b” do inciso I do artigo 195, da base de incidência, que é a receita.

Como, então, dizer-se, a esta altura, que houve simples explicitação do que já previsto na Carta? É admitir-se a vinda à balha de emenda constitucional sem conteúdo normativo. É admitir-se que o legislador ordinário possa, até mesmo, modificar enfoque pacificado mediante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no que haja atuado, à luz das balizas constitucionais, como guardião da Lei Fundamental. Descabe, também, partir para o que seria a repristinação, a constitucionalização de diploma que, ao nascer, mostrou-se em conflito com a Constituição Federal. Admita-se a inconstitucionalidade progressiva. No entanto, a constitucionalidade posterior contraria a ordem natural das coisas.


A hierarquia das fontes legais, a rigidez da Carta, a revelá-la documento supremo, conduz à necessidade de as leis hierarquicamente inferiores observarem-na, sob pena de transmudá-la, com nefasta inversão de valores. Ou bem a lei surge no cenário jurídico em harmonia com a Constituição Federal, ou com ela conflita, e aí afigura-se írrita, não sendo possível o aproveitamento, considerado texto constitucional posterior e que, portanto, à época não existia.

Está consagrado que o vício da constitucionalidade há de ser assinalado em face dos parâmetros maiores, dos parâmetros da Lei Fundamental existentes no momento em que aperfeiçoado o ato normativo. A constitucionalidade de certo diploma legal deve se fazer presente de acordo com a ordem jurídica em vigor, da jurisprudência, não cabendo reverter a ordem natural das coisas. Daí a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98.

Nessa parte, provejo o recurso extraordinário e com isso concedo parcialmente a ordem para excluir da base de incidência do PIS receita estranha ao faturamento da impetrante, entendido este como o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de serviços ou de mercadorias e serviços.

18/05/2005 TRIBUNAL PLENO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 390.840-5 MINAS GERAIS

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

RECORRENTE(S) : UNIMED BELO HORIZONTE COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO LTDA

ADVOGADO(A/S) : FERNANDA GUIMARÃES HERNANDES

RECORRIDO(A/S) : UNIÃO

ADVOGADO(A/S) : PFN – CLÁUDIA REGINA A. M. PEREIRA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – O Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento à apelação e à remessa oficial, pelos fundamentos assim sintetizados (folha 139):

TRIBUTÁRIO. PIS. LEIS 9.715 E 9.718/98. CONSTITUCIONALIDADE.

1. Argüição de inconstitucionalidade rejeitada pela Corte Especial deste Tribunal (AMS nº 1999.01.00.096053-2/MG).

2. A Lei Complementar 07/70, na parte que cria a contribuição social, tem natureza de lei ordinária. Não é necessária a edição de outra lei complementar para alterá-la.

3. A Lei 9.718/98 não criou nova fonte de custeio. Faturamento e receita bruta são termos fiscais equivalentes.

4. Os efeitos produzidos pela Lei nº 9.718/98 se deram após a promulgação da EC nº 20/98, não havendo, pois, obstáculos no que tange à fundamentação baseada no novo texto constitucional.

5. A previsão contida no art. 8º, § 1º, da Lei 9.718/98, possibilitando a compensação de um terço da COFINS com a CSSL, não ofende o princípio da igualdade entre os contribuintes, vez que a permite isonomicamente em relação a todos aqueles que se encontrem em condições genericamente previstas na lei, inexistindo, destarte, o caráter confiscatório e tampouco o de empréstimo compulsório.

6. O STF firmou o entendimento de que o tempo a quo para observância do princípio da anterioridade, na hipótese, do prazo nonagesimal é o da publicação da Medida Provisória.

7. É constitucional a alteração da base de cálculo do PIS, pela Medida Provisória nº 1.212, de 28/11/95, e reedições, até a Medida Provisória nº 1.676-38, de 22/10/98, convertida na Lei nº 9.715/98, de 25/11/98 (AR 1998.01.00.073461-0/DF).

8. Apelo e remessa providos. Os embargos de declaração que se seguiram (folha 140 a 148) foram desprovidos pelo Colegiado (folha 150 a 153).

No extraordinário de folha 174 a 193, interposto a partir da alínea “a” do permissivo constitucional, argumenta-se com a transgressão dos artigos 239; 195, cabeça e §§ 4º e 6º; 154, inciso I; 5º, inciso II; 150 e 59 da Carta Política da República, além do princípio da irretroatividade. Alega-se que a contribuição ao PIS restou “albergada” pelo artigo 239 da Constituição “nos mesmos termos em que foi criada e estipulada pela Lei Complementar 7/70”, ou seja, recepcionou-se a base de cálculo como sendo o imposto de renda devido, ou como se devido fosse, cuja alteração somente poderia ser introduzida mediante lei complementar. Argúi-se a inconstitucionalidade da Lei nº 9.715/98, que determinou a incidência do PIS sobre o faturamento, e da Lei nº 9.718/98, que ampliou o conceito deste último, para incluir “todas as receitas auferidas (pela pessoa jurídica), independente do seu nascedouro” (folha 185). Sustenta-se que a majoração decorrente da Lei nº 9.718/98 teria, na verdade, implicado a criação de novo tributo, sem que fosse observado o devido processo legislativo. Ressalta-se que esta Corte fixara, quando do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, conceito de faturamento diverso daquele estabelecido na Lei nº 9.718/98. Aduz-se que a Emenda Constitucional nº 20/98 “não tem o condão de retroagir para sanar os vícios da Lei nº 9.718/98”, porque “editada em ambiente jurídico que não lhe recepcionava”, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei tributária, que visa a assegurar a segurança jurídica. Assevera-se, ainda, o desrespeito ao princípio da anterioridade nonagesimal, porquanto, se válida a Lei nº 9.718/98, é a partir da publicação desta – e não da Medida Provisória nº 1.724/98 – que os efeitos incidiriam, ao fundamento de que quando “da conversão advieram mudanças substanciais no projeto inicial do Executivo” (folha 190).


As contra-razões estão à folha 204 à 216, encontrandose o procedimento referente ao juízo primeiro de admissibilidade à folha 219.

Registro que ao especial simultaneamente interposto foi negado seguimento pelo relator (folhas 224 e 225).

A Procuradoria Geral da República emitiu o parecer de folha 238 à 246, pelo não-conhecimento do recurso quanto às alegadas violações dos artigos 239 e 5º, incisos II e LIX, por falta de prequestionamento, e desprovimento, considerada a afirmação de infrigência aos artigos 195 e 154 da Lei Fundamental, tendo-se como constitucionais as Leis nº 9.715/98 e 9.718/98.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Na interposição deste recurso, foram observados os pressupostos gerais de recorribilidade. A peça foi subscrita por profissional da advocacia credenciado pela procuração de folha 26. Quanto à oportunidade, a decisão atacada restou veiculada no Diário de 12 de março de 2002, terça-feira (folha 153-verso), ocorrendo a manifestação do inconformismo em 26 imediato, terça-feira (folha 174), no prazo assinado em lei. O preparo está comprovado à folha 175.

Procedo à divisão da matéria, apreciando, em primeiro lugar, a articulação relativa à Lei nº 9.715/98. A Corte de origem, ao decidir sob tal ângulo, fê-lo mediante a transcrição de precedentes (folha 134 a 136). Então, no que interessa ao deslinde do extraordinário, assentou que a mudança da base de cálculo prevista na Lei Complementar nº 7/70 não exigia outra lei complementar, tampouco emenda constitucional. Confira-se com a transcrição da ementa do acórdão na Apelação no Mandado de Segurança nº 1999.01.00.106425-5/BA:

1. A menção que o legislador constituinte fez à Lei Complementar nº 7/70 visou apenas melhor individualizar a Contribuição Social para o PIS, sem que isso pudesse significar que o aludido diploma legal tivesse adquirido contornos definitivos, suscetível de sofrer alterações somente por meio de emenda constitucional.

(…)

Já com a reprodução da ementa atinente à Apelação no Mandado de Segurança nº 2000.01.00.040776-8/MG, decidiu-se tendo em vista a desnecessidade de se contar com lei complementar para modificar a Lei Complementar nº 7/70:

(…)

A Lei Complementar nº 7/70 não necessita da edição de outra lei complementar para que seja alterada, porque, ao disciplinar contribuição prevista na Constituição (art. 195), é, na verdade, lei ordinária material.

(…)

Logo, ao se reportar a texto constitucional, muito embora sem se fazer menção a artigo, considerou-se o disposto no artigo 239 da Carta da República. Descabe, portanto, falar de ausência de prequestionamento. A jurisprudência desta Corte é no sentido de, contando-se com requisito próprio aos recursos de natureza extraordinária, dispensar-se, em si, a referência, no acórdão impugnado mediante o recurso extraordinário, a artigo, parágrafo, inciso ou alínea da Constituição Federal.

No mais, a norma do artigo 239 em análise não implicou o engessamento do Programa de Integração Social. O teor do preceito revela, isso sim, a destinação do que arrecadado sem fazer alusão explícita à base de incidência, que continuou a ser a prevista na Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970. Daí a inviabilidade de se dizer que houve, no caso, o empréstimo de envergadura constitucional aos parâmetros da citada contribuição.

Também não procede o que asseverado no tocante à necessidade de lei complementar. É certo que, originariamente, a Lei Complementar nº 7/70 dispôs sobre a incidência da contribuição sobre o valor do imposto de renda ou como se devido fosse. Todavia, a alteração que veio à balha, via Medida Provisória nº 1.676-38/98, convertida na Lei nº 9.715/98, passando a ter-se como base o faturamento, fez-se ao abrigo do artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, no que consignava, à época, que a seguridade social seria financiada pelo empregador, considerado o faturamento.

Então, forçoso é concluir que não se tem situação concreta a atrair a observância necessária do § 4º do artigo 195 da Carta Política, segundo o qual a lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social, obedecido o disposto no artigo 154, inciso I. Note-se, mais, o que assentado no voto condutor do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, do ministro Moreira Alves. Descabe partir para a exigência de lei complementar, fixando os parâmetros da contribuição, quando estes últimos se mostrem enquadráveis na previsão do artigo 195, inciso I, da Constituição Federal, na redação primitiva. O recurso, no que tange à Lei nº 9.715/98, não está a merecer provimento, ficando afastada, assim, a possibilidade de se concluir pela ofensa à Carta da República.


Examino, então, a problemática referente à Lei nº 9.718/98. Aqui há de se perceber o empréstimo de sentido todo próprio ao conceito de faturamento. Eis o teor da lei envolvida na espécie:

Art. 2º As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei.

Tivesse o legislador parado nessa disciplina, aludindo a faturamento sem dar-lhe, no campo da ficção jurídica, conotação discrepante da consagrada por doutrina e jurisprudência, ter-se-ia solução idêntica à concernente à Lei nº 9.715/98. Tomar-se-ia o faturamento tal como veio a ser explicitado na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, ou seja, a envolver o conceito de receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços. Respeitado estaria o Diploma Maior ao estabelecer, no inciso I do artigo 195, o cálculo da contribuição para o financiamento da seguridade social devida pelo empregador, considerado o faturamento. Em última análise, ter-se-ia a observância da ordem natural das coisas, do conceito do instituto que é o faturamento, caminhando-se para o atendimento da jurisprudência desta Corte.

Eis um panorama de precedentes do Tribunal, considerados conceitos relativos a tributos.

Ao julgar o Recurso Extraordinário nº 116.121-3/SP, o Plenário, sendo relator o ministro Octavio Gallotti, vencido no entendimento, teve oportunidade de proclamar que o imposto sobre serviços não incide sobre locação de bens porque locação de bens móveis não é simplesmente serviço. Fiquei com a redação do acórdão, conforme publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 178/1.265. Também na apreciação do Recurso Extraordinário nº 166.772-9/RS, o Plenário, em 12 de maio de 1994, reafirmou a necessidade de se atentar para o conceito consagrado dos institutos.

Glosou a tentativa de se tomar, como abrangidos pela expressão “folha de salário”, os pagamentos efetuados a administradores e autônomos – Revista Trimestral de Jurisprudência 156/666-692. E, ao examinar o Recurso Extraordinário nº 172.058-1/SC, o Plenário, em 30 de junho de 1995 e conforme acórdão publicado na Revista Trimestral de Jurisprudência nº 161/1.043-1.057, veio, mais uma vez, a dar eficácia aos figurinos constitucional e legal ao concluir que não se pode falar em imposto sobre renda sem que haja ocorrido acréscimo patrimonial representado pela aquisição de disponibilidade sobre a renda. No caso, teve-se presente não só a Lei Fundamental como também o artigo 110 do Código Tributário Nacional, consoante o qual a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e forma de direito privado, utilizados expressa ou implicitamente pela Constituição Federal.

Então, após mencionar a jurisprudência da Corte sobre a valia dos institutos, dos vocábulos e expressões constantes dos textos constitucionais e legais e considerada a visão técnico-vernacular, volto à Lei nº 9.718/98, salientando, como retratado acima, constar do artigo 2º a referência a faturamento. No artigo 3º, deu-se enfoque todo próprio, definição singular ao instituto faturamento, olvidando-se a dualidade faturamento e receita bruta de qualquer natureza, pouco importando a origem, em si, não estar revelada pela venda de mercadorias, de serviços, ou de mercadorias e serviços:

Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica.

Não fosse o § 1º que se seguiu, ter-se-ia a observância da jurisprudência desta Corte, no que ficara explicitado, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 1-1/DF, a sinonímia dos vocábulos “faturamento” e “receita bruta”. Todavia, o § 1º veio a definir esta última de forma toda própria:

§ 1º Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.

O passo mostrou-se demasiadamente largo, olvidando-se, por completo, não só a Lei Fundamental como também a interpretação desta já proclamada pelo Supremo Tribunal Federal. Fez-se incluir no conceito de receita bruta todo e qualquer aporte contabilizado pela empresa, pouco importando a origem, em si, e a classificação que deva ser levada em conta sob o ângulo contábil.

Em síntese, o legislador ordinário (logicamente não no sentido vulgar, mas técnico-legislativo) acabou por criar uma fonte de custeio da seguridade à margem do disposto no artigo 195, com a redação vigente à época, e sem ter presente a regra do § 4º nele contido, isto é, a necessidade de novas fontes destinadas a garantir a manutenção ou a expansão da seguridade social pautar-se pela regra do artigo 154, inciso I, da Constituição Federal, que é explícito quanto à exigência de lei complementar. Antecipou-se à própria Emenda Constitucional nº 20, no que, dando nova redação ao artigo 195 da Constituição Federal, versou a incidência da contribuição sobre a receita ou o faturamento. A disjuntiva “ou” bem revela que não se tem a confusão entre o gênero “receita” e a espécie “faturamento”. Repita-se, antes da Emenda Constitucional nº 20/98, posterior à Lei ora em exame, a Lei nº 9.718/98, tinha-se apenas a previsão de incidência da contribuição sobre a folha de salários, o faturamento e os lucros. Com a citada emenda, passou-se não só a se ter a abrangência quanto à primeira base de incidência, folha de salários, apanhando-se de forma linear os rendimentos do trabalho pagos ou creditados a qualquer título, mesmo sem vínculo empregatício, observando-se o precedente desta Corte, como também a inserção, considerado o que surgiu como alínea “b” do inciso I do artigo 195, da base de incidência, que é a receita.

Como, então, dizer-se, a esta altura, que houve simples explicitação do que já previsto na Carta? É admitir-se a vinda à balha de emenda constitucional sem conteúdo normativo. É admitir-se que o legislador ordinário possa, até mesmo, modificar enfoque pacificado mediante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no que haja atuado, à luz das balizas constitucionais, como guardião da Lei Fundamental. Descabe, também, partir para o que seria a repristinação, a constitucionalização de diploma que, ao nascer, mostrou-se em conflito com a Constituição Federal. Admita-se a inconstitucionalidade progressiva. No entanto, a constitucionalidade posterior contraria a ordem natural das coisas.

A hierarquia das fontes legais, a rigidez da Carta, a revelá-la documento supremo, conduz à necessidade de as leis hierarquicamente inferiores observarem-na, sob pena de transmudá-la, com nefasta inversão de valores. Ou bem a lei surge no cenário jurídico em harmonia com a Constituição Federal, ou com ela conflita, e aí afigura-se írrita, não sendo possível o aproveitamento, considerado texto constitucional posterior e que, portanto, à época não existia.

Está consagrado que o vício da constitucionalidade há de ser assinalado em face dos parâmetros maiores, dos parâmetros da Lei Fundamental existentes no momento em que aperfeiçoado o ato normativo. A constitucionalidade de certo diploma legal deve se fazer presente de acordo com a ordem jurídica em vigor, da jurisprudência, não cabendo reverter a ordem natural das coisas. Daí a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98.

Nessa parte, provejo o recurso extraordinário e com isso acolho o segundo pedido formulado na inicial, ou seja, para assentar como receita bruta ou faturamento o que decorra quer da venda de mercadorias, quer da venda de serviços ou de mercadorias e serviços, não se considerando receita de natureza diversa. Deixo de acolher o pleito de compensação de valores, porque não compôs o pedido inicial.

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