Em prol da celeridade

Mudanças no CPC afrontam princípios constitucionais

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12 de fevereiro de 2006, 11h23

O Congresso Nacional decretou e o presidente da República sancionou a Lei 11.277, de 7 de fevereiro de 2006, por meio da qual acresceu-se à Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil), o artigo 285-A, de seguinte teor, que entrará em vigor no prazo de 90 dias de sua publicação:

Art. 285-A — “Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houve sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.

Parágrafo 1º — Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença o prosseguimento da ação.

Parágrafo 2º – Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso”.

Vê-se, desde logo, que a despeito de a alteração nas regras processuais impostas pela legislação acima mencionada imporem, na prática, uma maior celeridade à prestação jurisdicional, atendendo, assim, aos princípios da economia processual e efetividade do processo, já causa aos operadores do Direito uma grande perplexidade, na medida em que ofende frontalmente outros princípios, de hierarquia superior, em especial a garantia constitucional do devido processo legal, inscrita como direito fundamental de todos, no artigo 5º, inciso LVI da Constituição Federal, bem como e notadamente o direito do jurisdicionado ao contraditório e à ampla defesa, inscrito no artigo 5º, inciso LV da Carta Política de 1988.

Além de sua questionável constitucionalidade, o que por certo será objeto de controle, por meio da argüição pelos legitimados a tanto no artigo 2º da Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999, a Lei 11.277, de 7 de fevereiro de 2006, cria a figura da sentença de primeiro grau vinculante, quando se sabe, por outro lado, que a própria súmula vinculante, esta emanada de entendimentos recorrentes dos superiores órgãos colegiados do país, a saber, do E. Superior Tribunal de Justiça e do C. Supremo Tribunal Federal, já sofreram severas críticas por partes dos operadores do Direito. Ora, se a súmula vinculante não mereceu aprovação e a receptividade que se esperava, como se admitir atribuir-se isoladamente a um magistrado de primeiro grau o poder de prolatar sentenças de improcedência em ações judiciais que sequer foram objeto da garantia constitucional do devido processo legal, por meio do contraditório e da ampla defesa, tudo isso com arrimo no simples fato de já ter aquele magistrado prolatado em caso alegadamente idêntico decisão no mesmo sentido.

Em outras palavras, trata-se de uma decisão terminativa, proferida inaudita altera parte, com todos os gravames para a parte contrária, que se vê impedida de exercer, em toda a sua plenitude, o seu legítimo direito de defesa, quando se sabe que o instituto jurídico da antecipação da tutela de mérito, trazido à baila pelas importantes inovações contidas na Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, já contribuiu de forma decisiva para a celeridade e efetividade da prestação jurisdicional, ainda que provisoriamente, e desde que preenchidos os requisitos legais previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil, quais sejam, a verossimilhança da alegação, o fundado receio de dano irreparável, o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu, desde que não haja, na hipótese, perigo de irreversibilidade.

No entanto, em qualquer hipótese, abre-se ao à parte contrária o pleno exercício do seu legítimo direito de defesa, podendo o juiz vinculado ao processo revogar ou limitar o alcance da decisão antecipatória.

Mais grave ainda serão os efeitos daquelas sentenças prolatadas nos processos de que tratam os incisos I a VII do Código de Processo Civil, cujo recurso de apelação, se interposto efetivamente pela parte contrária, será recebido apenas no efeito devolutivo, já permitindo ao autor da ação a execução provisória do julgado, sem que se tenha dado ao réu o devido contraditório.

Trata-se, por qualquer ângulo que se examine a matéria, de uma excessiva concentração de poder nas mãos dos aplicadores do Direito, tudo em prol — repita-se — de uma suposta celeridade do processo judicial, mas que, na prática, trará prejuízos incomensuráveis e irretratáveis aos jurisdicionados.

Por outro lado, é nosso entendimento que a tão questionada morosidade do Poder Judiciário em todos os estados da Federação deve ser combatida por meio de outros instrumentos legais, que não importem na violação e ofensa aos direitos fundamentais dos cidadãos, mas sim que, de fato, se compatibilizem com os princípios constitucionais fundamentais e venham a impor ao processo uma maior celeridade e efetividade, tal como ocorreu com a recente alteração imposta ao processo de execução, por meio da promulgação da Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005.

Em conclusão, tergiversar a respeito do tema implicaria inclusive em odiosa e inaceitável violação aos princípios constitucionais acima elencados, tudo em prejuízo não apenas aos jurisdicionados, mas aos próprios membros do Poder Judiciário.

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